V

Capítulo 05

Amy

Eu não consegui nem mesmo beber, sinal de que estava completamente arrasada.

Com a cabeça baixa para que ninguém visse meu estado, andei a passos rápidos para longe daquela aglomeração, ignorando as pessoas com quem esbarrava e torcendo para que não me parassem. Atravessei aquele mundo que era a casa de praia de Kyle e cheguei ao que parecia ser uma estufa que, diferentemente da piscina, estava assustadoramente silenciosa.

Perto das rosas, havia um pequeno balanço. Com passos lentos, caminhei até lá e me sentei no assento do balanço aparentemente feito por um marceneiro iniciante, já que senti um prego meio solto pinicar na minha bunda.

Fiquei ali me balançando e chorando baixinho, pensando em como não poderia fingir mais que não me importava. Arnold e Monica estavam certos quando disseram que eu estava me sentindo abandonada. Para todas as situações, não importava o quão difícil fosse, pelo menos uma certeza eu tinha: Julie estava do meu lado. Agora, essa única certeza que sempre tive comigo havia se esvaído, quase como se tivesse sido levada pelo vento.

A cada dia, sentia Julie mais distante, mas de tudo, a parte que mais me doía era ver que ela estava feliz. Ela conseguia ser realmente feliz sem me ter ao seu lado. Logo eu que me achei tão autosuficiente, estava sofrendo pela ausência de Julie.

Aquela realidade que sempre me enojou, que eu sempre achei que ela também enojava, estava, na verdade, agradando-a, o que alimentava ainda mais a minha ideia de que ficaria sozinha.

Sim. Eu estava com raiva. Muita raiva de ter sido trocada, mas nunca conseguiria prejudicar Julie. Como tinha dito para Arnold, minha função como amiga era protegê-la. Não poderia deixar que uma cobra como Margot a prejudicasse. Não. Isso eu não permitiria.

— Ei, esse é o meu balanço. – Levei um susto ao ouvir uma voz masculina falar. Olhei para a entrada da estufa e Gabe caminhava em minha direção. E, pela primeira vez, deixei o ódio de lado e passei a observá-lo.

Ele caminhava com as mãos nos bolsos do short de praia verde musgo, com uma regata branca justa ao corpo. Seus cabelos bagunçados se moviam junto com o vento, assim como a fumaça de seu cigarro aceso. Aquela era a primeira vez que via seus braços expostos, e pude admirar a tatuagem que ia de seu ombro até o cotovelo.

Gabe vinha em minha direção com aquele seu sorriso de canto, até que viu meus olhos vermelhos e as lágrimas. Seu sorriso foi substituído por uma expressão preocupada.

— Ei, Amy, o que houve? – Um vento forte apagou o seu cigarro, mas ele não se importou.

— Não é nada. – Virei o rosto, insultando-me mentalmente por deixar que alguém me visse daquela maneira. Principalmente Gabe. — Vai, pode caçoar de mim. Chorando como uma meninha ou pior, como o Arnold vendo Naruto.

Gabe deu uma risada sem humor.

— Eu não costumo rir da desgraça das pessoas, Amy. – eu o encarei. — Pelo menos não das que não merecem. E então, vai me falar?

Virei o rosto novamente.

— Beleza então. Pelo visto, vou ter que ficar só aqui com você. – Gabe se sentou no chão de frente a mim, em posição de meditação.

— G-Gabe? – Uma terceira voz surgiu no ambiente. Gabe se levantou em um salto e olhou para a entrada da estufa, onde um senhor caminhava lentamente em nossa direção, com a ajuda de uma bengala.

— Pai! – Bastou Gabe chegar perto para que o homem falhasse um passo e escorregasse. Felizmente, Gabe o segurou. — Pai, eu falei pro senhor permanecer na cama. Eu disse que cuidava do jardim.

Aquele diálogo realmente me intrigou.

