Capítulo 43

Sinto o exato momento em que o carro sai da inércia e começa a se mover. Continuo com minhas orações, crendo que tudo dará certo no final das contas. Fico apenas imaginando como dona Fernanda reagirá quando souber da minha atual condição. Uma pequena risada sai dos meus lábios com tal pensamento.

Decido que permanecerei de olhos fechados a viagem toda, assim como me mantive certa vez, ao fazer uma ressonância magnética. Nunca tive claustrofobia, porém prefiro evitar qualquer possibilidade do meu subconsciente me pregar uma peça.

O cheiro das frutas, acima de mim, entra em minhas narinas despertando a fome, que até então estava adormecida. Meu estomago se irrita e decide fazer um protesto barulhento.

Os minutos se demoram a passar. Não faço ideia de quanto tempo estava dentro daquela caixa de madeira. Tinha noção de que a viagem teria no mínimo uma duração de trinta minutos. Todavia, a sensação que tenho é de que esses minutos já passaram faz tempo, quando minhas pernas e coluna começam a doer, devido a posição.

A dor se intensifica ainda mais quando o carro para repentinamente. Minha cabeça se choca de maneira bruta contra a madeira. Solto um grito agudo e logo me repreendo por isso. A região lateja, entretanto, nada posso fazer.

Sem saber o que acontecia do lado de fora, intensifico meus clamores.

Escuto passos se aproximando e logo uma voz diferente toma conta do local. Não consigo entender o que eles falam, mas era óbvio que se trata de uma pessoa completamente desconhecida por mim. E talvez por Hassan.

A porta do carro é aberta, provavelmente o irmão da Aisha estava saindo do veículo. Fico em estado de alerta. Ele fala alguma coisa, e tudo o que consigo entender são as palavras carregamentos e frutas. Pude notar que a voz de Hassan estava próxima demais de onde eu estou.

De repente, a porta da caçamba é aberta, e alguém sobe no veículo. Automaticamente fecho os olhos e prendo a respiração. A pessoa começa a mexer nos carregamentos, cada vez se aproximando mais. Quando ele retira a tampar da minha caixa, consigo enxergar frestas de luz através de espaços que o tecido não tapava.

As frutas são reviradas e os tecidos arrancados. O peso que antes sentia estava claramente sendo removido, e isso não era um bom sinal. Minhas mãos começam a tremer, e por pouco não me dou conta de uma lágrima que teimosamente rola pelo meu rosto.

Em oração peço que Deus me receba em seus braços, pois podia prever o meu fim.

Quando o último lençol é arrancado, e meu corpo totalmente exposto, abro os olhos e contemplo a face do meu assassino. Um homem comum, que aparenta ter menos de trinta anos, com fortes traços africanos e olhos negros. Ele me fita por completo, entretanto, o que mais me surpreende é sua falta de expressão. O rapaz não esboça nenhuma reação ao me ver.

Será que ele já sabia o que encontraria ali?

Abro minha boca na intenção de clamar por misericórdia, porém ele é mais rápido do que eu ao dizer em sua língua mãe:

— Não há nada de errado!

Arregalo meus olhos, mas permaneço muda e completamente parada.

O homem volta a encher a caixa com os tecidos e frutas. Estava perdida em todos os pensamentos confusos até que sinto o carro saindo na inércia novamente.

— O que acabou de acontecer, Pai? — Sussurro, ainda incrédula.

Pouco tempo depois, o carro para novamente, mas pelas vozes conhecidas, logo me dou conta de que tínhamos finalmente chegado à casa de Habib.

Ouço a voz do Anfitrião questionando o filho se tudo havia ocorrido bem, contudo, ele não responde nada. Apena abre a caçamba, sobe no carro, se aproxima de mim e começa a retirar tudo com rapidez. Ao me ver, ele expira profundamente e balança negativamente a cabeça.

Em seguida, estende a mão para me ajudar a sair de lá, mas Vicente é mais rápido ao fazê-lo.

— Águi! Louvado seja Deus! — Ele me tira de lá, com cuidado, e me toma em seus braços — Você está bem! Obrigada, Senhor! — Sussurra com o rosto enterrado em meu cabelo desgrenhado.

Eu o envolvo com meus braços e sinto as lágrimas rolarem novamente. Dessa vez de alívio. Como é bom estar em seus braços novamente.

Afasto-me com delicadeza. Por mais que esteja aliviada, continuo confusa e ansiava por resposta. Vicente me encara sem entender. Eu simplesmente ignoro a pergunta que seus olhos fazem, e volto minha atenção a Hassan, que nos observa há poucos centímetros com os pensamentos perdidos, talvez nos últimos acontecimento.

— O que houve? — Minha voz sai baixa e um pouco falha.

Ele nega com a cabeça.

— Eu não faço ideia, Agatha! Dirigi até aqui rapidamente com a intenção de saber por você o que tinha acontecido.

— Do que estão falando? — Vicente pergunta, perdido em nossa conversa.

— Um grupo de traficantes nos abordou no final da Wadi Al-Mjeneen. — Hassan explica.

— O quê? — Os três perguntam perplexos.

