Capítulo 06
Não podia acreditar no que estava ouvindo. Aquela voz que em quase todas as noites invadia os meus sonhos ao longo desses dez anos estava aqui, bem atrás de mim.
Congelada estava. Congelada fiquei.
— Grande Vicente Ferraço! — Lipe passou por mim feito um furacão. Não precisava ser um gênio para saber que deveria estar cumprimentando o velho amigo — Por onde você andou, meu irmão?
— Por aí! — Respondeu em tom brincalhão.
Sua voz ainda me causava arrepios pelo corpo, no entanto, a resposta dada por ele me fez despertar. Por aí?
Ergui meu olhar e encontrei Caio me analisando atentamente. Como boa dramaturga que sempre fui, viro-me lentamente em direção ao homem que um dia foi, e ainda é, o grande amor da minha vida. Vejo Lipe e Vicente conversando com animação, mas nada escutava, meus olhos focavam apenas em Vin.
Ao contempla-lo depois de tantos anos sinto meu coração acelerar além do normal, entretanto, consigo manter o controle e a pose. Ele estava ainda mais deslumbrante. Seu cabelo liso castanho escuro estava mais curto e penteado, diferente do jovem Vin de dezesseis anos que andava despenteado. Seu rosto, perfeitamente esculpido pelo próprio Deus, mais maduro e másculo com a barba por fazer, me deixou constrangida e encantada ao mesmo tempo.
Como ele poderia ainda ter esse efeito sobre mim?
Vestia uma calça de sarja preta e blusa polo branca, evidenciando seus belos músculos.
Que homem!
Respiro fundo me recompondo. Como se tivéssemos combinado, Caio pigarreia atrás de mim chamando a atenção dos dois homens à minha frente.
Vicente, que antes sorria com algo que Felipe lhe dizia, ao fixar seus olhos azuis nos meus, muda a expressão de felicidade para espanto e surpresa. Sua boca abre e fecha algumas vezes, mas nenhuma palavra saía de lá.
— Vicente! — Cumprimento com naturalidade e educação, como se tivéssemos nos falado pela última vez na noite de ontem. Por fora aparentava uma tranquilidade incomum. Em meu interior, um verdadeiro vendaval de sentimentos e emoções.
Ele abre a boca mais uma vez para me responder, mas é impedido pelo pastor André, que chega acompanhado por uma linda mulher loira de estatura média, pele alva como a neve e olhos azuis, que me encaram com expectativa.
— Ah! Aí está você, Caio! — André exclama satisfeito — Vejo que já conheceu seu companheiro de quarto, senhor Felipe!
— O Caio? — Meu amigo questiona e o pastor assente — Sim! Na verdade, nós já nos conhecíamos.
— Excelente! — Sua atenção volta para mim — Senhorita Agatha, esta é a Lídia, uma de suas companheiras. Ela irá lhe acompanhar até o quarto e lhe apresentará todo o resto. Assim como o Caio. — Seu olhar vai para Vicente, que ainda me encara com incredulidade — Senhor Ferraço, está tudo bem?
Ele pigarreia e fita o mais velho entre nós.
— Está sim, pastor. — Sua voz sai rouca e baixa.
— Ótimo! Siga-me, gostaria de conversar algumas coisas com você e o missionário Théo.
— Ok.
Os dois se despedem de nós e se afastam. Acompanho-os com o olhar por alguns segundos, até sentir uma mão pequena em meu ombro. Viro-me e dou de cara com a mulher loira, a Lídia.
— Vamos? — Questiona um pouco envergonhada.
— Sim! — Ofereço-lhe um sorriso forçado e pego minhas malas.
— Deixa eu te ajudar. — Pega uma das bagagens de rodinha das minhas mãos e parte em minha frente. Dou uma última olhada em meus amigos e a sigo — Nossa, que mala pesada! O que tem aqui dentro, chumbo? — Comenta rindo.
— Mais ou menos isso! — Digo entrando na brincadeira.
Subimos alguns lances de escada até chegarmos ao terceiro pavimento. Infelizmente o pequeno edifício não tinha elevador.
— Chegamos! — Abre a porta e aponta para que eu entre.
— Obrigada! — Agradeço e o faço.
O ambiente era claro e com poucas informações. Três camas, uma enorme bancada perto da janela que comportava confortavelmente três pessoas sentadas. Um grande armário de madeira em uma das paredes, e outra porta que imaginei se tratar do banheiro.
— Gostei do quarto!
— Que bom que gostou! — Ri nervosamente.
— Você está envergonhada? — Ergo a sobrancelha a encarando com um sorriso no rosto.
A jovem, que conseguia ser mais branca que eu, fica ainda mais vermelha.
— Acho que sim!
