III

Capítulo 03

Amy

A semana seguinte passou muito rápido, pelo menos para a maioria das pessoas. Maioria essa a qual eu não estava inclusa.

O motivo? Nesses últimos dias, Julie tentou mudar suas investidas. Agora, no lugar de me deixar de lado, ela está me seguindo pra todo lugar. O que não teria muita diferença de toda a nossa história, se ela não levasse Kyle junto.

Começou na segunda, na hora do almoço. Eu costumava escolher a mesa mais afastada do refeitório para comer, já que no meio era a maior confusão. E imaginem a minha surpresa quando...

— E aí, moçada. – Levei um susto quando uma bola de futebol americano quase caiu por cima do meu purê de batatas.

Levantei o olhar para dar de cara com uma Julie totalmente constrangida e um Kyle que sinceramente não tinha medo que eu o enforcasse com aquela sua jaqueta brega de time de escola.

— Fala aí, galera. – Eu troquei olhares com Arnold e Monica, que pareciam igualmente surpresos.

— Pessoal, o K vai sentar com a gente hoje. – Julie avisou, meio que tarde demais.

— Jura? Nem reparei. – Dei o sorriso mais fingido que consegui. Propositalmente, já que Julie sabia quando eu não estava sendo sincera.

— Pois é, Amy, legal né? – Kyle tentou ser simpático com aquele grupo de amigos a qual ele nunca tinha ao menos conversado. — Ei cara, da hora esse seu bottom. – Ele tentou ser agradável com Arnold, que estava ao lado dele comendo. A mochila de Arnold estava em cima da mesa, e Kyle viu algo para puxar assunto. — Adoro o Lanterna Verde.

— Esse é o Arqueiro Verde, na verdade. – Arnold não conseguia ser antipático, até mesmo quando corrigia as pessoas.

Eu dei um riso sem humor e Monica baixou a cabeça, encarando a bandeja de seu almoço. Provavelmente tentando sumir dali. Kyle, como se não bastasse, ainda continuou a falar.

— Ah, sim. Mas tanto faz, é tudo da Marvel. – Não consegui resistir e bati a mão na testa.

Gente, esse menino come pelo cu? Porque evidentemente ele caga pela boca.

— Amor... – Vendo que ninguém iria corrigir aquela gafe ainda maior que a primeira, Julie tentou interceder por ele. — O Lanterna e o Arqueiro Verde são da DC, não da Marvel.

Arnold parecia ter apanhado de quatro gorilas depois de ouvir aquela frase.

— Epa, Kyle. – Um dos garotos que também usava jaqueta do time parou em frente à mesa em que estávamos, sendo seguido por todo o time. — Não vai sentar com a gente hoje?

— Bom, é... – Era óbvio que ele queria ir com os amigos, mas bastou olhar para Julie para que dissesse exatamente o oposto. — Valeu, mas não, tô comendo com a minha mina hoje.

Julie e Kyle trocaram sorrisos. Eu tive de girar os olhos. Como poderia existir um casal tão brega?

— Mas chega aí galera, senta aí. Tem espaço! – Kyle convidou, como se fosse o dono da mesa.

Levantei do meu lugar querendo falar algo, mas Monica segurou meu braço e fez não com a cabeça. Então me sentei de novo, querendo enfiar a cabeça de Kyle na privada.

— Amy, por favor... – Julie sussurrou. — É muito importante pra mim e pro Kyle que nossos amigos se deem bem.

— Jules, você ouviu o que ele disse aqui? Depois dessa, o Arnold não vai querer dividir nem mais a calçada com ele. – Rebati, incomodada.

Julie pareceu irritada.

— Você não baixa mesmo sua guarda, né? O Kyle está sendo um fofo, tentando te agradar de toda maneira e você fica na defensiva. – Minha melhor amiga desabafou, insatisfeita. — Se não faz isso por ele, pode fazer por mim?!

Nossa sorte era que o time de futebol berrava tanto quanto comia, fazendo com que apenas eu e Julie escutássemos o que dizíamos uma para a outra.

Forcei o meu maior sorriso.

— Claro. Olha como estou feliz. – Apontei para meu rosto e sua expressão de felicidade excessiva forçada.

