Capítulo 23
Já tinha se passado uma semana desde o sepultamento de Hel, e eu continuava no Rio de Janeiro. A cada dia, mais sentia sua falta, ao mesmo tempo o Espírito Santo trabalhava em meu interior trazendo o consolo necessário. A dor estava presente, no entanto, com menos intensidade, assim como Vicente falara que aconteceria.
Vicente...
Às vezes minha mente me levava para o dia em que descobrimos ter sido enganados. Este era outro problema que martelava em minha cabeça.
Na segunda feira Ângelo, minha cunhada e sobrinha voltaram para casa, o que foi um grande alívio, visto que não dirigia a palavra ao meu irmão, muito menos permitia que ele se aproximasse de mim.
No meu íntimo eu sei que preciso perdoa-lo, mas ainda estava magoada e se o fizesse seria da boca para fora. Já havia orado e colocado essa situação diante de Deus, e confiava que no tempo certo as coisas aconteceriam e eu liberaria o perdão.
O pessoal do CEM me enchia de mensagens no privado e no grupo que acabamos criando no whatsApp. Eu demorava para responde-los propositalmente.
Lara foi a única que me ligou algumas vezes, e em apenas uma eu atendi. Ela estava bem preocupada comigo e queria estar ao meu lado neste momento difícil. Via sinceridade em suas palavras, pois ela tem se mostrado uma amiga incrível, assim como Lili.
No entanto, com Lili a história era um pouco diferente, visto que sua relação com Vicente ainda me afetava bastante. Como eu queria poder gritar e abrir o meu coração para ela. Ao que tudo indicava, Lídia não fazia ideia do meu passado com Vicente.
Passado?
Tecnicamente nunca tivemos nada, apenas amizade. Mas os sentimentos eram reais e profundos. Bom, para mim continuavam sendo... infelizmente.
Nesse tempo pensei muito acerca do curso de missões. Confesso que em vários momentos cogitei desistir do meu propósito e continuar aqui, ao lado minha família, ao lado de tia Carmen e do Rick.
Não estava bem para continuar com aquilo. No entanto, ainda não tinha tomado uma decisão concreta. Apesar de toda dor, continuaria à disposição para fazer a vontade do meu Deus.
— Querida! — Fecho minha bíblia e vejo papai se aproximar com dois copos em suas mãos.
Estava na área externa, sentada em uma das espreguiçadeiras em frente à piscina. O dia estava quente, mas as árvores do quintal faziam sombra naquela parte.
— Oi!
— No que estava meditando? — Pergunta me entregando um dos copos.
— 1 Pedro 5. — Pego a bebida e agradeço.
— Interessante! — Diz sentando ao meu lado — Não queria te atrapalhar, mas você acabou de receber uma ligação.
— De quem? — Pergunto assim que termino de beber todo o líquido gelado.
— Carmem. — Retiro os óculos de grau e o fito.
— Aconteceu alguma coisa com ela? — Minha voz sai mais alterada do que desejo.
— Não, querida! — Toca em meu ombro — Ela está bem. Só ligou te convidando para um almoço na casa do pastor Pedro.
Suspiro aliviada e logo me levanto.
— Que horas?
— Ela perguntou se você poderia estar lá às 12h. — Olho o horário no celular e assinto.
— Perfeito! Ainda tenho tempo. — Dou um beijo em sua face antes de entrar.
Chegando em meu quarto, separo um vestido de alcinha azul royal e sigo para o banho.
Coloco meus documentos, a chave do carro e os óculos de sol em uma pequena bolsa. Antes de sair do cômodo, recordo-me que precisava entregar a chave da casa dos Amorim para tia Carmem. Abro a gaveta e pego o molho de chaves, deparando-me em seguida com a carta de Vicente.
Pego o objeto e me sento na cama. Tiro a pequena bolsa do meu ombro e a coloco ao meu lado, no colchão. Abro o envelope e retiro a carta.
Querida Agatha,
sinceramente, não tenho certeza se esta carta chegará em suas mãos, assim como as outras que lhe escrevi. No entanto, não poderia deixar de escrevê-la.
