Capítulo 21

Ao colocar o pé naquele lugar horrível, paro de andar e recebo olhares preocupados dos meus pais.

— Vamos, minha filha? — Papai pergunta com incerteza.

— Não sei se será uma boa ideia... — Olho para o chão e vejo uma lágrima pingar no girassol que eu segurava, sua flor favorita — Não estou pronta para... enterrá-la, papai! — Ele me envolve em seus braços e beija meu cabelo.

— Querida, se você não se sentir confortável, ficaremos aqui com você! — Sussurra.

— Tia Carmem precisa de vocês! — Volto a encará-los.

— E a nossa filha também! — Mamãe diz com a voz doce.

— A senhora não entende, mamãe? — O desespero tenta me dominar novamente, mas eu consigo me controlar dessa vez — Ela perdeu a pessoa mais importante de sua vida! Eram apenas as duas! — Fungo.

— Mas, minha...

— Não se preocupem, eu ficarei com ela! — Olho para trás e vejo Vicente se aproximando.

Mamãe olha de mim para ele algumas vezes e sorri assentindo.

— Obrigada, querido! — Acaricia o meu rosto e se afasta, sendo acompanhada por papai.

Ficamos parados no meio do caminho por alguns minutos, até que ninguém mais passava por nós.

Uma guerra estava sendo travada em meu interior.

Ir ou não ir?

A minha amiga já não estava mais lá, era apenas o seu corpo, sem vida... Mas talvez fosse necessário dar o último adeus.

Dou um passo, mas paro em seguida.

O que você faria se fosse o contrário, Hel?

Esse pensamento só intensificou minha dor. Agachei-me enfiando meu rosto entre as mãos. O soluço e o choro se tornavam uma coisa só.

Sinto a mão de Vicente em minhas costas, como era possível só a sua presença me aquietar, ele não precisava falar nada, apenas estar ali comigo.

— O que estou fazendo? — Levanto-me rapidamente e começo a correr. Sim, correr.

Quase tropeço pelo caminho, mas Vicente, que estava em meu encalço conseguiu me segurar. Continuo o percurso agora um pouco devagar. Quando viramos a esquina nos deparamos com dezenas de pessoas em volta de um túmulo.

Desvio de cada pessoa lentamente até chegar ao lado de Tia Carmem. O caixão já estava no buraco e as pessoas louvavam a música "Porque Ele Vive", uma das favoritas da Hel.

Nunca pensei que estaria vivendo um momento como aquele. Minha melhor amiga dentro de um paletó de madeira, sendo enterrada a alguns palmos da terra.

Tia Carmem segura uma de minhas mãos e aperta com força. Quando a encaro vejo em seus olhos a dor e o sofrimento, mas em meio a toda dor ela cantava.

Ela simplesmente cantava. E não era um simples cântico, seu louvor vinha de uma alma ferida clamando por socorro.

Fecho os olhos e me permito fazer o mesmo.

— E quando, enfim, chegar a hora em que a morte enfrentarei. Sem medo, então, terei vitória: Verei na Glória o meu Jesus que vivo está.

À medida que os coveiros jogavam terra em cima do caixão, sentia o coração se despedaçar, mas não permiti que a dor calasse o meu clamor, que no momento era feito através do louvor que também saía da minha alma.

— Porque Ele vive, posso crer no amanhã. Porque Ele vive, temor não há, mas eu bem sei, eu sei, que a minha vida está nas mãos do meu Jesus, que vivo está!

Permiti minha alma abatida chorar e clamar ao lado dos enlutados presentes. Nesse momento pude sentir mais uma vez o consolo e o cuidado de Deus por cada um de nós naquele lugar.

Aos poucos as pessoas foram saindo, pensei em acompanha-las, mas decidi ficar mais um pouco. Não disse sequer uma palavra, apenas fiquei observando o túmulo frio e triste em meio à vasta vegetação. Era um contraste gritante. A natureza viva e linda integrada aos túmulos onde só haviam mortos.

Olho para o céu e suspiro. De início penso em ficar calada, mas Ele já sabe cada pensamento e sentimento que me inundam.

— Sabe, Pai... A minha vontade é de gritar! — Sussurro — Me descabelar, espernear, e se eu pudesse te tocar, ousaria partir para cima do senhor... — As lágrimas já rolavam novamente — Eu não consigo entender, e nem ouso tentar... Mas a realidade é que eu estou profundamente magoada e triste. Só quero deixar isso bem claro!

Volto minha atenção para o túmulo. Abaixo-me e toco em seu nome cravado no mármore gelado.