— Hm. Obrigada.

Mas infelizmente a tortura não terminou por aí. Na quinta, Julie e eu tínhamos combinado de ir ao cinema, vermos um filme que tínhamos combinado de ver a séculos, apenas as garotas.

— Essa pipoca tá muito cara. – Reclamei com o vendedor. — No supermercado compro todo o estoque de milho com esse preço!

— Amy, olha o mico! – Monica me alertou, envergonhada.

— Você paga porque você é rica. Eu me recuso. – O vendedor me olhou com um misto de medo e raiva, mas voltou sua atenção para Monica.

— Uma pipoca e refrigerante médio, por favor. – Ela pagou aquele preço absurdo e recebeu o pedido, e logo fui roubar um pouco da pipoca dela.— Onde está a Julie? O filme já vai começar!

— Ela me mandou uma mensagem. Disse que já estava a caminho. – Olhei para os lados e apontei para uma figura feminina ao longe que parecia com ela. — Tá ali! Poxa, até que en... ah, tá brincando?

Minha alegria durou menos de meio segundo, já que Kyle surgiu ao lado de Julie. Pelo amor, será que eles são grudados com cola maluca?

Faça-me o favor.

— Oi, meninas! – Julie chegou de mãos dadas com Kyle.

— Olá, senhoritas. – O intruso falou. — Espero que minha presença não incomode.

— Já tá incomodando. – Respondi, chateada. – Julie, essa é a tarde das meninas, esqueceu?

— Eu sei, Amy, mas é que o Kyle ia ficar sozinho hoje, sabe? O pobrezinho. Aí pensei que não teria problema. – Julie tentou se explicar, enquanto eu tentei esconder a minha cara de cu com aquela justificativa.

— Estou quase chorando com essa história tão comovente.

— Amy! – Monica me repreendeu. — Claro, Kyle, sem problema, vai ser divertido.

— Muito. – Concordei, sendo totalmente irônica. — Mas então, posso chamar o Arnold pelo menos?

— Aquele carinha do refeitório? – Kyle quis saber e Julie assentiu. — Ele é meio esquisito, vocês não acham?

— Deixa eu te dizer quem é esquisito. – Tentei continuar, mas a mão de Monica em meu pulso não me deixou continuar.

— De qualquer maneira, não daria tempo. O filme já vai começar. – Monica avisou, apontando para o telão com os horários de cada exibição. 

— Então, vamos? – Julie chamou, com uma felicidade absurda.

— Vamos lá. – Kyle beijou a bochecha dela e os dois saíram na frente.

— Como eles são melosos. – Comentei com Monica, caminhando mais atrás.

— Ah, eu acho fofo. – Ela respondeu. — Mas para com essa implicância Amy, o cara está realmente tentando.

— Tentando? Ele olha pra gente como se
Fossemos um bando de plebéias e ele o rei todo poderoso. – Admiti o que pensava dele. — Não ouviu a maneira que ele se referiu ao Arnold?

— Ele costuma falar mais com a Margot. É normal que ele pense isso, já que os dois são irmãos e são bem diferentes. – Monica tentou explicar sua opinião que, ao meu ver, era bem distorcida.

— Está defendendo ele, Monica?

— Não estou defendendo ninguém. Estou apenas tentando esclarecer algumas coisas. – Ela respondeu, antes de sentarmos em nossos assentos no cinema.

Vimos alguns trailers de próximos filmes, o que nos rendeu boas risadas, antes daquele que realmente viemos ver começar. Fiquei presa em algumas cenas, até ouvir barulhos estranhos ao meu lado.

— Só posso ter sambado nos dez mandamentos. – Bati a mão na testa, tentando ignorar Julie e Kyle se comendo ali ao meu lado.

Ele tinha uma mão boba insistente que descia pelo corpo de Julie, que ria manhosa daquelas carícias.

Já eu? Estava usando todo o meu autocontrole para não vomitar ali mesmo.

Como se não bastasse tudo isso, quando chegou a sexta feira, o que eu já achava que estava chato estava, na verdade, insuportável.

