Capítulo 30
— E quanto aos suprimentos médicos? Como faremos para consegui-los sem que os milicianos ou traficantes percebam? — Pergunto enquanto checava a lista de suprimentos pela décima vez, tentando lembrar do que faltava.
— Nós pegaremos com a embaixada brasileira assim que estivermos acomodados em Trípoli. — Théo se aproxima observando a lista, antes de chamar a atenção do amigo — Vice, você tem anotado aí o dia em que iremos para Misrata?
— Hã? — Pergunta disperso — Ah sim, tenho. — Abre um caderno e começa a folhear as páginas. — Se Deus permitir, e as coisas derem certo, iremos após permanecermos três semanas em Trípoli.
Suspira fechando o caderno. Théo se endireita ao meu lado e contorna a mesa, tocando no ombro do amigo.
— Quer dar uma volta? — O doutor pergunta com preocupação — Acho que você está precisando tomar um ar. — Ele assente e se levanta, saindo da sala em seguida.
Desde o término com Lídia, Vicente estava estranho. Ele vagava triste pelos corredores e jardins do local. Quase todas as noites se isolava no lago, segundo Caio. Mal comia, e quando o fazia era em horários diferentes dos nossos.
Trocamos poucas palavras, apenas coisas relacionadas ao trabalho. Ele evitava a todo custo me encarar. Talvez eu não devesse, mas no fundo me preocupava com ele. E a Lídia não estava muito diferente, entretanto, ela permanecia conosco.
Théo bufa e senta ao meu lado.
— Estou preocupado com ele. — Diz sem rodeios — Esse término não está fazendo bem para o meu amigo, na verdade não está fazendo bem para nenhum dos dois. — Permaneci calada, apenas o ouvindo. — Há quanto tempo vocês se conhecem, Águi?
— O Vicente e eu?
— Sim! — Retira os óculos e me fita. Penso por um momento antes de responder.
— Dezoito anos. — Respondo me dando conta de que era bastante tempo.
— Isso tudo? Interessante... — Comenta pensativo — Por um acaso vocês se conheceram em um acampamento?
— Sim, no acampamento de verão e inverno. — Pego o caderno que Vicente folheava há alguns minutos e o abro — Agora vamos nos concentrar nesses detalhes, pois não podemos deixar passar nada. — Viro algumas páginas e encontro o que queria — A casa de Habib fica próxima a embaixada brasileira, certo?
— Isso... — Diz ainda me encarando — Mas isso não significa que as coisas serão tão faceias assim. Como já conversamos, mesmo sendo a capital da Líbia, naquela região há muitos grupos de traficantes, então cada movimento nosso será observado atentamente por eles. Principalmente porque somos estrangeiros.
— E olha que essa é a área, entre aspas, mais segura. — Esfrego a nuca — Que o Senhor tenha misericórdia e nos ajude.
— Fique tranquila, Águi, vai dar tudo certo! — Toca o meu ombro.
— Creio que sim! — Sorrio e volto a atenção para as anotações.
Permanecemos na sala por mais algumas horas até o horário do almoço. Seguimos juntos até o refeitório, onde encontramos a maior parte dos nossos amigos. Vale ressaltar que o Ferraço mais velho não estava presente, como nos últimos dias.
— Quer que eu prepare seu prato? — Théo pergunta com expectativa.
— Muito obrigada, mas eu tenho mãos, doutor! — Pisco e sigo para a fila. Ele vem bufando logo em seguida.
— Posso te perguntar uma coisa? — Fala um pouco mais alto, para que eu escutasse sua voz acima do falatório ao nosso redor.
— Depende!
— É sobre a sua relação com os Ferraço. — estreito os olhos e o fito.
— O que quer saber, Alencar? — Pergunto desconfiada — Só não garanto que irei responder.
— Sua falta de resposta será uma confirmação para minhas suspeitas, doutora! — O encaro seriamente, mas assinto.
— Pergunte! — Incentivo.
— Pensando bem, creio que esse não é o momento apropriado. — Responde preparando seu prato, que mais parecia uma montanha.
— Você que sabe... — Sigo para a mesa de bebidas, encho um copo com suco de laranja e caminho até onde estavam os nossos amigos.
