Capítulo 42
— Senhoras e Senhores, dentro de instantes pousaremos no Aeroporto Internacional de Mitiga, na cidade de Trípoli. Retornem o encosto da poltrona para a posição vertical, observem o aviso de atar os cintos e verifiquem o travamento da mesa a sua frente. Mantenham seus equipamentos eletrônicos desligados, inclusive câmeras de vídeo, laptops e jogos eletrônicos. Para o pouso, a iluminação da cabine será reduzida."
O speech falado pelo comandante representa um alívio para a maioria dos passageiros, visto que a viagem não foi nem um pouco tranquila. As turbulências e outros eventuais incômodos, normalmente causados por voos longos, arrancaram gemidos e choros de alguns passageiros ao nosso redor.
Como a maioria das pessoas, suspiro aliviada e relaxo um pouco mais em meu assento, localizado no corredor da aeronave. A duas fileiras de onde eu me encontro, noto Vicente se virando discretamente em minha direção. Ao perceber que estava tudo bem comigo, um pequeno sorriso aparece em seus lábios. E então ele retorna à posição anterior.
Assim que a aeronave pousa, e somos instruídos a levantarmos e pegarmos nossas bagagens, o faço rapidamente. Vicente e Théo fazem o mesmo, e quando eles começam a caminhar para o lado de fora, os sigo como uma passageira comum, que segue o fluxo do desembarque em busca de suas bagagens.
Em todo o tempo clamava pela presença e orientação do Senhor. Tinha certeza que seus anjos estavam conosco, mesmo que não pudéssemos enxerga-los com os olhos carnais.
No meio do percurso entre a aeronave e a saída, noto o pouco movimento no local. Normalmente estranharia esta situação, principalmente por se tratar do aeroporto internacional de um país. No entanto, diante do atual estado da Líbia, é compreensível que não haja uma grande quantidade de pessoas querendo visitar um país onde claramente não serão bem-vindas. Por outro lado, há um grande fluxo de policiais rondando todo o local. Dentro e fora.
Ajeito meu cabelo, pela sétima vez em menos de meia hora. Tento colocá-lo ao máximo debaixo do tecido fino, escondendo minhas mechas ruivas.
Antes de embarcarmos no aeroporto de Madri, já tinha coberto minha cabeça com o Hijab, e confesso que estava me sentindo incomodada. Não precisei mudar drasticamente as minhas vestes, já que elas costumavam ser discretas e modestas. Sem decotes, roupas curtas ou apertadas.
O lado positivo de toda essa vestimenta, é que o Hijab me ajudava a atrair menos atenção e fugir de possíveis assédios. O que infelizmente era frequente, principalmente para turistas do sexo feminino.
Théo e Vin param diante de um grande carro preto. De lá sai um homem de meia idade; barba e cabelo grisalhos; alta estatura e possuidor de grandes olhos negros, semelhante aos da Aisha.
Vicente recolhe a alça da sua mala de bordo, e entendo sua mensagem. Esta é a minha deixa.
Pego o mapa que estava dentro da minha bolsa e sigo até os três. Para quem observa de fora, eu estaria apenas pedindo uma simples informação.
Abro um sorriso simpático ao me aproximar.
— Estou aqui! — Minha voz sai baixa, apenas para que eles escutem — É um prazer finalmente conhece-lo, senhor Habib.
— Apenas Habib, Agatha! O prazer é meu, tenham certeza. — Aproxima-se de mim para observar o mapa, como parte da encenação — O carro que você deve entrar, chegará em menos de um minuto. — Tiro uma caneta da bolsa e entrego para ele — Esta é a placa do veículo e este é o número que você irá ligar, caso algo dê errado no caminho daqui até o local. — Ele anota os números no mapa, e ao finalizar, me entrega o objeto, sorrindo amigavelmente — O nome do motorista é Said. Ele é um homem de confiança, pode ficar tranquila.
Assinto, e antes de me afastar novamente, lanço um rápido olhar para os meus parceiros, sem ao menos conseguir, realmente, observar suas expressões.
Guardo os objetos em minha bolsa e ergo o olhar. Ao fazê-lo, percebo alguns policiais me encarando com curiosidade. Engulo em seco e continuo intercedendo. Entretanto, um carro chama minha atenção ao parar diante de mim. Confirmo a placa do carro, e sem olhar para o grupo ao meu lado, entro no veículo.
— Bom dia, senhorita Agatha! — O motorista me cumprimenta sem se virar, encarando-me apenas pelo espelho retrovisor — Me chamo Said e estou aqui em nome do senhor Habib.