— Qual o nome da técnica usada por Sócrates para ensinar nas ruas de Atenas? – Arnold perguntou para mim enquanto andávamos pelo corredor até a sala de prova, já que teríamos teste Filosofia no segundo horário.

— Maiêutica? – Arnold ergueu a sobrancelha. – Tá, eu sei. Não responda com incerteza. Maiêutica. – Falei uma segunda vez, agora sem insegurança na resposta.

— Isso aí. – Ele me entregou o papel. — Vai arrasar nessa prova, Amy.

— Tomara, preciso mostrar pelo menos uma nota boa pros meus pais se não sou uma garota morta. – Comentei com ele.

Estávamos indo para nossos lugares na sala quando Margot apareceu em meu campo de visão. Ela usava sua roupa de líder e se aproximava de mim.

Queria ter sal grosso comigo, pois minha vó sempre me dizia que se jogasse sal em um demônio, ele sumiria.

— Oi, Amy. Você viu a Júlia? – Ela estava ao lado de uma outra garota que ao ouvir Margot falar o nome errado, cochichou algo eu seu ouvido. — Quer dizer, Julie?

— Não. Por que? – Fiquei orgulhosa de mim por não ter soltado nenhum comentário maldoso.

— Ah, por nada. – Margot quis desconversar. – Boa prova, anjinha. – E se afastou com a amiga.

— Boa prova, demônia. –  Respondi, mas, infelizmente, ela não ouviu.

Intrigada por esse súbito interesse de Margot em Julie, saí da sala alguns minutos antes do professor chegar e comecei a procurá-la. Dei um aceno rápido para Monica que ia ter geometria no primeiro horário e xinguei um garoto que pisou no meu pé por causa da correria do corredor e continuei atrás daquela tonta que era minha melhor amiga.

Busquei por todo o prédio. No corredor, laboratórios, cantina e até na biblioteca (a senhorita Marino me mandou ficar calada quando berrei o nome dela no meio dos livros, sei lá porquê) e nada de encontrá-la. Quando estava na quadra e quase saindo, ouvi alguns murmúrios vindos do andar de baixo da arquibancada.

— Tem certeza que é essa? – Ouvi a voz azeda de Margot perguntar.

Aproximei-me cautelosamente pra ver o que acontecia sem que me vissem. E lá estava todo o time de futebol e as líderes de torcida em volta de Julie, que parecia se sentir uma celebridade em um tapete vermelho e não um pedaço de carne jogado aos leões.

— Se eu não passar nessa prova, eu me ferro. - Um dos jogadores comentou. — É bom que isso esteja certo.

— Minha mina jamais erraria, não é, Julie? – Só de ouvir a voz de Kyle já me dava náuseas e ânsia.

Julie somente fez que não com a cabeça.

— Peguei todas do pacote de provas da minha mãe. Esse são os quatro modelos de prova. Com certeza. – Ela assegurou.

A mãe de Julie, a senhora Hayes, era a professora de Filosofia do último ano do ensino médio. Suas provas eram conhecidas como as que mais reprovavam entre todas do corpo docente, e os alunos que participavam de atividades extracurriculares, como o time de futebol e as líderes de torcida, temiam mais do que nunca que as notas baixas os tirassem do páreo.

E, de repente, tudo isso que aconteceu com Julie nas últimas semanas estava me parecendo muito conveniente.

Esperei aquela multidão de alunos desesperados se afastarem e Kyle descolar sua boca da de Julie para que finalmente pudesse me aproximar.

— Nossa. Você vende provas agora? Vende a de física por três e cinquenta? – Julie se assustou por um segundo, mas ao ver que era apenas eu, deu um suspiro aliviado e me ignorou totalmente, colocando a mochila nas costas , querendo sair. – Epa, espera aí. Não vai me dizer o que estava acontecendo aqui?

— Eu estava ajudando meu namorado e nossos amigos. – Julie respondeu, cheia da razão.

Dei um riso sem humor.

— Seus amigos? A Margot nem seu nome sabe. Me poupe, se poupe, nos poupe. – Girei os olhos.

— Você não entende! Se o Kyle for mal nessa prova, os pais dele vão deixa-lo de castigo por meses! Como vamos sair? Estou apenas tentando ajudar meu namorado!

