IV

Capítulo 04

Amy

Quando Julie tinha me dito que poderia levar uma amiga, eu realmente acreditei que fosse uma viagem para poucas pessoas, ou, pelo menos, achei que era assim até o dia da ida para Los Angeles chegar, e eu tirar a conclusão que nem mesmo uma empresa turística iria levar tanta gente.

Simplesmente metade do colégio estava ali. Ouvi os vizinhos de Kyle xingando enquanto retiravam os restos de lixo de seu gramado (Já que uma multidão de adolescentes não seria muito organizada e muito menos jogaria lixo no lixo).

— A China ligou, quer o posto dela de maior população de volta. – Comentei ao lado de Gabe, que deu de ombros.

— O Kyle é assim. Se a pessoa deu um bom dia a ele, os dois já são melhores amigos.Por isso a lotação. Metade dessas pessoas nem deve saber o nome dele. Mas pro Kyle, todas elas já são praticamente da família.  – Gabe me contou. — Essa é uma das milhares de diferenças que eu e ele temos.

— Ah, nem me fale. Eu e a Julie também sofremos porque ela é do mesmo jeito. Nem te conto, no verão do ano passado ela conheceu uma tal de Jane. Céus. Insuportável. – Girei os olhos. — Mas enfim, vamos voltar ao plano. Tudo certo?

Gabe deu um sorriso travesso.

— Missão dada ao Gabe é missão cumprida. – Ele piscou o olho pra mim. Tive de virar o olhar pra não ficar muito presa naquele rosto bonito.

Fiquei pensando por dias em como eu iria na cara de pau para a viagem se eu e Julie havíamos brigado, de como aquilo poderia ser hipócrita de minha parte. Mas, ao ver a multidão que iria conosco, ela mal perceberia minha presença. O que acabaria sendo bom para o plano.

Plano esse que eu e Gabe traçamos passo a passo na noite anterior.

— A Julie é alérgica a frutos do mar. Tremendamente alérgica. – Dei um sorriso maldoso para Gabe, que me ouvia atentamente. — Basta um bolinho de camarão que ela fica empolada.

— O Kyle vai levar ela pra sair, um jantar romântico... e aí...

— Ela vai comer camarão e empolar. – Dei uma risada quase maldosa. — E vai ser só uma questão de tempo até eles verem que não são almas gêmeas.

Tá, eu sei o que vocês estão pensando. Isso parece uma ideia criada por duas crianças de um seriado infanto-juvenil da Nickelodeon. Tudo bem, poderia até ser um pouco, mas não era porque era uma ideia de criança que não poderia funcionar. Além do mais, essa era só a primeira ideia. Ainda viriam muito mais. Bom, viriam quando eu e Gabe pensássemos nelas. 

Bom, tanto eu quanto o Gabe gostamos muito de improvisar.

Um ônibus enorme daqueles que nos levam para excursões escolares parou em frente à casa de Kyle. Uma multidão frenética de alunos desesperados por uma praia e um fim de semana diferente correu em direção ao veículo e quase atropelou o coitado do copiloto, que estava abrindo a porta para dar passagem aos passageiros.

— Oi, Gabe! – Margot quase me matou do coração, brotando ao nosso lado como um demônio conjurado. — Você veio! O Kyle tinha dito que você poderia desistir, fiquei meio preocupada.

— Pois é. Mas eu vim. – Ele respondeu sem muitas palavras, parecendo altamente indiferente ao óbvio interesse de Margot nele.

Ela tentou forçar um assunto, e, diferente das outras vezes, ignorou quase que totalmente a minha presença. Margot se pendurou no pescoço de Gabe como uma tarântula venenosa e começou a falar como uma hiena tagarela de desenho animado. Já Gabe, por sua vez, só caminhava ao lado dela, parecendo totalmente entediado. Vendo que estava sobrando ali e sabendo que eu não conseguia aguentar a irmã de Arnold por mais de dois minutos, acenei para Gabe e me afastei. 

Quando todo aquele time de futebol (isso poderia ser maneira de falar, mas no caso não era, já que Kyle havia convidado mesmo todo o time) finalmente subiu no ônibus, aceitei a ajuda do simpático senhor para embarcar e tive que ficar em um dos assentos da primeira fila, ao lado de uma pessoa a quem não conseguia ver o rosto por causa do mangá gigantesco tapando sua cara. Ironicamente, não precisei ver o rosto para saber de quem se tratava:

— Arnold, achava que você odiava praia. – comentei, vendo meu amigo abaixar o mangá e me dar uma visão perfeita de seus cachos loiros e seus olhos verdes esmeralda.