— Eu sei que você não está mais aqui, minha irmã, mas quero que saiba que já está fazendo uma falta danada! — Coloco o girassol em cima da terra que foi mexida há pouco — Mas eu creio que nos veremos em breve! É só uma questão de tempo, certo? — Sorrio enxugando as lágrimas — Obrigada por ter sido a melhor amiga que eu poderia ter! Eu te amarei eternamente! — Levanto-me — Até mais, Hel!

***

Chegamos em casa por volta das 18:30. Achei estranha a quantidade de veículos estacionados ali em frente. Saio do carro de papai e me aproximo dele.

— Por que têm tantos carros aqui? — Questiono e ele envolve meu ombro com um braço.

— Receberemos alguns hóspedes até amanhã, querida? — Ergo as sobrancelhas.

— Hóspedes? — Olho para a rua e um dos carros chama minha atenção — THÉO! — Tapo a boca com a mão — Eu acabei me esquecendo dele!

Corro para dentro de casa chamando por ele.

— THÉO!

— Estou aqui. — Sua voz vem da sala,

— Théo eu acabei... — Paro de falar assim que vejo as pessoas que lhe faziam companhia.

— Águi! — Lídia corre em minha direção me envolvendo em um abraço — Eu sinto muito, amiga! — Suspiro retribuindo o abraço.

— Obrigada! — Sussurro.

Caio e Lipe cogitam fazer o mesmo, mas eu lanço um olhar significativo para os dois, e eles desistem.

Vicente estava ao lado de Théo, olhando-me com uma expressão indecifrável.

Pigarreio e falo com o doutor.

— Théo, me desculpe, nessa... nessa confusão eu acabei me esquecendo de você! — Ele se levanta e segura minhas mãos.

— Não se preocupe, Águi! É totalmente compreensível! — Me oferece um sorriso singelo.

Ouvimos um barulho de passos rápidos descendo a escada. Olho para o alto e sorrio.

— Titia Águi! — Ângela vem correndo me abraçar.

— Minha bonequinha! — Acaricio seu rostinho perfeito.

— Não vai me encher de beijinhos? — Pergunta com um sorriso sapeca, mas ao olhar em meus olhos desfaz o sorriso — Porque está chorando? — Agora quem recebe caricias sou eu.

— Porque a dindinha está bem triste! — Tento sussurrar apenas para que ela ouvisse, mas a sala estava tão quieta que o meu sussurro acabou se tornando um grito em meio ao silêncio.

Tento sorrir, mas o que saem são lágrimas. Ela me abraça forte.

— Por favor não chora, dindinha! Eu também vou chorar! — Comenta com a voz embargada.

— Não fique assim, meu amor! A titia vai ficar bem! — Peço socorro silenciosamente para minha cunhada, que vem ao nosso encontro.

— Minha filha, sua dindinha precisa tomar um banho agora e descansar um pouco. Venha, vamos jantar!

Ela me solta contra a vontade e vai para o colo da mãe. Na entrada da cozinha estava Ângelo de braços cruzados me olhando com preocupação.

Ao fita-lo, lembrei da conversa que tive com Vicente mais cedo.

— Ótimo! — Resmungo me levantando.

Além da dor e da tristeza que sentia por perder a minha melhor amiga, a mágoa e o rancor de ser traída pelo meu próprio irmão veio com força.

Viro para os meus pais, que estavam na entrada da sala me observando, assim como todos presentes.

— Vocês poderiam acomodá-los? Eu realmente preciso de um banho.

Mamãe assente e deposita um beijo em minha cabeça. Volto minha atenção para o restante do pessoal.

— Fiquem à vontade, meus pais irão acomodá-los. Se me dão licença... — Digo seguindo para a escada, mas sinto uma mão segurar o meu pulso.

— Águi. — Olho do meu pulso para o rosto de Ângelo com a expressão mais fria que consegui.

— Solta! — Digo firme.

— Águi, nós precisamos...

— Não! — Encaro seu rosto contorcido pela dor — Não temos nada para conversar! Agora solta o meu braço e me deixe em paz! — Peço entredentes e ele afrouxa o aperto.

Desfaço o contato e subo a escada sem olhar para trás.

Entro no quarto e me arrependo logo em seguida, ao ver o porta retrato em minha bancada de estudos com a nossa foto. Sigo até lá e o pego apertando em meu peito.

— Por que você me deixou? — Tenho a sensação de que uma lágrima escorria pelo meu rosto, mas quando vou enxugar percebo que o local estava seco.

Nem lágrimas eu tenho mais.

