Capítulo 39

— Bom dia! — Cumprimento as duas mulheres presentes na ala hospitalar. Sam e Nádia.

— Bom dia, doutora Agatha! — Nádia responde.

— Por favor, apenas Agatha. Não sou exatamente uma médica aqui. — Analiso seu rosto, menos abatido que ontem — Como você se sente hoje?

— Estou melhor. Acho que consegui descansar pela primeira vez em muito tempo. — Responde com um pequeno sorriso nos lábios.

— Isso é bom! — Também ofereço um sorriso.

— Águi, podemos falar por um instante? — Sam pergunta, já caminhando para o lado de fora.

— Claro! — Olho para Nádia — Volto já! — Acompanho minha amiga. Estando apenas nós duas, peço que ela fale.

— Não conseguiremos fazer exames aqui, mas aparentemente ela está com anemia, devido a gestação.

— É, eu cogitei essa hipótese. Não sabemos a quantidade de sangue que ela perdeu até chegar aqui. — Penso rapidamente — Vamos iniciar com uma mudança alimentar. Ela precisa de ferro, zinco, vitamina B2 e proteína. Poderia providenciar isso enquanto converso com ela?

— Claro! — Dito isso, ela se retira e eu entro na ala novamente.

— Dout... — Olho feio para ela, que sorri antes de continuar — Agatha.

— Bem melhor!

— O meu bebê ainda está aqui, certo? — Toca o ventre e eu assinto.

Aproximo-me ainda mais, pois a conversa será um pouco delicada.

— O que quer saber? — Incentivo.

Nádia pondera por um momento, antes de perguntar por fim.

— Se ele está morto, como sairá daqui? — Sua voz embarga e seus olhos começam a lacrimejar.

Seguro suas mãos com delicadeza.

— Querida, normalmente temos duas opções. Esperamos que ele saia naturalmente, que o seu corpo o coloque para fora. — Ela assente — Ou através de um procedimento cirúrgico, a cesariana. Entretanto, como não estamos em um hospital, onde há todos os recursos necessários para preservar sua saúde, o mais indicado é esperarmos o seu corpo ficar pronto para expeli-lo naturalmente.

— E em quanto tempo isso acontece?

— Bem, o tempo de espera é invariável, mas fique tranquila, pois você ficará sob cuidados, recebendo medicações para a indução do parto. — Tranquilizo-a.

— Você é uma boa médica. — Observa.

— Obrigada! E você é uma boa paciente. — Rimos juntas.

— Por que está aqui e não em um hospital de verdade? Ganharia muito mais. — Questiona.

— Porque estou aqui com o objetivo de ajuda-los, e não tenho pretensão de receber algo em troca. — Faço símbolo de dinheiro com a mão e ela sorri — Mas acima de tudo, estou aqui porque Deus me quer aqui.

— Deus... — Contrai os lábios — Você é cristã, não é?

— Sim, eu sou. — Começo a ser mais cautelosa — Por quê?

— Por nada! É que se você simplesmente mencionasse o nome do seu Deus em meu país, você já seria uma pessoa morta. — Assinto.

— Você é da Líbia mesmo?

— Nasci lá, mas morei por dez anos no Egito. Até que resolvi voltar... E o resto você já sabe. — Dá de ombros e me oferece um sorriso triste — Nunca mais em minha vida quero colocar os pés naquele lugar.

A determinação em sua voz me faz engolir em seco.

— Aqui está o seu desjejum, Nádia. Espero que goste! — Samantha acomoda a bandeja sobre a cama.

— Isso é um banquete tendo em vista o que comíamos. — Desabafa e desata a comer.

Encaro Sam e ela levanta as sobrancelhas levemente. Depois volta a analisar os remédios.

— Ah, o restante do pessoal acabou de chegar! — Diz, antes de sair.

— Ótimo! Daqui a pouco eu encontro com vocês lá, preciso falar com a Sabrina.

— Tudo bem! — Sam concorda.