— Já almoçou? — Pergunto sentando ao lado de Lídia.
— Já sim. — Responde brincando com o gelo que derretia no copo.
— Que bom! — Comento, um pouco sem graça com o clima que estava entre nós. Aquilo me matava por dentro.
— Como estão os preparativos para a nossa viagem? — Pergunta com um pouco mais de interesse.
— Bem, estamos organizando os materiais necessários. Revisando as estratégias e cronogramas... Creio que vocês estão fazendo o mesmo.
— Estamos sim! — Sorri — Estou ansiosa para a aula de hoje à tarde.
— Teologia e Prática de Evangelização? — Questiono.
— Sim!
— Eu já tive uma aula sobre isso. Um missionário conhecido do meu pastor foi lá na igreja em um congresso de missões, e em uma das palestras que tivemos, ele falou um pouco sobre teologia e prática de evangelização. — Digo com animação.
— Dá para ver o brilho nos seus olhos quando fala sobre missões! — Comenta com um pequeno sorriso nos lábios — Você sempre gostou dessa área né?
Dou uma pequena risada e alargo o sorriso enquanto brinco com a comida.
— Esse sempre foi o maior sonho da minha vida! — Dou de ombros e a encaro.
— O dele também! — Meu sorriso vai morrendo aos poucos à medida que me dou conta de quem Lídia se refere.
— É... — Pigarreio e volto a comer.
— O que você sente ao estar realizando esse sonho? — Questiona com curiosidade.
— Eu sinto que... — Penso por um instante — Sinto que estou onde deveria estar. Fazendo o que deveria fazer. O agradando, sabe? E isso para mim é tudo! Não tem como descrever minha alegria em poder cumprir o chamado de Deus na minha vida.
— É verdade! — Concorda. E volta sua atenção para o copo, onde agora o gelo já estava todo derretido — Hoje eu consigo entender o motivo do Vicente ter se apaixonado por você.
Neste momento, um barulho de vidro caindo no chão chama nossa atenção. Théo nos fitava com uma expressão indecifrável.
Será que ele tinha nos escutado?
Levanto da mesa ao mesmo tempo que ele. No entanto, o doutor se afasta rapidamente.
— Acho que ele nos ouviu... — Olho para Lídia e penso na possibilidade de ela ter feito aquilo de propósito. Espero que não.
A passos largos, saio do refeitório atrás de Théo. Não preciso ir muito longe, pois o mesmo estava do lado de fora, aparentemente me esperando.
— O que aconteceu? — Tento jogar o verde.
Ele fecha os olhos e balança negativamente a cabeça. Em seguida abre os olhos e volta a me encarar, soltando um longo suspiro.
— Eu sinto muito Águi! — Franzo o cenho — Como não tinha percebido isso antes?
— Como? — Questiono sem entender.
Ele segura minha mão e me guia gentilmente até o próximo jardim, onde nos sentamos juntos.
— Théo — Tomo a palavra — Devo me preocupar? O que está acontecendo?
— Eu sou um idiota por não ter percebido algo que estava nítido, bem na minha cara! — Tento falar, mas ele me impede — Agora tudo faz mais sentido!
— Do que está falando?
— Agatha, — Ele se agacha em minha frente e me olha com seriedade — eu me apaixonei pela garota do meu melhor amigo!
Engulo em seco ao entender que minhas suspeitas eram reais. Ele também sabia sobre o meu passado com Vicente.
— Eu sou um completo idiota!
— THÉO! — Brado, nervosa por vê-lo se martirizar daquele jeito. Ele me olha espantado, mas se cala — Eu não sou a garota de ninguém! Nunca fui, entendeu? — Ele nada diz, apenas me fita — Vicente e eu éramos duas crianças quando nos apaixonamos e começamos a fazer planos. — Dou de ombros ao finalmente entender a realidade da nossa situação — Infelizmente, ou felizmente, os nossos planos não foram compatíveis com os planos de Deus! Não era para ficarmos juntos, e ao longo de todos esses anos, tudo cooperou para o nosso afastamento. — Fecho os olhos e suspiro, claramente desanimada — Eu estaria mentindo para você se dissesse que não estou mais apaixonada por ele.
— Ag...