Um pouco desnorteada, separo uma roupa qualquer, um par de lingeries e entro no banheiro. Fico debaixo d'água por vários minutos tentando relaxar, o que não ajudou muito.

Saio do box, coloco um roupão e prendo o cabelo com uma toalha. Pego um pente de madeira e caminho até a janela do quarto enquanto penteava o cabelo. A noite parecia mais escura que o normal, o céu estava bem estrelado, fazendo-me lembrar da nossa última noite do pijama aqui em casa, antes de eu partir para o CEM.

Sinto uma mão em meu ombro e me viro assustada.

— Não quis te assustar, querida! — Mamãe diz com um pequeno sorriso.

— Tudo bem! — Ela retira o pente de minha mão e começa a desembaraçar meu cabelo.

Ficamos em silêncio por um bom tempo apenas desfrutando da presença uma da outra. Eu ainda observava o céu estrelado enquanto mamãe terminava de secar minha cabeleira.

— Pronto! — Disse ao finalizar.

— Obrigada, mãe! — Respondo sem encara-la.

O colchão se mexe abaixo de mim, assim que ela se senta ao meu lado.

— Quer que eu passe a noite com vocês?

Balanço negativamente a cabeça.

— Eu quero ficar sozinha.

— Certo! Precisando de qualquer coisa sabe onde me encontrar.

Assinto. Dona Fernanda acaricia meu cabelo e levanta. Quando estava prestes a abrir a porta eu a chamo.

— Mãe! — Ela me olha — A tia Carmem está sozinha?

— Não, querida! Ela está com a família do pastor Pedro. — Suspiro aliviada.

— Que bom! Boa noite!

— Boa noite, meu amor! — Diz saindo do quarto.

Troco de roupa e me deito na cama.

As horas passavam e o sono não chegava. Meu corpo estava esgotado e minha mente borbulhava de pensamentos. Virei para um lado, virei para o outro, mas nada adiantou.

Resolvo descer para pegar um copo de água e um comprimido para dor de cabeça. Não suportava tomar remédios, mas tinham situações que eram necessárias.

Coloco o roupão e saio do quarto. Já era meia noite e cinquenta, a casa estava completamente silenciosa.

Desço a escada devagar, para não acordar as pessoas que estavam dormindo na sala. Nessas horas agradecia a Deus por não ser necessário passar pela sala para chegar à cozinha, pois a escada dá praticamente na entrada deste, que era em partes integrada com a sala.

Ainda em silencio, pego um copo de vidro e o encho com água. Retiro um comprimido da cartela e o engulo com o auxilio da água. Coloco o copo dentro da cuba e observo o quintal. Olhar para a área externa me deu uma boa ideia para conseguir esvaziar cabeça.

Abro a porta da cozinha que estava destrancada, e sigo para o deck. Fico parada por um tempo olhando a água escura, devido o reflexo do céu noturno. Desamarro o roupão o jogando aos meus pés, e entro de roupa na piscina.

A água gelada causa arrepios pelo meu corpo. Abraço-me esfregando a pele arrepiada dos braços. Termino de descer os degraus e respiro fundo antes de submergir.

Inicialmente, a "esplendida ideia" funciona. Consigo calar por alguns momentos os meus pensamentos conturbados e foco apenas no silêncio e na paz que me invadem.

Lembro-me de quando comecei a treinar o meu corpo para conseguir prender a respiração por longos minutos debaixo d'água. Mamãe e Ângelo diziam que eu era louca, mas papai e Hel sempre me apoiaram, mesmo achando estranho.

Hel...

Lembrar da minha amiga deu brecha para trazer à tona as memórias recentes. Ela tinha partido...

Abro os olhos, mas o que vejo me assusta: a escuridão e o silêncio. Imediatamente minha mente começa a imaginar que essa poderia ser a sensação de estar em um caixão a alguns palmos da terra.

Perdendo a concentração puxo o ar pelo nariz, sentindo em seguida a ardência invadindo minha cabeça. Sem perceber abro a boca e engulo bastante água.

Tento nadar para a superfície, mas o desespero já tinha tomado conta de mim e a única coisa que eu fazia era me debater. Alguns segundos, que mais pareciam minutos, se passaram até eu sentir braços me puxando.

Quando chego a superfície começo a tossir e a colocar água para fora.

— Águi, você está bem? — Era Vicente. Estava em seus braços, já fora da piscina.

— Achei uma toalha, toma! — Théo? — Encaro o doutor que me olhava com desespero.

Sou colocada em uma das espreguiçadeiras e envolvida com a toalha trazida pelo grandão.

— Águi? — Viro o rosto para Vicente.