O pai de Gabe deu um sorriso cansado, e só então percebi que mesmo ainda jovem, aquele senhor parecia muito abatido. 

— Eu sei, meu filho. Vim apenas lembra-lo de esquentar um pouco a água. Ela costuma ficar gelada nessa época do ano e isso maltrata os jasmins. – Ao que parecia, o pai de Gabe tinha muito conhecimento sobre aquelas plantas. Depois de analisar todo o lugar com o olhar, seus olhos se concentraram em mim. — Quem é aquela moça, filho?

Gabe ficou sem saber o que responder por alguns bons segundos. Ele deu um sorriso meio que torto para o pai e não viu saída a não ser me apresentar:

— Essa é a Amy, uma amiga. – Ele me apresentou e me vi na necessidade de levantar e cumprimenta-lo dignamente. — Amy, esse é meu pai.

Tentei ao máximo parecer emocionalmente bem e dei um de meus melhores e mais sinceros sorrisos.

— Olá, senhor North. – Apertei a mão daquele senhor que parecia feliz de me conhecer.

— Muito prazer, Amy. – Ele respondeu. — Nunca conheci um amigo do meu filho sem ser o Kyle.

O mais assustador daquilo não foi nem o estado do pai de Gabe, mas a maneira como ele realmente parecia um homem bom e honesto. Completamente diferente da imagem que Gabe gostava de passar.

— Pai, o senhor precisa descansar. Fica tranquilo. Eu e a Amy vamos tomar conta da estufa. Relaxa, senhor North. – Gabe assegurou mais uma vez.

— Tudo bem então. – O Senhor North me dirigiu um sorriso pequeno. — Mais uma vez, foi um prazer, Amy.

— Eu digo o mesmo, senhor North. – respondi com a mesma educação.

O pai de Gabe me olhou uma última vez antes de se virar e sair, seguido pelo filho. Instantes depois, Gabe retornou, e pela primeira vez, vi que ele não tinha nenhuma piadinha na ponta da língua.

— Seu pai é um amor. – Falei a ele e Gabe deu um meio sorriso. — Nem parece que vocês são parentes.

— Meu velho é muito ponta firme. – E eu achando que Kyle era o único que falava como surfista.

Senti que talvez eu levaria uma bronca, mas meu senso curioso realmente me obrigou a perguntar.

— Seu pai pareceu meio fraco. Ele está bem? – Vi que Gabe se sentou encostado à parede de vidro da estufa. Deixando um pouco de lado meus problemas, sentei ao lado dele e o encarei.

Eu estava esperando um "chega pra lá" ou um "não é da sua conta", mas Gabe não falou nada disso, apenas deu um suspiro.

— Ele está doente. Faz uns três ou quatro anos. – Gabe contou, parecendo sentir muita dor ao lembrar do estado do pai. — O senhor e a senhora Daniels foram muito legais por deixar que meu pai continuasse a cuidar daqui, mesmo com a doença.

— Espera... Cuidar?

Agora tudo fazia sentido. Como Kyle e Gabe, tão diferentes em tudo, acabaram se tornando melhores amigos.

Mesmo já tendo deduzido tudo, Gabe ainda quis me explicar:

— Meus pais trabalham para os pais do Kyle. Minha mãe era governanta e meu pai é jardineiro. Eles se conheceram por causa do trabalho. – Gabe começou a contar e eu o escutava, atenta e satisfeita por ter finalmente minha curiosidade sanada. — Eu e Kyle nascemos no mesmo dia, inclusive. O que nos fez grandes amigos. Ele sabe tudo sobre mim e eu sobre ele.

Mordi o lábio inferior. Aquela última frase realmente definia minha amizade com Julie. Mas nossa, Deus me livre de fazer aniversário no mesmo dia que ela. Meu dia de liberdade ia ser totalmente ofuscado pelo clichê em pessoa que é Julie Hayes.