Vicente me vira de frente para ele, e seus olhos aflitos começam a me analisar atentamente, parando em minha testa.

— Não se preocupe! — Asseguro — Foi no momento em que o carro parou bruscamente. — Sussurro apenas para ele ouvir, visto que Hassan compartilhava com Théo e Habib o acontecido.

— Um deles subiu na caçamba e começou a revistar todas as caixas. — Explica movimentando nervosamente os braços — Eu juro que pensei estar tudo perdido! Juro! Mas quando ele abriu a caixa onde a Agatha estava, retirou tudo e a encontrou... Eu não sei o que aconteceu!

— Como assim? — Théo pergunta, encarando-me com curiosidade.

— Ele me encontrou, me viu. — Explico — Mas foi como se não tivesse encontrado nada ali dentro, pois segundo as palavras dele, não havia nada de errado. — Hassan eu dizemos juntos a última frase.

— Uau! — Habib exclama — Não sabemos o que ele viu, ou deixou de ver, mas temos certeza que Deus escutou nossas orações, como ele sempre faz! — Concordamos.

Sinto Vicente apertar meu braço levemente. Olho para ele e vejo seus olhos lacrimejados e um sorriso contido em seu rosto. Sorrio com ele.

—Bom, irei leva-la até o seu quarto, Agatha. Acredito que você deseja descansar após essa longa viagem.

— Desejo sim, Habib. — Concordo — Na verdade, eu preciso esticar essas pernas que latejam demais. Foram longos minutos na mesma posição.

Dou um passo e só então percebo como elas ainda tremem, mas consigo caminhar tranquilamente. Com a ajuda de Habib e Théo, desço da Strada.

— Bela casa! — Comento admirando a enorme casa de apenas um pavimento, que mais parece uma mansão.

— Obrigado! Amanhã apresentarei cada cômodo a vocês. Agora vamos entrar.

Sigo o patriarca da família Al-Makki. Ele nos guia por alguns corredores até finalmente chegarmos ao quarto.

— Como as outras mulheres ainda não chegaram, você passará a noite sozinha aqui, mas não se preocupe. Se escutar algo estranho, basta apertar o botão em sua mesa de cabeceira.

— Tudo bem!

— Têm toalhas limpas no guarda-roupa, assim como roupas de cama, se necessário. Acabamos de trocar todas elas, mas nunca se sabe. — Oferece-me um sorriso amigável.

— Muito obrigada, Habib!

— Fique à vontade, Agatha! Sinta-se em casa. — Meneia a cabeça e sai do quarto em seguida.

Meu banho é rápido, pois minhas pernas pediam arrego, como diz mamãe. Falando nela...

Pego o celular na minha bolsa e ligo para dona Fernanda através do WhatsApp.

— Minha filha, você não sabe o tamanho do meu alívio em ouvir sua voz! — O desespero era nítido.

— Mas você nem chegou a ouvi-la, mãe! — É inevitável rir de sua reação.

— Eu aqui preocupada e você aí rindo...

— Eu estou bem, mamãe! Deu tudo certo, para a Glória do Senhor Jesus! — Deito-me na cama, coloco um dos braços sobre os olhos e os fecho.

Os próximos minutos eu passo contando tudo o que aconteceu conosco, principalmente comigo e Hassan, até chegarmos aqui.

— Louvado seja Deus, filha! Ele é fiel e misericordioso! Está sempre atento ao nosso clamor, por isso nós devemos orar sem cessar.

— Verdade, mãe. Me diz, onde está o papai? — Pergunto, estranhando sua ausência.

— Está dormindo, amanhã ele acorda bem cedo. — Ela dá um bocejo, indicando seu sono.

— Ah, mãe! Esqueci da diferença no fuso horário! Perdão! — Me sinto um pouco culpada por ter ligado tão tarde para casa.

— Deixa disso, menina! Só assim dormirei tranquila. — Neste momento ouço alguém bater na porta.

— Espere um minutinho, tem alguém aqui. — Afasto o telefone e grito — Pode entrar.

Vicente abre a porta com uma das mãos e segura uma bandeja na outra. Tento levantar, mas sinto as pernas doerem. Esse pouco tempo conversando com mamãe, foi o suficiente para os meus músculos relaxarem um pouco e eu começar a sentir as dores no corpo. Faço uma careta de dor, e recebo outra em troca do Vicente.

— Dona Fernanda, preciso desligar. Conversamos depois. — Digo, sem desviar os olhos do homem a minha frente, que já ajeitava a bandeja em minha mesa de cabeceira.

— Certo! Mande um beijo para o Vice. — Arregalo os olhos.

— Como sabe?

— Oras, menina! Eu sou mãe, simples! Tenham uma boa noite, e que Deus abençoe vocês nessa missão!

— Amém! Te amo, mamãe! Mande um beijo para o papai.

— Pode deixar, filha. Amo você!

— Boa noite! — Desligo a ligação e apoio o aparelho ao meu lado, na cama.

— Não precisava se preocupar! — Digo, mas no fundo meu coração está aquecido por tal gesto.

— Eu sei que está com fome. Aqui tem algumas frutas e pães. — Aponta para a bandeja.