— Eu — Tusso mais um pouco e em seguida minha voz sai um pouco falhada — Eu estou bem.

Eles me olham com desconfiança.

— O que fazem aqui fora? — Questiono ainda com a voz falha.

— O que nós fazemos aqui, Agatha? Está brincando? — Théo pergunta ironicamente — O que você faz aqui! Ficou maluca? Está tentando se matar, mulher?

Sua reação me assusta, nunca tinha o visto daquela forma.

— Eu... Só vim relaxar um pouco...? — Minha resposta sai mais como uma pergunta.

Ele bufa claramente irritado.

— Você me preocupou! — Exclama e eu ergo as sobrancelhas.

— Théo... — Ele olha para o homem sentado ao meu lado — Poderia nos deixar a sós por favor? — Vicente pergunta calmamente. Ele pensa um pouco, mas assente e vai para a casa — Está se sentindo melhor?

— Sim! — Respondo começando a sentir o frio castigar minha pele molhada — Só estou com um pouco de frio.

Ele se levanta e caminha até o deck, pega o roupão que estava no chão e me oferece.

Retiro a toalha encharcada e coloco o roupão seco.

— Você só irá se aquecer quando retirar essas roupas molhadas, Águi, mas acredito que isso possa resolver por enquanto.

Ele tinha razão, pois minhas roupas molhadas já começavam a umedecer o roupão.

— Quando perguntei se estava se sentindo melhor, não foi em relação ao afogamento. — Abraço minhas pernas e o encaro — Ficar esse tempo debaixo d'água te ajudou a relaxar um pouco?

Dou de ombros e encaro o céu estrelado.

— Um pouco... até eu pensar nela novamente. — Sussurro a última parte. Ele assente e segue meu olhar.

— Você foi o único que não falou nada para tentar me consolar.

Ele fica em silêncio por um tempo, antes de se virar para mim.

— Águi, nenhuma palavra que eu disser vai mudar o que aconteceu ou amenizar sua dor. Não agora.

Seu olhar é sereno, mas no fundo consigo enxergar a tristeza.

— Isso nunca vai passar, não é? — Aperto o meu peito — Essa dor...

— Ela passa sim. Com o tempo e com o agir do Espírito Santo, ela diminui bastante a ponto de você quase não sentir mais nada. Mas isso depende de nós também. — Se cala por um instante — A tristeza e a saudade que são mais complicadas. — Fita a piscina com o olhar perdido — Quando perdi minha mãe, um pedaço de mim foi junto com ela. Ela era a pessoa que eu mais amava nessa vida.

Ele se vira para mim novamente e eu desisto.

— Eu passei anos tentando conviver com a tristeza, mas isso só estava me fazendo mal. — Dá de ombros — Até que Deus me visitou em uma noite e me convidou para ser consolado e restaurado por ele. — Sorri — Confesso que ainda me pego pensando nela e na falta que ela nos faz, mas logo me recordo que foi a vontade de Deus, mesmo não entendendo muito bem ainda. E eu sei que muito em breve estaremos juntos novamente.

Sinto as lágrimas arderem em meus olhos.

— A maior mudança, é que na maior parte das vezes que penso nela sinto alegria, esperança e gratidão pela mulher que ela foi para nós e para muitos outros! — Ele toca o meu rosto, virando-o para que eu o encarasse — Lembro que ela cumpriu sua missão aqui na terra, e agora está descansando ao lado do Pai, como ela sempre desejou. Assim como a Helena, Águi!

Fecho os olhos e assinto. Ele me abraça lateralmente e eu apoio a cabeça em seu ombro.

— Eu sei que não será um processo fácil, muito pelo contrário. Mas eu quero que saiba, mesmo sendo apenas seu amigo, estarei aqui e te ajudarei no que for preciso. — Sua voz é carregada de emoção — Eu jamais te deixarei novamente, Águi! — Assinto e volto a ditar o céu estrelado.

>>>><<<<

Oi, genteee!! Quero muuuito agradecer a vocês (já louvei e agradeci muito o Senhor ontem 🥰😍), pois com apenas um mês e duas semanas UPUP já tem 1K de visualizações 😍

Ao total são 11 meninas, que eu tenho conhecimento, que estão acompanhando a leitura. Não citarei nomes para não ser injusta, mas quero agradecer a todas vocês, de coração!! Se não fosse pela vontade soberana de Deus e por sua misericórdia, e pelo apoio de todas vocês, não teríamos chegado até aqui! ♥️

Amo vocês!!

Não esqueçam de clicar no ⭐️ 🙏🏼

Att.
NAP 🥰

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