— Quando os pais do Kyle se mudaram pra San Diego, os meus também foram, não porque era necessário, mas sim pelo fato de já serem bons amigos. Mas, quando meu pai adoeceu... – Gabe falava com repulsa. — Minha mãe ficou muito abalada. Ela não soube aguentar aquele baque, então, ela simplesmente fugiu com um cara qualquer e nos abandonou. Da noite pro dia.

Toquei no ombro dele delicadamente. Todo aquele lado sensível de Gabe estava me surpreendendo de uma forma que eu jamais imaginei .

— Então, os pais do Kyle, sabendo que éramos apenas eu e ele, concordaram em cuidar das despesas do meu pai e do tratamento, apenas pela amizade. Mas eu não quero que meu pai dependa disso. Então... eu junto uma grana. O Kyle, como meu mano, me ajuda nisso. Ou melhor, ajudava.

Eu abracei minhas próprias pernas enquanto o ouvia contar tudo. Gabe parecia sofrer a cada palavra proferida, e quando dei por mim, estava o abraçando de lado, com a cabeça deitada em seu ombro.

Margot poderia nos ver agora? Sim. Mas nada me impediria de estar ali pros meus amigos. Nem mesmo ela e aquele seu veneno barato de vadia de chinatown. (O Arnold tinha me passado o ranço que ele sentia por chineses. Vão por mim, aquilo é raça ruim.)

— Então é por isso que você trafica drogas. – Falei em voz baixa. — Eu achava que você fazia isso por puro capricho, mas não... É uma maneira de sobrevivência.

Gabe cerrou os punhos.

— Você não sacou, Amy? Meu trampo antigo de garçom não pagava nem a passagem de metrô do meu pai pra clínica. – Ele desabafou. — Cultivando a erva nessa estufa, posso descolar uma grana duas vezes maior do que andando de mesa em mesa, saca?

— Eu entendo. Mas e se seu pai descobrir? Ele vai ficar destruído, Gabe. – Mesmo que eu tenha dito, suspeitava que aquilo não era algo que Gabe não soubesse.

— Eu tô ligado. Mas não importa. Antes de tudo, quero ele bem. Do meu lado. Somos só eu e ele. – Gabe apertou o tecido da calça jeans.

— E eu. – Com uma voz autoritária, ergui minha mão a sua frente, para que ele a apertasse. — Meus parabéns, você foi adicionado aos amigos de Amy com sucesso! Aqui é um por todos e todos por um.

Gabe finalmente conseguiu dar um sorriso.

— Você é a garota mais maluca que eu já conheci. – Ele comentou, rindo.

— E a mais linda. – Falei de brincadeira.

— Isso também. – Aquela resposta me pegou de surpresa.

Levantei em um salto de onde estava sentada e virei o rosto, que possivelmente estava corado.

— Muito bem, tristezas e problemas a parte, temos que cuidar dessas plantas pro seu pai não é? – Gabe se surpreendeu com minha atitude. Não sei se por querer ajudar com aquele serviço ou por eu ter mudado de assunto. — E depois, vamos estragar o namoro dos nossos amigos.

Mesmo parecendo intrigado, ele apenas assentiu e, juntos, fizemos o serviço do pai de Gabe. O senhor North deu ao filho todas as instruções de como cuidar das plantas. Instruções muito específicas, se perguntassem minha opinião.

Duas horas se passaram até que tivéssemos terminado. Agora, mais calma, cheguei à conclusão de que só seguiria Margot em duas situações.

Primeira: Se eu estivesse maluca.

Segunda: Se o sobrenome dela fosse Kardashian Hilton.

E pelo que me consta, nenhuma das opções se aplicava no momento. Então, seguiria com meu plano de ignora-la com sucesso.

— O Trevor me mandou mensagem. Disse que o Kyle e a Julie foram passear pela cidade caminhando. – Gabe me avisou, lendo algo no celular. Provavelmente a mensagem de Trevor.