— Acho que não quero ver frutas tão cedo... — Dou risada de meu próprio comentário e ele me acompanha.

— Posso? — Aponta para a ponta da cama. Confirmo com a cabeça e ele se senta — Então... Foi um momento tenso, mas Deus mandou socorro! — Abre um lindo sorriso, antes de começar a recitar um dos meus salmos favoritos — Aquele que habita no esconderijo do Altíssimo, à sombra do Onipotente descansará. Direi do Senhor: Ele é o meu Deus, o meu refúgio, a minha fortaleza, e nele confiarei. Porque ele te livrará do laço do passarinheiro, e da peste perniciosa. Ele te cobrirá com as suas penas, e debaixo das suas asas te confiarás; a sua verdade será o teu escudo e broquel. — Cita me olhando com intensidade — Não terás medo do terror de noite, nem da seta que voa de dia. Nem da peste que anda na escuridão, nem da mortandade que assola ao meio-dia. Mil cairão ao teu lado, e dez mil à tua direita, mas não chegará a ti.
Somente com os teus olhos contemplarás, e verás a recompensa dos ímpios.

— Porque tu, ó Senhor, és o meu refúgio. No Altíssimo fizeste a tua habitação. Nenhum mal te sucederá, nem praga alguma chegará à tua tenda. — Declaro junto com ele — Porque aos seus anjos dará ordem a teu respeito, para te guardarem em todos os teus caminhos. Eles te sustentarão nas suas mãos, para que não tropeces com o teu pé em pedra. Pisarás o leão e a cobra; calcarás aos pés o filho do leão e a serpente. — As lágrimas rolam e o sorriso alarga — Porquanto tão encarecidamente me amou, também eu o livrarei; pô-lo-ei em retiro alto, porque conheceu o meu nome. Ele me invocará, e eu lhe responderei; estarei com ele na angústia; dela o retirarei, e o glorificarei. Fartá-lo-ei com longura de dias, e lhe mostrarei a minha salvação.

— Amém! — Enxugo o rosto — Esse salmo nunca foi tão real para mim, como está sendo no dia de hoje.

— Para nós! — Assinto e desvio o olhar.

— Bom, acho que vou comer logo antes que meu estomago volte a reclamar.

Vicente sorri e apenas me observa enquanto eu devoro os quitutes.

— Quer um pouco? — Ele nega.

— Como está sua perna? — Pergunta, retirando algo do bolso da camisa.

— Doendo bastante, mas amanhã já deve estar melhor. — Enfio um pedaço de pão na boca.

— Théo me emprestou essa pomada. — Ergue o objeto para que eu consiga ver — É anti-inflamatórias e serve para dor muscular, possui diclofenaco dietilamônio.

— Cataflan ou Biofenac? — Questiono erguendo uma sobrancelha.

— Cataflan. — Sorri lindamente.

— Obrigada! Passarei assim que terminar de comer. — Estico o braço, abrindo a palma da mão para que ele coloque a pomada.

— Deixa eu cuidar de você! Por favor! — Imediatamente sinto um frio no estômago, e não era a fome, pois já estava sendo muito bem alimentada.

Abaixo o braço e desvio o olhar.

— Tudo bem! — Meu rosto começa a esquentar — Mas vou logo avisando, não costumo ser paciente.

— Sem problema, doutora! Darei o meu melhor! — Alarga o sorriso, mostrando os belos dentes brancos.

Eu amo esse homem!

Fecho os olhos e respiro fundo.

Por favor, não aqui!

— O que disse? — Ele pergunta e eu rapidamente abro os olhos.

— Nada!

Coloco o prato na mesa ao lado e me acomodo melhor na cama, esticando o meu corpo. Ele toma uma de minhas pernas em suas mãos, e esse simples contato me faz sentir um arrepio bom pelo corpo.

Eu odiava e amava todos os efeitos que esse homem tinha sobre mim.

— Onde dói mais? — Pergunta sem olhar em meus olhos. Agradeço a Deus por isso.

— Nas articulações e panturrilha. — Murmuro.

— Ok.

Ele começa com movimentos leves e aos poucos vai intensificando. A massagem estava tão boa, que me fez relaxar a ponto de quase me desligar por completo. Eu estava realmente cansada.

— Vin? — Ele para na mesma hora e me fita com preocupação. Me repreendo por ter aberto minha boca.

— Eu te machuquei? — Sua preocupação me faz soltar uma leve risadam misturada com um bocejo.

— Não! Eu só ia te desejar boa noite! — Ele abre um sorriso doce e continua os movimentos.

— Boa noite, Gatha? — Sua voz sai em um sussurro.

Gatha?

Acho que o sono estava me fazendo alucinar. Mas não tive tanto tempo de pensar, pois apaguei segundos depois.

>>>><<<<


"O nosso Deus é um Deus que salva; ele é o Soberano Senhor que nos livra da morte." Salmos 68.20 🙏🏼🙌🏼

Louvado seja Deus!

E esse Vin todo preocupado e cuidadoso, gente?! Tão fofin 🤗 (por favor, não pirem #TeamDoutor 🤭)

Att.
NAP 😘

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