— E eu odeio, mas adivinha? A Margot quis vir e meus pais me obrigaram. – Ele girou os olhos, ainda parecendo bem insatisfeito com a decisão do pai e da mãe. — E você veio mesmo estando brigada com a Julie? Achava que estavam de mal.

— E estamos. Mas não é porque estou de mal com a Julie que vou deixar de ajuda-la. – Coloquei meus óculos escuros no rosto, para proteger meus olhos do sol, mas também para que ninguém visse as minhas olheiras.

Arnold marcou a página em que estava e guardou o mangá, me olhando de forma inquisitiva.

Xii... Já vi esse filme. Conta aí, Amy, como diabos vai ajudar a Julie? –Se tinha uma pessoa que me conhecia tão bem quanto a Julie, esse alguém era Arnold.

— Como qualquer boa amiga, destruindo esse relacionamento. – comecei a passar o protetor solar em meus braços desnudos e Arnold abriu a boca em um "o" perfeito.

— Você vai o quê? Só pode estar maluca, Amy! – Arnold percebeu estar aumentando o tom de voz, logo o baixando por conta própria. — Tudo bem, eu sei, o Kyle e a Julie não eram lá minha ideia de casal ideal, mas eles parecem gostar de verdade um do outro. Afinal, ele tentou se dar bem com a gente, mesmo com as muitas diferenças. E a Julie é a primeira garota com quem o Kyle fez isso. Nem quando ele namorou a Margot por tipo, dois dias, no primeiro ano, ele fez algo parecido.

— Ah, por favor, será que só eu vejo que esse relacionamento dos dois não tem o mínimo cabimento? Minha função, como melhor amiga, é justamente impedir que a Julie se machuque por decisões ruins, e o Kyle é o mal caminho em forma de gente. – Justifiquei-me, tentando fazer com que pelo menos Arnold, que sempre me entendeu, concordasse comigo em mais uma coisa.

Sabendo que discutir comigo não adiantaria, Arnold, sereno e calmo do jeito que era, apenas deu de ombros e deu um pequeno sorriso.

— Tudo bem, se você diz.

A viagem até Los Angeles ocorreu de uma forma que eu já esperava. Havia ruídos de garotas fofocando e dando risadinhas, barulho de games portáteis sendo iniciados e dos meninos nojentos do time fazendo barulho de pum com o sovaco. Nos bancos mais ao fundo, Julie dormia serenamente, com a cabeça encostada no ombro de Kyle, que a observava enquanto retirava as mechas do cabelo dela que se encostavam ao seu rosto.

Seria uma atitude bem meiga, se eu não conhecesse aquele tipo de embuste.

Depois de algumas horas sobrevivendo às algazarras no ônibus, um dos meninos do fundão berrou:

— Los Angeles, porra! – E o resto do ônibus urrou junto com ele.

Mesmo odiando o sol sobre seu corpo, obriguei Arnold a abrir nossa janela para que pudéssemos ver a cidade, e era como se todo aquele lugar tivesse um charme único. As pessoas andando na calçada, a infraestrutura urbana, os outdoors espalhados pelas avenidas, até mesmo os hidrantes, tudo parecia ser mais fabuloso do que nos outros lugares.

Quando o ônibus finalmente parou, a confusão que foi para entrar se repetiu na hora de sair. Tive de esperar todos os apressadinhos passarem para finalmente levantar e tirar minha mochila dos compartimentos que haviam acima dos assentos.

— Amy? – virei-me o mais lentamente que pude ao ouvir aquela voz. — Você veio.

— Sim. – Só consegui responder isso e sorrir para Julie. Ao que parecia, ela e Kyle também esperaram a multidão apressada ir primeiro. — Obrigada por me convidar, Kyle.

— Disponha, Amy. Aproveita muito, belê? – Ele me pediu, da forma meio surfista a qual ele sempre se expressava.

Eu e Julie trocamos um sorriso fraco e os dois saíram na frente, me deixando sozinha com Arnold, que esperava impaciente para que eu desse licença.

— Escuta Amy, pode ir indo aí? Eu estou quase mijando nas calças. – Estando muito afetada ainda para rir, apenas dei licença a ele  e Arnold saiu correndo em disparada na frente.

Aparentemente, além de uma legião de carros, a família de Kyle também possuía uma legião de empregados. A sua casa de praia (que mais parecia um  parque aquático) tinha um batalhão de homens engravatados como anfitriões. Alguns eram seguranças, outros garçons e uma pouca quantidade era de manobristas. Dentro do casarão, algumas mulheres em roupas de empregadas seguravam pranchetas no saguão principal, dividindo os convidados da seguinte maneira: Meninas no andar de baixo. Meninos no andar de cima.