Assinto, e lhe ofereço um sorriso sem mostrar os dentes. Não sabia realmente se poderia confiar nele.
— Bom dia! — É tudo o que consigo dizer.
No meio do caminho, ao parar em um semáforo, Said olha em minha direção e diz com cautela.
— Se eu fosse a senhorita, tentaria relaxar um pouco mais. Está claramente tensa. Não se preocupe, assim como o senhor Habib e sua família, eu sou cristão. — Sussurra a última parte e volta a prestar atenção no trânsito — Se continuar preocupada, atrairá mais olhares.
— Obrigada pela dica. — Respiro fundo e tento seguir o seu conselho — Trabalha há quanto tempo para o senhor Habib?
— Há muitos anos. — Responde com orgulho — Eu e toda minha família.
— Bom... E para onde exatamente estamos indo. — Questiono com curiosidade e um pouco de apreensão.
— No momento estamos dando algumas voltas, para despistar os policiais, que costumam ficar de olho nos turistas. Depois iremos para o mercado do patrão.
— Como assim "costumam ficar de olho nos turistas"? — Inclino-me um pouco.
— Como a senhorita deve saber...
— Sem senhorita, por favor. — Peço, sem querer interrompendo sua fala.
— Tentarei, mas não será fácil. — Responde com a mesma cautela de antes — Deve saber que não costumamos receber muitos turistas em nosso país há dez anos. — Concordo — Por isso, quando aparecem pessoas diferentes, eles precisam ficar monitorando, com ordem do governo, afim de saber os reais motivos da estadia da pessoa na Líbia.
— Compreendo.
Ele cogita falar outra coisa, mas decide por não o fazer.
Após um bom tempo, ele estaciona o carro na parte traseira de um enorme galpão.
— Chegamos! — Said me informa — Mas precisaremos aguardar um pouco mais, até receber a ligação do meu patrão.
Não precisamos esperar por muito tempo. Em menos de dez minutos, Habib bate na janela do carona, fazendo-me pular de susto. Saio do carro, mas sem deixar de observar tudo ao redor.
— Fique tranquila, Agatha, aqui você está segura — Ele tinha razão. O local era cercado por altos muros e aparentemente não havia mais ninguém ali — Me acompanhe por favor.
— Eles estão aí dentro? — Questiono, referindo-me aos meus amigos.
— Estão sim.
Adentramos o grande galpão, que mais parecia um centro de distribuição. E ao ler a grande placa fixada em uma das paredes, confirmo que realmente se trata de um centro de distribuição.
— Você está bem? — Vicente pergunta ao me aproximar dele.
— Sim. Até aqui tem nos ajudado o Senhor! — Asseguro. Ele pega a minha mala e apoia uma de suas mãos em minhas costas, me direcionando até um Fiat Strada.
Na mesma hora um homem aparece atrás do carro, acompanhado do doutor. Quando me vê, diz algo para o Théo e em seguida vem ao nosso encontro.
— Você deve ser a Agatha! — Estende a mão.
— E você deve ser o Hassan! — Aceito o cumprimento.
— Isso mesmo. — Abre um sorriso satisfatório — Sei que está um pouco nervosa, mas creio que Deus já preparou todo o caminho. Vocês não chegaram até aqui para serem mortos antes mesmo de anunciarem o evangelho a alguém!
Arregalo os olhos, mas compreendo o que ele quer dizer.
— Sim, eu creio que sim. — Fito Vicente rapidamente. Ele permanece com a mão em minhas costas. Seu toque me traz um certo conforto e confiança.
Eu amo isso.
— Este é o meu filho, Hassan Al-Makki, irmão da Aisha. — Habib interfere — Ele irá te acompanhar até nossa casa e explicará tudo o que você precisa saber. Tudo bem?
— Tudo! — Deixando os quatro para trás, sigo em direção ao carro — Então, o que eu preciso fazer para passar despercebida?
O pai e o filho passam os próximos vinte minutos me explicando o que precisará ser feito e onde eu deverei ficar. Vicente e Théo continuam calados, apenas prestando atenção em cada detalhe.
— Você tem claustrofobia? — O mais novo me pergunta.
— Não. Por quê? — Cruzo os braços e franzo levemente o cenho.
— Porque esta foi a única caixa que conseguimos. Perdão! — Aponta para um caixote médio todo vedado. Entretanto, o que mais me preocupa é o tamanho.