— Quem são essas outras pessoas? Novos médicos? — Nádia pergunta, assim que Samantha desaparece de nossas vistas.

— Não, todos os médicos já estão aqui desde ontem. Eles são outras pessoas que também vieram oferecer auxilio. Sabrina, a mulher que encontrarei daqui a pouco, é psicóloga, e virá conversar com você em breve. — Respondo.

— Hum. Sinceramente, não sei o que ganham com isso! — Para de mastigar e pensa por um instante.

— Isso o quê?

— Ajudar outras pessoas. Pessoas que vocês nem conhecem, como eu! — Aponta para si.

— Sabe, Nádia, esse desejo não parte verdadeiramente de nós. Ele vem primeiramente de Deus. Além do mais, faz parte da nossa missão nesta terra.

— Como missionários? — Comenta com sarcasmo.

— Exatamente! — Sorrio.

— Não brinca! Você é uma missionária? Assim como todos aqui? — Pergunta espantada.

— Nem todos que estão aqui são missionários. Entretanto, a maioria acredita em Jesus e obedece aos seus mandamentos.

— Isso é loucura!

— Talvez! — Dou risada e ela me acompanha.

— Não vai querer me empurrar a tal palavra de Deus? — Brinca, mas com um fundo de verdade.

— Sem o seu consentimento? Não mesmo! — Retiro a bandeja com os restos dos alimentos de cima da cama — Eu sou educada, assim como o meu mestre. Ele bate, pede permissão. Se a pessoa não abrir ou autorizar Sua entrada, Ele não arrombará a porta do seu coração! — Sorrio ao seus olhos esbugalhados. Provavelmente ela não esperava essa resposta — Volto já! — Pisco e saio em seguida.

No corredor, avisto Lara conversando com Daniel.

— E aí, gente! Como estão? — Pergunto.

— Tudo bem por aqui. E a sua paciente? — Daniel Questiona.

— Soubemos que a de vocês e a do Henrique foram os casos mais sérios. — Lara completa.

— Pois é, ontem foi bem complicado e triste, mas hoje ela está melhor. — Começo a contar um pouco sobre a nossa curta conversa de hoje.

— Isso é muito bom! Ela até riu! — Lara comemora.

E com razão, pois um simples sorriso ou uma pequena risada em dias cabulosos, é um motivo de grande alegria. Para mim, é uma forma do Espírito Santo dizer: Eu estou cuidando desta situação! Aquieta-te!

— Enfim, vocês viram a Sabrina por aí? — Mudo de assunto.

— O restante do pessoal já chegou? Que maravilha.

— Sim, Dani. Agora preciso ir atrás dela, para ver como eles irão se organizar com os pacientes. — Digo e me despeço.

Deixo a bandeja na cozinha e sigo até o templo, onde encontro o pessoal que chegou hoje, acompanhados de outras pessoas.

— Águi! — Lili me abraça rapidamente.

— Como foi a viagem? — Pergunto.

— Cansativa. E o dia aqui? — Rebate.

— Cansativo! — Rimos juntas — Preciso falar com a Sabrina. Até mais tarde.

Caminho até a psicóloga, que conversa com seu colega de profissão, Cardoso, e outras duas pessoas.

— Com licença! Desculpe estar atrapalhando a reunião de vocês, mas eu preciso conversar um instante com a Sabrina.

Sabrina e eu não somos exatamente amigas, apenas irmãs em Cristo e companheiras de missão. Ela é bem retraída e extremamente profissional.

— Oi, Agatha! Em que posso ajuda-la? — Sentamos em um banco um pouco afastado e lá eu conto o quadro da minha paciente.

— Entendi. Bom, irei conversar com os meus colegas e colocarei a Nádia como a minha primeira paciente. — Sorri se levantando em seguida — Em meia hora te encontro lá.

— Ótimo! Obrigada!

Ao entrar na ala hospitalar, esbarro em uma figura gigante, possuidor de um belo sorriso.

— Hey, doutora! — Alarga o sorrisão — Nunca um apelido caiu tão bem como agora!

