Capítulo 16

— Flor do dia, fico feliz por estar de volta! — Lara comenta assim que me sento na mesa onde meus novos companheiros costumavam sentar.

— Sim, voltei ontem à noite...

— Não me refiro à viagem, Águi, e sim por estar sentando conosco novamente! — Sorri enfiando em seguida um pedaço de mamão na boca.

— Ah! — Abro um sorriso amarelo — Precisava pensar um pouco.

— Percebemos! — Lipe toca em meu ombro — Mas realmente estamos felizes por estar aqui.

— Obrigada! — Levanto da cadeira — Vou pegar algo rápido para comer, já volto.

Viro-me rapidamente e quase derrubo a bandeja que estava nas mãos de Vicente.

— Perdão! — Digo um pouco assustada pelo que aconteceu e envergonhada por ter sido logo com ele.

— Tudo bem, Águi! Eu tenho um bom reflexo. — Sorri e passa por mim.

Recomponho-me e sigo para a mesa de frutas. Escolho uma banana e meia banda de mamão. Pego um bowl de melamina branco e coloco os itens na bandeja. Passo direto pela mesa de bebidas e volto para junto do pessoal.

— Você tem dez minutos para detonar suas frutas! — Caio comenta após olhar a hora no relógio.

— Na verdade tenho sete, pois precisarei escovar os dentes depois! — Pisco para ele e começo a "detonar" minha refeição.

Ouço um pigarrear ao meu lado. Na mesma hora paro de mastigar e olho para Lipe de soslaio.

— Então... — Ele começa a falar, mas logo se cala. Viro de frente para ele e o encorajo a continuar.

— Desembucha!

Ele ri envergonhado enquanto brinca com a manga de sua camisa social.

— Soube que você foi para o Rio nesse fim de semana. — Assinto e continuo a mastigar — Esteve na casa do pastor Pedro?

— Não, por quê? — Questiono, com mais interesse dessa vez.

— Não, por nada! — Ele volta a ficar calado, mas logo torna a tagarelar — Na verdade, Águi, você sabe que eu gosto muito da família do Pastor Pedro. Faz tanto tempo que eu não os vejo e bateu uma saudade do acampamento, do pessoal da sua igreja, das nossas aventuras... — Compreendia totalmente seu desabafo, pois pensava da mesma forma.

— Te entendo, Lipe! Também sinto falta de tudo isso. — Dou de ombros — Mas só para matar sua curiosidade, todos da família do pastor Pedro estão muito bem! — Como eu não era boba, decidi jogar um verde para saber qual era a dele, realmente — Inclusive uma das filhas deles se casou no ano passado. — Digo enfiando um pedaço de mamão na boca para conter a vontade de rir.

— A QUEL? — Grita com os olhos arregalados chamando a atenção dos demais.

Na mosca!

Coloco a mão na boca tentando não gargalhar de seu constrangimento.

— Quer dizer, foi a Raquel que se casou? — Pergunta um pouco mais baixo.

Olho rapidamente para Vicente, que agora prestava atenção em nossa conversa com um pequeno sorriso nos lábios. Volto a encarar o meu amigo. Aproximo-me dele e respondo.

— Para a sua alegria e alívio, quem casou foi a irmã da Quel. A minha amiga continua solteira esperando por um homem de Deus. — Empurro-o com o ombro e volto a comer.

Termino o café da manhã e me levanto, ao mesmo tempo que Lídia e Lara. Despeço-me do pessoal e me afasto levando a bandeja com o bowl e as cascas dos alimentos.

— Vão ao banheiro? — Pergunto assim que percebo as duas atrás de mim.

— Sim. — Respondem juntas.

— Ok, então vamos! — Entrego a bandeja para uma funcionária e agradeço.

Escovamos os dentes e logo seguíamos para a sala. Chegando lá nos separamos e fomos sentar cada uma com seu grupo.

— Bom dia, Théo! — Saúdo o doutor que conversava animadamente com Vicente. Ele me olha e abre o seu incrível sorriso.

— Bom dia, doutora! — Passo belos dois e me sento ao lado de Théo. Ainda não me sentia confortável de ficar tão próxima ao Vin — Conseguiu descansar?

— O suficiente! — Dei de ombros e comecei a ajeitar meu material.

— Deixe dona Flora descobrir que não tem descansado direito! Com certeza irá puxar sua orelha!

Foi impossível não rir.

— Pois é. Eu a encontrei hoje pela manhã enquanto corria.

— Você corre? — Pergunta com interesse.

— Desde os quatorze anos. — Vicente responde roubando nossa atenção.

Confesso que fiquei surpresa por ele lembrar de algo que aparentemente não tinha tanta importância. Encaro-o e ele sustenta meu olhar.

— Impressionante! — Théo comenta alheio ao que acontecia entre nós — Cada dia que se passa me impressiono ainda mais com você.

Vicente desfaz o contato visual e se levanta abruptamente. Volto minha atenção para o homem ao meu lado, mas não fazia ideia do que responder.

— Er...