— Claro que está. Porque ele nunca quis namorar você apenas com essa prova em mente! – Alfinetei-a.

— O que está querendo dizer?!

— Eu sempre soube que você é muito inocente, mas burra é novidade! Julie, será que você não nota que o Kyle namorar você foi apenas um pretexto pra te tomar essa prova? – Joguei todas as minhas suspeitas sobre ela.

— O quê? Eu e ele gostamos de verdade um do outro! O que custa você entender isso?! No lugar de me apoiar como uma boa amiga faria, fica só reclamando e julgando! – Julie desabafou. — Eu gosto do Kyle, de verdade. E sei que ele gosta de mim! Eu vejo que é recíproco, mas como sempre, você não vê nada além da sua opinião, já que pra você, sua verdade é a verdade absoluta, não é?!

— Primeiro, eu não estou sempre certa, só noventa e nove por cento das vezes. – Rebati. — E segundo, sabia que dias atrás seu amor eterno estava reclamando de uma garota chata que não largava do pé dele?

— Até mentir você tá mentindo agora? – Eu não consegui acreditar naquela pergunta de Julie.

— O quê? Você acha que eu tô mentindo?! – Senti meu sangue ferver de raiva. — Quer saber, se quer ser burra assim, vai ser burra longe de mim.

— Pode ir mesmo!

— Eu vou!

Saí pisando duro pra longe dali, andando com a cabeça tão longe que quase levei o ombro de alguém comigo com o esbarrão que dei em uma pessoa que vinha na direção oposta.

— Dia ruim? – Encostado em um dos armários, Gabe fumava um cigarro bem despreocupado.

— Você nem imagina! – Encostei-me ao lado dele e ergui a mão. Entendendo o recado, ele acendeu um cigarro e colocou na minha mão. — A Julie está me tirando do sério. – Comentei, dando uma tragada.

— Nem me fala. Eu e o Kyle quase saímos no soco ontem. – Gabe contou, acendendo outro cigarro pra si mesmo.

— Jura?

Gabe assentiu, mais pensativo que o normal.

— Sim. Sua amiguinha não me considera muito boa influência. Então eu a xinguei. Ele não aceitou muito bem e... – Foi só aí que prestei atenção na bochecha meio roxa de Gabe. — E ele me deu um soco.

— E feriu seus sentimentos? – Seu olhar denunciou que aquele não era momento para piadinhas. — Desculpe, sarcasmo é força do hábito.

— Eu sei. – Gabe deu um meio sorriso. — Que merda em, logo nós dois, que sempre fomos tão descompromissados, estamos nos sentindo descartados.

— Eu não estou. – Gabe ergueu a sobrancelha. — Tudo bem, talvez  um pouco.

— E o mais irônico? Eu e você talvez sejamos os mais insistentes daqui e não conseguimos encher os dois o suficiente para terminarmos. – Essa frase desconexa de Gabe fez algo surgir em minha mente.

— Espera! É isso! – Desencostei-me dos armários e fiquei de frente pra ele.

— O quê?

— Isso! Pensa comigo, e se não conseguimos ainda por que estamos agindo separados? Nós somos as maiores mentes malignas dessa escola, Gabriel! – Relembrei a ele. — E se nos unirmos?

— Nos unirmos? Quer que a gente faça uma aliança pra destruir o namoro dos nossos melhores amigos? – Dei um sorriso travesso, mordendo a unha do meu indicador.

— Isso! Se sermos nós mesmos não está adiantando, não vamos agir como nós! Vamos fingir que estamos de boa com o namoro e agir por trás das cortinas! – Contei minha ideia. — Vamos dar pequenos empurrãozinhos para os dois perceberem que essa relação não tem nexo...

— E eles terminem por conta própria. Assim, o Kyle pode voltar a me ajudar na venda das paradas...

— E a Julie pode voltar a estar do meu lado como sempre esteve. – Completei seu raciocínio.

— Amy, temos um acordo. – Gabe e eu apertamos as mãos, confiantes.

— Então está fechado. Vamos melhorar essas caras e seguir em frente. – Dei um
sorriso maldoso, e Gabe fez o mesmo, com o cigarro ainda nos lábios. — Temos um relacionamento para destruir.

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