Tive que rir junto com ele.

— É verdade, doutor!

— Ocupada? — Une as sobrancelhas.

— Tenho trinta minutos. — Ergo os braços — Estou livre.

— Então me acompanhe por gentileza, estou faminto. — Diz, conduzindo-me novamente para fora da ala hospitalar.

Já acomodados na mesa da grande cozinha, o cheiro do café vindo diretamente da xícara do Théo, faz minha barriga roncar.

— Acho que irei te acompanhar neste café. — Levanto-me, preparo uma xicara, pego alguns biscoitos e me sento novamente.

— Faz um tempo que não conversamos direito. — Ele tenta pegar um dos meus poucos biscoitos, mas recebe um tapa na mão.

— Tem mais ali. — Aponto para o pote — E respondendo ao seu comentário, é verdade, faz bastante tempo.

— As últimas semanas foram bem corridas, principalmente por conta da nossa viagem. — Ele suspira e apoia um cotovelo na mesa.

— Cansado? — Antes que ele responda eu aumento um pouco o tom de voz e o interrompo — Não! Não precisa responder! A noite que viemos para Cartagena denúncia sua exaustão!

Ele me acompanha em uma gostosa gargalhada.

— Estou rindo, mas de nervoso. — Respira e toma um gole do seu café — Daqui para frente os dias serão mais...

— Agitados? — Completo, de forma positiva.

— É, agitado é uma boa palavra. — Sorri — Gostando do que está vivendo por aqui?

— Sim. Deus tem ministrado bastante ao meu coração. Espero cumprir o meu chamado com perfeição. — Olho através da janela. A chuva caía forte lá fora.

— Você irá, com a ajuda e direção do Senhor! Posso fazer uma oração por você?

— Claro! — Encaro-o com um sorriso.

— Ok. Pai, eu te louvo pela vida da sua filha, Agatha, que tem se mostrado ser uma mulher incansável em fazer a sua obra e dar o melhor de si. Sustente-a, renove suas forças, dê direção, estratégia e sabedoria para que ela leve a Sua palavra aos que necessitam. Em nome de Jesus, amém!

— Amém! Deus sabe como eu precisava dessa oração! — Dou leves tapinhas em seu ombro — Obrigada pela companhia e pela oração, doutor, mas agora o dever me chama!

Retiro minha xicara da mesa e a levo até a pia. Lavo minha louça rapidamente e sigo para o leito, onde Sabrina já se encontrava conversando com Nádia. Decido ficar na entrada, para não atrapalhar.

— E você conhecia outras pessoas no cativeiro? — Sabrina pergunta. Em seguida faz anotações no caderno que ela segura em suas mãos.

— Éramos eu e o meu companheiro, mas ele... — Nádia funga e enxuga uma pequena lágrima de seus olhos — Ele foi vendido em um leilão.

— Há quanto tempo vocês se separaram?

— Há pouco mais de um mês. — Sua resposta me deixa em alerta. E Sabrina faz a pergunta que martelava em minha cabeça.

— E o bebê que você esperava, era do seu companheiro, ou foi fruto de um abuso? — Sua voz era calma e imparcial.

Será?

— Até hoje não entendo o motivo, mas eu nunca fui abusada por eles. O bebê era nosso, eu estava grávida quando fui para a Líbia, mas não sabia.

Em choque, não percebo o momento em que deixo a bandeja, que estava apoiada em uma das mesas auxiliares, cair no chão junto com os objetos que estavam nela. O que acaba chamado a atenção das duas.

— Perdão! Não queria incomodar! — Digo rapidamente, catando os objetos no chão — Vou deixa-las a sós.

Quando já tinha virado para sair, ouço Nádia chamar o meu nome.

— Agatha, por favor fique. Também quero que saiba o que aconteceu comigo. — Ela pede e eu concordo.

— Se não for atrapalhar... — Olho para Sabrina, em busca de respostas.

— De forma alguma! Por favor, se acomode.

Assim eu o fiz.

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