— Não tem problema! Eu ficarei bem, podemos fazer algumas frestas na madeira! — Comento enquanto observo atentamente o local apertado, onde permanecerei pelos próximos trinta minutos — Mas... — Volto a encarar Hassan, dessa vez com insegurança — Esse caixote está parecendo muito pequeno. Como ficarei aí dentro? — Aponto para o objeto.
— Como um bebe fica no ventre da mãe. — Responde como se aquilo fosse o óbvio. E talvez até fosse, eu que não quero aceitar.
— Certo! Acho que só preciso fazer uns alongamentos e ir ao banheiro antes. — Habib me leva até o local.
Lavo o rosto, encaro meu reflexo no espelho e dou uma longa puxada no ar.
— É agora, Papai! Eu preciso do seu livramento! Mas que acima de tudo a sua soberana vontade se cumpra. Estou disposta a enfrentar qualquer coisa por Ti.
Após utilizar o toalete, saio do banheiro e me deparo com Vicente há alguns metros do cômodo. Ele fita o céu lá fora, estava perdido em pensamentos.
Pigarreio chamando sua atenção. O belo homem, de cabelos castanho escuro e lindos olhos azuis me encara atentamente. Seu olhar penetrante me causa um certo desconforto. Não gostava de me sentir vulnerável, mas ele tinha esse efeito sobre mim.
— Quer usar? — Aponto para o banheiro e ele nega.
— Agatha... — Ele se aproxima devagar — Se eu pudesse, trocaria de lugar com você. Jamais permitiria que você passasse por isso!
— Mas você não pode. Eu sei, Vin! — Minha voz sai mais suave do que eu gostaria.
— Odeio não poder oferecer outra opção a você! — Resmunga mais para si, e essa pequena revolta me faz sorrir.
Ele ainda se importa comigo.
— Eu tive outra opção, e tenho certeza que fiz a melhor escolha. Graças a Aisha, Théo e você! — Ele sorri sem mostrar os dentes antes de baixar o olhar — Obrigada por se preocuparem comigo.
Um instante de silêncio paira entre nós, antes de ele me surpreender com sua atitude.
— Que se dane! — Resmunga e me puxar para um abraço apertado e nitidamente protetor, que me transmite segurança, preocupação, carinho e proteção — Que Deus te leve em segurança! Eu estarei esperando por você. Por favor, fique bem! — Sussurra em meu ouvido.
— Amém!
Ele segura meu rosto entre suas mãos e me fita por longos segundos.
— Eu a...
— Desculpe atrapalhar o casal... — Nos separamos ao ouvir a voz de Habib — É melhor partirmos antes que fique mais tarde.
— Certo! — Olho mais uma vez para Vicente, antes de seguir para o carro.
— Agatha. — Théo me chama, assim que terminamos de ajeitas as coisas na caçamba da Strada — Estaremos intercedendo por vocês! Que Deus te abençoe! — Toca meu ombro.
— Obrigada pelo apoio e ajuda, Théo! — Agradeço de coração — Deus foi extremamente gracioso ao me colocar no grupo de vocês! Não merecia tamanho cuidado!
— Ele sabe o que é melhor para nós, doutora! E tenha certeza que a recíproca é totalmente verdadeira. — Abre o seu famoso sorrisão.
Como de costume, levantamos um clamor antes de darmos os próximos "passos". Entro no caixote e tomo minha posição desconfortável. Hassan me cobre com alguns lençóis e por cima de tudo, coloca algumas frutas. Respiro profundamente antes de perceber a luz diminuir e começar a sentir o ar se tornar rarefeito.
Por incrível que pareça, estava em paz e até um pouco eufórica por ter que passar por uma situação tão perigosa como aquela.
Doideira?
Com toda certeza!
Entretanto, a sensação de estar cumprindo o meu dever pulsava em minhas veias e me enchia de uma alegria diferente. No momento eu não me importava com os riscos que correríamos. Eram detalhes que já tinham sido colocados em oração há meses.
O Senhor estava conosco, e isso era tudo o que importava.
>>>><<<<
Aiiiii, Águiiiiiii, você pode até estar tranquila, mas nossos corações estão apertados aqui 😩😩😩
A cara da Águi ao perceber onde precisaria se enfiar, literalmente kkkkk
Vocês gostam de Gifs, gente?? Eu não tenho colocado tantos nessa história, mas se vocês quiserem...
Enfim, bem-vindos à Líbia, pessoal!
Não esqueçam de votar nos capítulos ❤️⭐️
Att.
NAP 😘
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