Sei que você está passando por um momento conturbado e que inúmeras perguntas se passam em seu íntimo. "Por quê?" é a primeira de todas, não é verdade? Infelizmente não possuo a respostas para nenhuma delas, apenas o próprio Deus, mas acredito que neste momento Ele não lhe dará nenhuma.
Gostaria de poder estar com você, da mesma forma como esteve ao meu lado quando perdi minha mãe. Graças à misericórdia do Senhor, estávamos no acampamento de verão quando recebi a fatídica notícia, e lá tive o seu ombro para chorar e receber o consolo que precisava.
Não digo que foi sorte, mas sim o cuidado de um Pai, que conhece nossas fraquezas e necessidades, e sabe do que precisamos em cada momento. Ouso dizer que se há uma pessoa capaz de receber os baques da vida, e mesmo assim não esmorecer, essa pessoa se chama Agatha Tavares.
Eu aprendi que cada dificuldade vencida, é um degrau que nos leva aos patamares preparados por Deus para nós. Se foi necessário enfrentar uma perda, tenha certeza que essa situação está te preparando para alcançar seus objetivos e chegar no lugar onde Deus quer te levar.
Talvez, neste momento, você esteja pensando em não voltar mais para o CEM, provavelmente eu pensaria o mesmo. No entanto, quero te lembrar que tudo o que enfrentamos tem um propósito. Se você se sente fraca e acha que não está preparada para continuar a sua missão, lembre-se de que o poder de Deus se aperfeiçoa em nossas fraquezas. Por ora, basta aceitar que a graça dEle te basta.
Não permita que a dor te faça acreditar que não é capaz de concluir o que Deus colocou em suas mãos. Você é mais forte do que pensa, e o mais importante, a sua força não vem de você! O Senhor é a sua força e o seu escudo, apenas dele você receberá o auxilio necessário.
Por fim, quero que saiba que quando decidir voltar, terá o apoio de seus amigos que realmente se importam com você, e eu sou um deles, Águi!
Com carinho,
Vin Ferraço.
Dobro a carta e enterro o rosto nas mãos. Já tinha percebido a presença das lágrimas assim que meus olhos começaram a embaçar no meio da leitura.
A porta do quarto se abre, mas eu não tenho o trabalho de erguer o olhar para saber que minha mãe se aproximava. Ela senta na cama e me envolve em um abraço lateral.
— Ele é um homem especial, Águi! — Permaneço em silêncio — Percebemos isso desde quando o conhecemos.
— É incrível como ele sempre sabe o que dizer! O tempo passou, mas parece que nada mudou entre nós... — Ela acaricia meu cabelo antes de fala
— A amizade de vocês era linda, minha filha! Seu pai e eu tínhamos certeza de que ficariam juntos...
Surpresa, levanto o rosto e a encaro.
— Vocês...
— Nós sabíamos que estavam apaixonados muito antes de vocês descobrirem esse sentimento. — Comenta rindo.
— Mãe... Por que nunca me disse nada? — Minha voz sai como um sussurro.
— Esperava que você viesse conversar comigo, querida, mas isso não aconteceu. Nem mesmo depois que a família Ferraço se mudou para o Canadá.
— E a senhora sabia disso? — Pergunto com receio da resposta.
— Não. Soube essa semana, quando o seu irmão me contou a burrada que fez... — Enquadra meu rosto em suas mãos — Meu bem, eu sinto muito por todo esse mal entendido, mas as suas vidas sempre estiveram diante do Senhor. Então tenha certeza de que se isso aconteceu, foi permissão dEle! Descanse o seu coração, pois as coisas se ajeitarão no tempo certo.
— Eu sei mamãe! — Suspiro.
— E quanto ao seu irmão... Eu sei que ele não deveria ter se metido em sua vida, minha filha, mas vocês não podem permanecer assim! São irmãos! Sempre foram muito unidos e...
Levanto-me de súbito e ela se assusta.
— Não comece, mãe! Eu já sei o que eu preciso fazer, mas não estou pronta para isso agora! — Deixo a carta de Vicente na mesa de cabeceira, pego minha bolsa e dou um beijo na bochecha de dona Fernanda — Estou indo almoçar na casa do pastor.
— Tudo bem, filha, vá com Deus!