— Não precisa ficar! Mas creio que isso mudará com o tempo, afinal seremos colegas de quarto, sem contar que faremos missões juntas. — Ofereço-lhe um sorriso sincero — Me chamo Agatha Tavares, mas pode me chamar de Águi!
Ela sorri e me abraça em seguida, o que me deixa um pouco desconfortável, mas retribuo para que ela não fique mais constrangida.
— Sou a Lídia Buarque, mas pode me chamar de Lili!
— É um prazer, Lili! — Afasto-me e olho para as camas, percebendo que apenas uma estava sem nada.
— Sua cama é a do meio. — A loira responde ao acompanhar meu olhar — Temos mais uma companheira, ela já deve estar no salão onde acontecerão as boas-vindas.
— Ah! — Comento e caminho até a cama. Jogo minha mochila sobre ela e me sento.
Os últimos acontecimentos ainda martelavam em minha mente. Era real, eu finalmente reencontrei Vicente Ferraço. Mas e agora?
Automaticamente seguro meu colar. Sim, na última noite tinha o colocado após alguns anos "esquecido" dentro da gaveta. Graças ao bom Deus ele estava por dentro do vestido, bem escondido.
— Belo colar! — Diz sentando na cama ao lado da minha — Quer ajuda com a bagagem?
— Não precisa, eu organizo tudo isso rapidamente.
— Ok, então vou para o salão. Creio que você já sabe onde fica — Levanta-se — Nos vemos lá?
— É claro! Obrigada pela ajuda, Lili! — Digo sinceramente.
— O prazer é meu, Águi! — Sorri e em seguida caminha até a saída do cômodo.
Suspiro e começo a desfazer minha mala. Abro as portas do guarda-roupa até encontrar o espaço vago, que provavelmente era o meu, já que as outras duas partes já estavam ocupadas.
Após terminar de arrumar minhas coisas, pego meu celular e saio do quarto. Ligo para casa, mas ninguém atende. Decido então tentar falar com a minha melhor amiga, que atende no primeiro toque. Viciada!
— ÁGUI!!! — Grita do outro lado — Já chegou? Creio que sim, já que está me ligando.
— Cheguei há quase uma hora, Hel. Já organizei minhas coisas e agora estou indo para as boas-vindas.
— Que bom! E aí, está gostando? Como foi até agora?
Fico quieta durante alguns segundos, ponderando se diria alguma coisa agora sobre o Vicente.
— Desembucha, garota! AH, QUEM ERA O OUTRO VOLUNTÁRIO? VICENTE? — Afasto o telefone. Sua voz esganiçada me dava dor de cabeça.
— Primeiro, pare de gritar, Hel! Segundo, não era ele e sim o Lipe.
— Que Lipe?
— Felipe Santiago, um jovem da nossa idade que também ia para os acampamentos conosco.
— Claro que eu me lembro dele, era uma pessoa maravilhosa! Ele gostava da Raquel, lembra?
— Sim, é verdade! — Sorrio com a lembrança daqueles tempos maravilhosos — Mas tem outra coisa que eu preciso te contar.
— O quê? — Pergunta com curiosidade.
— O Vin está aqui. — Sussurro para que ninguém escute. Tinha acabado de sair do prédio e andava pelo caminho arborizado que levava ao edifício principal do sítio, onde aconteceria a reunião.
— Não acredito! — Comenta pasma. Até imagino seu olhar de incredulidade — O que ele disse ao te ver?
— Na verdade, mal tivemos tempo de nos falar. — Ao longe vejo Caio acenando e correndo em minha direção. Aceno de volta e suspiro — Preciso desligar agora, mais tarde nos falamos.
— Justo agora, Agatha Tavares! Você sabe que sua amiga aqui não aguentará de tanta curiosidade! — Reclama.
— Tenho certeza que você conseguirá! Te amo! — Desligo assim que Caio chega.
— Achei que tinha se perdido, maninha! — Seu tom carinhoso me faz sorrir ainda mais. Ele sempre fora um jovem carinhoso.
— Obrigada por vir me socorrer, mas estou me familiarizando com o local e aproveitando essa vegetação maravilhosa.
— Esse lugar é incrível! À noite fica ainda mais lindo! — Oferece-me seu braço, que aceito prontamente.
— Imagino!
Seguimos em silêncio por alguns minutos.
— Como você está? — Pergunta me encarando atentamente.
— Como assim? — Imaginava sobre o que ele falava, mas sinceramente não estava muito confortável em abrir o meu coração. Ainda mais se fosse para falar sobre seu irmão.
— Você sabe... Sobre o Vice. — Paro de caminhar e o encaro com seriedade.
— Sinceramente, Caio, não quero falar sobre o seu irmão agora! Me desculpe.