— Bom dia, pessoal! A paz de Jesus! — Salva pelo professor. A turma responde a saudação e o mesmo começa a aula — Para quem ainda não me conhece, eu sou o missionário e professor Gabriel Cavalcante. Talvez a maioria aqui não me conheça, mas tenho certeza que já conheceram a minha esposa. Ela é a pessoa mais simpática que eu já conheci. — Comenta arrancando risada de nós.

— E quem é a sua esposa? — Alguém pergunta.

— Ah, vocês não a conhecem? — Questiona com diversão na voz — Ela também ama ser o centro das atenções, não é, amor? — Ele ri e aponta em direção à amada — Levante-se para que todos te conheçam, meu bem!

E para a minha surpresa, Samanta se levanta nitidamente envergonhada. Rimos ainda mais.

— Ela não fica um encanto quando está constrangida? —Brinca com a esposa.

— Acho que o Gabriel está querendo arrumar uma briga com a Sam! — Encaro Théo e concordo achando graça da situação.

— Tube, meu bem, pode se sentar! Eu amo você! — A mulher revira os olhos e toma o seu lugar — Foi bom ter conseguido arrancar algumas risadas esta manhã, por mais que isso me custe uma baita de uma bronca mais tarde... — Manda um beijo para Samanta que sorri com tal gesto — Mas o assunto da aula de hoje, ao contrário deste momento inicial que tivemos, não é nada engraçado. Pelo contrário, é triste e preocupante!

O silêncio toma o ambiente novamente. Nessa hora Vicente retorna, seja lá de onde ele estava.

— Eu gostaria de fazer uma pergunta. Quantos aqui já estudaram, leram ou já ouviram falar sobre a Líbia?

Alguns levantaram as mãos, entre eles Vin, Theo e eu o fizemos.

— Bom saber que a maioria já tem conhecimento sobre algumas coisas. — Bebe um gole de sua água antes de continuar — A Líbia é um país Africano que se encontra mais precisamente na região norte da África. E está na lista dos dez países onde os cristãos são mais perseguidos. Lá não há liberdade de expressão, religiosa e nem a mínima possibilidade da existência de uma igreja.

Alguns murmurinhos são ouvidos pela sala.

— Para nós, que temos toda essa liberdade de adoração, de poder sair dos nossos lares e nos encontrar com outros irmãos para congregarmos, é tão normal e rotineiro, não é verdade? Mas para milhares de cristãos, esse simples ato é algo extremamente difícil, às vezes até impossível.

Suas palavras me fizeram lembrar da primeira reportagem que li no site do Portas Abertas. Confesso que fiquei muito mal quando soube dessa realidade, que para mim era tão distante e quase inalcançável. Até que recebemos a notícia da morte prematura da mãe de Vicente e Caio...

Por muitas vezes eu deixei de ir à igreja simplesmente porque não estava no clima ou por preguiça. Desde o momento em que soube da realidade de muitos irmãos lá fora, pedia misericórdia a Deus e forças para lutar contra esses sentimentos, sabendo que muitos desejavam congregar e não podiam.

— Atualmente na Líbia, há cerca de 34.500 cristãos no país. E aproximadamente 150 dessas pessoas são líbios, pois a maioria são trabalhadores expatriados e migrantes. — Ele nos analisa por um momento antes de continuar — Cristãos líbios, os ex-muçulmanos, enfrentam violenta e intensa pressão da família e da comunidade em geral para renunciar à fé em Jesus. Tanto eles como os cristãos estrangeiros são vulneráveis a sequestros ou assassinatos por grupos de radicais islâmicos e do crime organizado.

Suas palavras me impactavam, como flechas penetravam o meu coração.

— Compartilhar a fé diante de todos é ilegal, e aqueles que tentam desobedecer correm o risco de oposição violenta e prisão. — Ele dá de ombros — Infelizmente não se tem um governo central, desta forma o país está enfraquecido e sem lei. Por isso, há pouca chance de haver justiça legal quando os cristãos são atacados ou mortos.

Ele desce do palco e começa a andar em nosso meio.

— Cristãos que migram da África Subsaariana, por exemplo, são mantidos presos em centros de detenção, sendo abusados, torturados e extorquidos por aqueles que os traficam. Os seguidores de Jesus são frequentemente forçados a trabalhos intensos ou até a prostituição.

Sem perceber levanto minha mão, chamando a atenção do professor e consequentemente de todos.

— Pode falar, senhorita! — Sorri para mim.

— Er... — Engulo em seco antes de perguntar o que estava entalado em minha garganta — Há alguma diferença no tipo de perseguição entre mulheres e homens?

— Qual é o seu nome? — Pergunta se aproximando de mim.

— Agatha! — Respondo com firmeza.

— Excelente pergunta! — Olha para a turma com seriedade e começa a falar — Em geral, os homens enfrentam um risco maior de violência. Os migrantes são frequentemente sequestrados e forçados a trabalho árduo, outros são mantidos reféns para que a família pague pela liberdade deles. Os que se converteram do islamismo são particularmente vulneráveis à perseguição da família e da comunidade. Eles têm pouca ou nenhuma chance de fugir de situações perigosas.

Volta sua atenção para mim, olhando em meus olhos.