— Deixa eu terminar, por favor! — Peço e ele assente — Eu esperei pelo Vicente todos esses anos, mas quando descobri que ele estava em um relacionamento, Théo... — Seguro seus ombros — Eu juro que tentei esquece-lo de todas as formas possíveis, mas a nossa proximidade não cooperou nem um pouco. — Minha voz começa a ficar embargada — E ao descobrir que fomos enganados pelo meu irmão, percebi que a pequena chance que tínhamos de ficar juntos, foi por água abaixo...
— Seu irmão? — Questiona sem entender.
— Longa história... — Balanço a mão para que ele esquecesse aquilo — A questão é que ele já tinha seguido a vida dele, e eu precisava fazer o mesmo com a minha. Mas não consegui! Mesmo tendo um homem como você apaixonado por mim...
Retiro minhas mãos de seus ombros e me levanto.
— Agatha, sinceramente eu não sei o que aconteceu com vocês e o seu irmão. Não faço ideia, pois isso o Vicente não me contou. — Levanta, posicionando-se em minha frente — Mas eu estive com ele nos piores momentos, um deles foi quando ele descobriu que tinha te perdido de vez.
— Com o lance do noivado... — Suspiro.
— Então é verdade? Você foi pedida em casamento? — Ele arregala os olhos.
— Não! Tudo não passou de um mal entendido. — Fecho os olhos com força.
— Nossa... — Esfrega o rosto em um ato de nervosismo — Ele ficou muito mal, Águi! Nunca tinha visto o Vicente chorando por qualquer coisa, até ele voltar do Rio completamente desolado. Não faço ideia do que ele fazia, se orava, buscava um momento de paz, admirava as estrelas, mas todas as noites durante meses, quando achava que eu estava dormindo, ele se levantava e ia para a janela fitar o céu. Não faço ideia do motivo, mas ele sempre fazia isso.
— Eu sei o motivo! — Sussurro voltando a encará-lo.
— Imaginei... — Começa a caminhar de um lado para o outro — Eu sabia que ele não te esqueceria facilmente, mesmo depois de começar a namorar com a Lídia, que o ajudou bastante nesse tempo. — Olha para mim com insegurança.
— Tudo bem, eu já sei da história...
— No início ele não queria fazer isso com a Lídia, se relacionar com ela mesmo sabendo que uma parte de seu coração pertencia a outra, e ela também tinha esse conhecimento. — Aponta para mim — Vicente não queria que ela passasse pelo que ele estava passando, caso a magoasse. Entretanto, quando eles começaram a namorar, eu realmente pensei que ele poderia finalmente te esquecer. Até voltarmos para o CEM...
— E eu aparecer? — Questiono e ele assente.
— Ele começou a ficar estranho. Vivia aflito e mal conseguia dormir. Durante várias noites ele saia do quarto e ia para o lago. Óbvio que naquele momento eu não entendi o motivo de tal mudança, e ele também não se abria mais. No entanto, hoje tudo faz sentido. — Balança negativamente a cabeça — Lembro quando contei para ele que estava apaixonado por você, e que tinha te falado... Ele ficou nervoso, até chegou a gaguejar algumas vezes, mas uns dias depois ele me chamou para conversar. Disse que não haveria um homem melhor para estar ao seu lado. — Fecha os olhos e senta no banco — E que ficaria feliz e aliviado por saber que você seria amada e cuidada como realmente merecia.
Só percebo que estava chorando quando o soluça sai dos meus lábios. Tapo a boca com a mão.
— Agatha, também não foi fácil para ele estar todos esses dias ao seu lado. Sem contar que ele estava namorando, precisava se policiar em muitos aspectos. E mesmo não amando a Lídia como ama você, ele a respeita e gosta muito dela. Imagine como está a cabeça do meu amigo... O que ele mais temia acabou acontecendo!
— Ele magoou a Lídia... — Digo.
— E você!
>>>><<<<
Geeeente, amanhã estarei totalmente off, então tive que postar logo o capítulo. Se tiver algum erro grave, por favor me perdoem, minha cabecinha está a mil!!! Rs
Enfim, quero saber o que o #teamTheo achou dessa última conversa...
Não esqueçam de clicar na ⭐️
Att.
NAP 😘
Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top