— Ei! — Segura meus ombros — Me desculpe você por estar me metendo em sua vida. — Suspira — Eu só fiquei preocupado, pois percebi como você ficou ao ouviu a voz dele. Depois conseguiu se controlar, mas sei que ficou abalada. Águi, apesar de tudo eu sempre a considerei como uma irmã e isso não mudou. Eu realmente me preocupo com você.
Acaricio sua face oferecendo um sorriso singelo.
— Obrigada pela preocupação mais uma vez, maninho, mas está tudo bem! — Digo e continuo nossa caminhada — Agora vamos, temos um compromisso.
— Ok! Vou fingir que acredito em você! — Diz me fazendo rir.
— Você não mudou nada!
— Mudei sim! Agora sou um homem lindo, forte e muito responsável. — Minha risada aumenta ainda mais.
— Como pude deixar de perceber isso? — Bato em minha testa o fazendo bufar.
Conversamos amenidades por mais alguns minutos até que chegamos ao salão principal. Caio diz que precisa se sentar ao lado de seus companheiros e eu concordo. Procuro Lídia com o olhar e a encontro na frente, ao lado de uma mulher morena. Ela passa o olhar pelo salão até encontrar com o meu. Acena animadamente em minha direção e eu me aproximo.
— Achei que tinha se perdido! — Comenta quando me sento ao seu lado.
— Você não foi a primeira pessoa a pensar isso. Me escoltaram até aqui. — Pego um folheto oferecido por um dos auxiliadores, assim como Lídia, e agradeço.
— Que bom! — Ela olha para o assento ao lado e chama a atenção da menina morena — Lara, esta é a Águi, nossa outra companheira.
— Oi! — A jovem mulher de cabelos escuros se inclina por cima da Lili me cumprimentando — Prazer em conhece-la, Águi! Posso chama-la assim? — Aperto sua mão estendida a mim.
— Claro! O prazer é meu!
— Sinto que seremos boas amigas! — Lili fala não conseguindo conter a animação, nos fazendo rir.
O pastor André pega o microfone e começa a falar. Ele nos explicou o objetivo do curso que estávamos prestes a iniciar, esmiuçou todos os assuntos que seriam abordados ao longo dos oito meses. Soube que este ano o curso seria um pouco diferente dos outros, pois a maioria dos voluntários tinham uma formação que seria de grande auxílio para esta missão em especial.
Esse ano teríamos médicos, enfermeiros, arquitetos, professores, psicólogos e muitos outros profissionais. Obviamente que também tinham muitas pessoas sem formação universitária, mas com um enorme coração e uma imensa vontade de servir dando o melhor de si ao Senhor, e em minha opinião isso era o que realmente importa, pois o Senhor usa e capacita quem quer.
Estrategicamente, o pastor e os demais responsáveis organizaram as aulas específicas, que seriam intercaladas com algumas aulas coletivas. As boas-vindas durou cerca de uma hora.
Ao findar da reunião nos levantamos e fomos para o refeitório. Como estava sem fome e com um pouco de dor de cabeça, decidi seguir para o quarto. Lá eu tinha alguns biscoitos e aquele seria o meu jantar. As meninas tentaram me convencer, mas sem sucesso.
Entrei no quarto, comi alguma coisa e tomei um bom banho antes de me jogar na cama.
Estava inquieta demais, nem minha oração fluía. Desde o momento do nosso reencontro, não parava de pensar nele e em seus olhos azuis me fitando com surpresa. Várias perguntas passavam pela minha mente.
O que ele diria se o pastor André não tivesse chegado?
Por onde ele realmente estava?
Será que conseguira realizar um de seus maiores sonhos?
Por que não foi me procurar?
E a que mais me angustiava. Será que ele ainda me amava?
Levantei da cama e comecei a andar pelo quarto. Orava pedindo ajuda e direção ao Pai. Quando aceitei me voluntariar, vim com o objetivo de focar totalmente nas coisas de Deus e nada mais! Não poderia perder o foco por causa do Vicente. Meu grande amor...
— Arg! — Bufo indo em direção à janela, mas logo me arrependo, pois um grupo se aproximava do prédio. E no meio daquelas pessoas pouco conhecidas por mim, estava ele.
Surpreendi-me quando nossos olhos se encontraram.
Ele estava procurando por mim? Seria possível?
Fechei a janela e voltei para a cama. Dobrei meus joelhos e forcei minha mente a se conectar com o trono.
Após ter um momento de qualidade na presença do meu Mestre, deitei na cama e apaguei. A última coisa que eu ouvi ao longe foi a voz das meninas entrando no quarto.
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Sexta-feira, dia de capítulo novo!! E aí, como vocês estão? Gostando do livro?? Espero que sim 😁
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Att.
NAP 😘
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