— Infelizmente, Agatha, as mulheres ocupam uma posição inferior na sociedade líbia, e em vários lugares no mundo. Seu testemunho não tem o mesmo peso legal que o de um homem, por isso é improvável que ela obtenha qualquer tipo de justiça se algo ruim acontecer. E o abuso sexual e a prostituição é a forma de punição mais usada contra uma mulher por causa da fé.

Meu coração se aperta e um nó se forma em minha garganta. O professor continuava falando mais algumas coisas, no entanto, eu nada ouvia ou até mesmo enxergava, pois as lágrimas embaçavam minha visão.

O que faria se algo do tipo acontecesse comigo ou com minhas irmãs?

Como reagiria diante de uma situação tão terrível como essa?

Forço-me a desfazer o nó e clarear a visão quando escuto ele falar comigo.

— Si... Sim, professor, consegui sanar minhas dúvidas. Obrigada! — Sussurro a última parte e ele retoma a aula.

***

— Meninas, eu confesso que fiquei muito abalada com a resposta que o missionário Gabriel deu à pergunta da Águi.

Estava um pouco dispersa após a aula, minha mente não parava de digerir as informações que nos foi dada. Só voltei a realidade quando Lili disse o meu nome.

— É, eu também estou me sentindo estranha, mas sinceramente, acho melhor não pesarmos nisso agora. — Lara comenta enquanto nós três caminhávamos até o refeitório.

Elas entram no local, mas eu paro do lado de fora. Lili se vira e me lança um olhar preocupado.

— Você não vem? — Eu simplesmente nego com a cabeça. Então ela se aproxima e me envolve em um abraço — Não fique angustiada! Não acontecerá nada!

Concordo com a cabeça, mas no meu íntimo discordava.

— Eu vou pegar um ar. Nos encontramos na aula, ok? — Falo assim que consigo encontrar minha voz.

— Ok.

Ando pelo sítio a procura de um local tranquilo e silencioso, até que vejo o pequeno jardim onde encontrara Caio sozinho há alguns dias. Sigo com cautela em direção ao belo lugar que estava completamente vazio, como desejava.

Sento em um dos bancos de madeira e fito o céu claro. Glorifico a Deus pelas árvores que faziam sombra, protegendo-me do sol de meio-dia. Fecho os olhos e começo a conversar com Deus. Choro sem nenhum receio. Estava com o coração aflito, e Ele mais do que ninguém sabia disso.

Um louvor surgiu em minha mente, e mesmo sem ter uma bela voz, comecei a cantar.

— Descanse o seu coração, tire o óleo da preocupação. Deus tem um milagre pra você, todo dia.

— Descanse o seu coração. — Abro os olhos e contemplo Samanta se aproximando de mim — Tire o óleo da preocupação. Deus tem um milagre pra você, todo dia... — Senta-se ao meu lado e segura minha mão com um pequeno sorriso.

— Amém! — Sussurro enxugando as lágrimas — Você tem uma bela voz!

— Obrigada! — Ficamos em silêncio olhando para o céu e ouvindo os pássaros cantarem alegremente — É lindo, não é?

— O quê? — Pergunto sem desviar meu olhar da imensidão azulada.

— O cantar despreocupado dos pássaros. — Encaro-a ainda sem entender — Observem as aves do céu: não semeiam nem colhem nem armazenam em celeiros; contudo, o Pai celestial as alimenta — Recita Mateus 6.26 e eu logo entendo onde ela quer chegar — Não têm vocês muito mais valor do que elas? Quem de vocês, por mais que se preocupe, pode acrescentar uma hora que seja à sua vida?

— Eu sei, não há motivo para ficarmos preocupados. Quer dizer, há diversos motivos, mas Ele tem cuidado de tudo! — Digo tentando convencer a mim mesma.

— É normal que o ser humano se preocupe, Águi. — Ela me fita com o olhar compreensivo — Somos assim! — Dá de ombros — A diferença é que precisamos lutar contra essas preocupações. Quanto mais nosso coração fica aflito, mais a ansiedade tenta nos dominar. Se estamos ansiosos, não conseguimos descansar. Quem confia, descansa! — Segura minha mão novamente — E sim, Ele tem cuidado de tudo! "Portanto, não se preocupem com o amanhã, pois o amanhã se preocupará consigo mesmo. Basta a cada dia o seu próprio mal".

— Amém! — Respiro fundo e sinto meu coração ficar mais leve e tranquilo. Em paz.

>>>><<<<

Quantas vezes deixamos a ansiedade roubar nossa paz. Mas como a própria Samanta disse, precisamos lutar contra essas preocupações, no entanto, nessa luta não estamos sozinhos! O próprio Deus guerreira por nós e nos faz descansar em seus braços de Amor!

Amanhã começa a maratona de Abril!! Estão preparados?? Teremos capítulos novos de segunda a sexta 🙌🏼🙌🏼 Tudo isso porque no último dia dos mês começarão as publicações do livro DA VARANDA | EM PARIS!! Tem algum leitor DA VARANDA aqui?? Se sim, estão animados com o livro dois?? 😬

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