— Credo. Andar. Odeio esforço físico. – Resmunguei. Sinal de que eu já estava recuperada.

Depois de guardarmos todo o equipamento de jardinagem(o que era bem difícil, a propósito) demos um jeito de driblar os amigos de Gabe (no caso Trevor e os outros do time) e os meus (no caso Monica e Arnold, já que né, o resto do mundo não gostava muito de mim).

Pegamos um metrô na estação mais próxima e descemos próximo à uma avenida cheia de restaurantes e algumas casas de show. Inúmeros casais apaixonados andavam de mãos dadas pela orla que havia ali, me dando uma imensa vontade de vomitar.

— Olha lá. – Gabe apontou pra minha frente e bem ao longe reconheci o casaco jeans pavoroso de Julie que cheirava a molho de churrasco. (Ela tinha sujado ele uma vez. O cheiro nunca mais se foi.)

Acompanhamos os dois discretamente, como naqueles filmes de espionagem dos anos oitenta. Acabou que pude mesmo ter certeza que Kyle e Julie eram um casal bem desinteressante, pois não faziam nada além de olhar em volta, darem risadinhas toscas e trocarem selinhos.

— Se isso continuar por mais um tempo, vou precisar de um saquinho pra vômito. Essa melação somada a esse cheiro de molho de churrasco do casaco da Julie estão me dando náuseas.

— Olha! – Gabe me ignorou. — Estão entrando no restaurante de frutos do mar.

— A Julie está tão ocupada secando o Kyle que nem percebeu o peixe enorme na fachada. – Girei os olhos.

— Vamos segui-los. – Senti uma corrente elétrica percorrer todo o meu corpo quando a mão de Gabe tocou a minha.— Boa noite. Uma mesa para dois. – Ele pediu, assim que paramos em frente a uma das funcionárias.

O local era bastante chique. Tocava uma música de piano ambiente e havia um enorme aquário de lagostas no meio do salão. Por não estamos nas vestes adequadas, uma das peruas nos olhou com desdém. Ou sei lá, poderia ser impressão minha. A mulher tinha feito tanta plástica que não dava pra saber.

— Aqui está bom. – Gabe avisou a recepcionista do local. Quando ela tinha se afastado, ele olhou pra mim e disse: — Espero que tenha dinheiro.

— Eu? Sou mais lisa que chão de shopping. – Respondi, de olhos arregalados.

Tentamos nos levantar, mas era tarde. Um
dos garçons que parecia o Kowalski dos pinguins de Madagascar parou a nossa frente.

— O que os... senhores vão querer? – Eu e Gabe nos entreolhamos.

— Uma... água. – Tivemos que pedir algo, se não nos tiraríamos dali.

— Mais alguma coisa? – Kowalski (chamarei ele assim agora) quis saber.

— Não, obrigada. – O garçom fingiu uma satisfação que ele não estava tendo e foi providenciar o pedido.

Eu e Gabe não aguentamos mais e soltamos a risada.

Da mesa em que estávamos, conseguíamos ver Kyle e Julie com perfeição. Os dois conversavam e riam logo em seguida e pareciam realmente felizes. O que não era bom pra mim.

— Alguma ideia? – Gabe quis saber.

— Espera aí. – Tirei meu celular do bolso e disquei para a única pessoa em que pensei.

— Oi, Amy! Onde você está? – Monica atendeu com aquela animação típica dela. — Eu e o Arnold estamos vendo Punho de Ferro. Série bem mais ou menos.

— Legal, Monica, legal mesmo, mas me escuta, você ainda tem aquela revista de fofoca dos anos 90? – Perguntei e Gabe estranhou total a minha pergunta.

— Tenho sim, mas por que você quer? – Ouvia a voz de Monica junto com a barulheira da série pela chamada.

Dei um sorriso maldoso.

— Nada não. Quero apenas para semear a discórdia.
       

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