— Amém! — Pisco e saio do quarto.
Chego no local combinado antes do horário.
— Águi! — Raquel me abraça assim que abre a porta da casa — Como é bom te ter aqui!
— É bom estar aqui, Quel! — Desfazemos o abraço. Em seguida entramos. Logo na sala encontro tia Carmem e dona Joana.
— Minha amada, que bom que veio almoçar conosco! — A anfitriã me cumprimenta com um abraço caloroso.
Agradeço o convite e vou em direção a mãe de Hel.
— Tia! — Ela me abraça apertado e assim ficamos por alguns segundos.
— Minha filha, como você está? — Suspira se afastando.
— Estou... melhor, eu acho! — Respondo sem saber se essa seria a resposta certa.
— Precisamos conversar, por isso te chamei hoje aqui. — Tia Carmem olha para as duas mulheres que nos observavam. Elas se levantam, pedem licença e vão para a cozinha — Primeiramente gostaria de lhe agradecer por ter ido lá em casa organizar aquela bagunça.
— Rick... — Ela sorri e assente — Que isso, tia Carmem, não foi nada!
— Para mim significou muito, querida! — Suspira pesadamente antes de se encostar no sofá — Essa semana não foi fácil para nós, não é mesmo?!
— Sim — Encaro minhas mãos, que estavam entrelaçadas em meu colo.
— Louvo a Deus por ter vocês em minha vida! Sua família e a família da Joana têm me ajudado tanto nesse momento! — Encaro-a e vejo seus olhos lacrimejarem, mas o sorriso permanecia no rosto.
— Somos uma família, é isso que fazemos! — Seguro suas mãos e ela aperta as minhas.
— É verdade, e por isso te chamei aqui. Já conversei com seus pais e queria conversar a sós com você.
Franzo o cenho sem entender.
— Há quase vinte e cinco anos eu vim para o Rio com a minha filha, após seu pai ter nos abandonado. No início foi difícil ter que ficar longe da minha família, mas Deus preparou tudo, como Ele sempre faz. — Alarga um pouco mais o sorriso — Mas essa semana eu tenho pensado bastante em voltar para o Sul, voltar para o lado da minha família de sangue. — Suspira e eu sinto uma pequena pontada no coração — Meus irmãos estão preocupados comigo, assim como meu pai... Sinto que tê-los ao meu lado me ajudará bastante, entende, querida?
— É claro, tia! Estar ao lado da nossa família nesse momento faz toda a diferença! — Concordo colocando uma mexa de cabeço atrás da orelha.
— Fico feliz e aliviada por sua compreensão. Mas também queria saber como você realmente está! Vocês eram tão unidas...
Fecho os olhos e respiro fundo.
— Sinceramente, não tem sido fácil! E talvez não me recupere tão cedo, mas o Senhor tem me ajudado e sustentado.
— Tenho certeza que sim! Quando voltará para Minas? — Desvio o olhar e ela toca o meu rosto, forçando-me a fita-la — Espero que não esteja pensando em desistir, Águi!
— Pensei sim! — Ela me olha com reprovação, mas antes de iniciar um sermão eu continuo — No entanto, Deus usou uma pessoa para me fazer enxergar através da dor.
Abro um sorriso e ela me acompanha.
— Que Deus abençoe essa pessoa, filha! — Toca meu nariz — Não permita que a dor te cegue, querida, por mais que isso pareça uma missão impossível. Deus sempre estará te carregando enquanto passar pelo vale, você nunca estará sozinha!
— Amém!
— Sentirei tanta saudade! — Diz com a voz embargada.
— Eu também, tia Carmem! — Abraço-a — Não se esqueça de nós!
— Jamais, minha menina! Jamais! E você continue firme em seu propósito, pois creio que Deus lhe usará muito para abençoar outras vidas! Minha missionária! — Se afasta para me encarar com emoção — Estou orgulhosa de você, assim como a Hel estava! — Sinto os olhos arderem enquanto abro um sorriso verdadeiro — Agora vamos comer, pois elas estão faminta! — Diz se levantando e me puxando junto.
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Quase que o capítulo de hoje não sai, mas pela misericórdia, saiiiu!!! 😅
Att.
NAP 😘
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