— Poxa, Kyle, e eu pensando que ia dormir do ladinho das gostosas. – Um dos garotos lamentou para o dono da recepção.

— Isso aqui deve ter sido coisa da minha mãe. Foi mal aí, galera. –Ouvi Kyle se desculpar.

Após todos estarem devidamente instalados, o som alto foi ligado e todo aquele pessoal se concentrou na área da piscina, onde uma vasta mesa de bebidas estava exposta. Em outra situação, eu teria corrido até lá e acabado com o estoque de tequila eu mesma, mas uma causa maior me chamava.

Saí a procura de Gabe assim que me instalei no quarto. Pelo visto, por ser convidada de Julie, a namorada do anfitrião, acabei ganhando um quarto só pra mim. O que me deixou muito satisfeita. Na entrada do corredor das meninas, vi Monica conversando com uma garota que nunca vi na vida (o que não me surpreendia, já que Monica conhecia metade da população global) e Arnold sentado em uma das cadeiras do saguão, lendo seu amado mangá.

Cheguei na área da piscina e dei de cara com Margot, que se meteu no meu caminho de forma mais do que proposital.

— Pode me dar licença? – Tentei pelo menos uma vez ser algo próximo de educada.

— Amy, meu amor... – A falsidade no timbre de Margot só não me irritava mais do que aquele ar convencido dela. — Eu andei reparando que nessa semana você e o Gabe ficaram muito próximos.

— E eu andei reparando que você engordou uns quilinhos. Acho que alguém anda comendo muito bolo, em? –Rebati no ponto que mais doía em Margot. O aspecto físico.

Ela se olhou de cima a baixo e até mesmo pra própria bunda, não percebendo nada fora do comum e voltando a falar sua ladainha de vadia desocupada:

— Gabe North é meu, sabe querida? Eu e ele temos algo bem forte, e não gosto nada da maneira com que vi os dois conversando nos últimos dias. Somos bem amigas, doçura, então estou pedindo como amiga para se afastar dele. – por mais chocante que fosse (para mim não era), eu não sentia um tom muito amigável por parte de Margot. — Se não... Eu vou ter que me obrigar a deixar esse meu jeito simpático e meigo e partir pro ataque.

— Nossa, estou morrendo de medo. – Fingi um pavor que eu não possuía, com uma cara de poucos amigos apenas para irritá-la ainda mais.

Tentei passar e deixa-la falando sozinha, mas Margot estava querendo mesmo levar na cara naquele dia. Deduzi isso quando a ordinária segurou meu pulso e me fez encará-la com todo meu ódio estampado no meu olhar.

— Se não me soltar em três segundos, eu te jogo nessa piscina e te mato afogada. – Mesmo ela querendo parecer a dominadora ali, minha ameaça foi assustadora o suficiente para que ela me soltasse.

— Ah, Amy... Adoro esse seu jeito, sabe? Por isso pensei que seríamos ótimas amigas...

— E não acha mais? Oh, que horrível. Vai me apagar do facebook? – Fiz um biquinho triste.

— Você tem todo esse ar de poderosa, mas uma parte sua não é tão poderosa não é mesmo? A Julie, diferentemente de você... – Cerrei meus punhos, contando até 10 mentalmente para não matar aquela conjuração do demônio. — É bem ingênua e frágil. – Foi a vez de Margot fazer um biquinho triste. — E tem tantos sonhos. Ela me disse que sonha em ir pra Fullerton, não é verdade? Uma universidade bem disputada. Coitada. Se soubessem que ela anda roubando provas...

— Escuta aqui, sua...

— Não, Amy, escuta aqui você. – Pelo olhar enfurecido, a máscara da megera havia caído e ela agora estava soltando todo o seu veneno disparadamente. — Ou você deixa o Gabe em paz ou eu me certifico de destruir a Julie eu mesma, ficamos entendidas?

Eu remoí a minha mente tentando buscar uma saída, mas todos aqueles últimos acontecimentos estavam esgotando as minhas energias. A briga com Julie, o afastamento dela, o plano com Gabe e agora isso. Quando dei por mim, estava chorando de ódio.

­— Estamos entendidas? – Margot quis se certificar.

Eu não consegui responder. Apenas virei na direção oposta, andando a passos rápidos.

Havia mudado de ideia. Eu realmente iria esgotar o estoque de tequila. 

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