Capítulo 18
Jaime
Quando meu tio Anselmo apareceu aqui na fazenda para jantar com a família do meu pai, achei estranho, principalmente pelo fato de minha mãe não querer revelar que ele era irmão dela. Ela insistia constantemente com meu Pai Jair que deveríamos nos mudar para a cidade.
Eu questionei a estranha visita dele à casa grande, e ela só disse que eles tinham negócios em comum. Eu só não entendi de que tipo poderia ser, mas deixei para lá. Até o dia em que entrei na sala de estar da casa para falar com meu pai e ouvi toda a discursão dos dois.
Meu tio revelou tudo o que havia feito para conseguir arruinar as finanças dos Vasconcelos, obrigando-o assim a pegar grandes quantias de dinheiro com ele. Até chegar ao ponto da cartada final, que era tomar a maior parte de todo o seu patrimônio como pagamento, e se tornar o sócio majoritário da Vasconcelos.
O casamento com minha irmã seria apenas um bônus.
Ainda me lembro nitidamente da expressão no rosto do meu pai quando ele soube que eu era seu filho. No primeiro momento, eu pensei que ele iria me rejeitar, pedir um exame de DNA ou algo do tipo, mas não. Acredito que, por um momento, ele até esqueceu que tio Anselmo estava ali para chantageá-lo, e um breve sorriso se formou em seu rosto. Mas não durou muito tempo, logo voltaram ao assunto "dinheiro", e eu saí desnorteado à procura de minha mãe, para ouvir dela toda a história da minha vida. Confesso que, apesar da surpresa em saber, fiquei muito emocionado, e meu primeiro pensamento foi sobre ela, minha amiga, minha irmã.
Eu sempre senti um carinho muito grande por ela, e até a ajudei em algumas de suas travessuras de adolescente rebelde. Mas eu nunca poderia imaginar que tínhamos o mesmo pai, e que era a força do sangue que me fazia sentir vontade de abraçá-la e consolá-la quando a via chorando por qualquer motivo que fosse.
Nunca olhei para ela como uma mulher, com segundas intenções. O único desejo que eu nutria era o de protegê-la.
Estou tão feliz em finalmente poder abraçá-la, que não sei nem como fazê-lo. Só sei que o farei, e pretendo cuidar dela para sempre. E principalmente ficar ao seu lado na briga contra o tio Anselmo, que com certeza vai dar as caras quando souber da morte de meu pai. Vou lutar para defender o que é nosso com unhas e dentes, e aqui ele não levará nenhuma vantagem. Vou fazer o que meu pai faria, custe o que custar, e sei que isso a deixará feliz.
A emoção de tê-la assim, diante de mim, na condição de minha irmã, é a mesma que senti quando me sentei com meu pai para falarmos a respeito de sua paternidade, pensando que eu ainda não sabia.
Ele me acolheu em seus braços, como se estivéssemos vividos como pai e filho a vida toda, e eu o aceitei como meu verdadeiro pai, pois sempre tive muito apreço por ele. Apesar de ter metido os pés pelas mãos com a Koany, eu sempre o admirei como homem.
É uma pena que, com toda a depressão em que ele mergulhara depois da tragédia que se abateu sobre a sua família, e com a fuga inusitada da Koany, ele teve aquele AVC que o deixou sem andar.
Uma das coisas que ele me confessou em umas de nossas conversas é que gostaria de poder cavalgar comigo pela fazenda, assim como fazia com a minha irmã desde que ela aprendeu a montar.
E, dito isto, seus olhos eram tomados pela mesma névoa de tristeza que o dominara desde que ela se fora. Foi então que eu decidi que iria atrás dela e a traria de volta. Ambos necessitavam disso, e eu seria o responsável por unir as nossas famílias a qualquer custo.
Hoje, eu vou finalmente abraçá-la como irmã, e nem sei como ela vai reagir ainda.
Afinal, acabamos de perder o nosso pai.
Koany
Estou atordoada com tudo que o Jaime me contou e, a cada palavra dita, mais eu sinto a raiva crescer dentro de mim.
É hoje que eu mato um homem! Como médica, eu posso imaginar várias formas de fazê-lo sofrer muito, até permitir que ele finalmente fique na mesma condição em que meu pai se encontra agora, morto naquele necrotério.
— Anselmo maldito de Andrade, vou fazer você desejar nunca ter nascido!
Amaldiçoo tanto o tio do meu irmão mentalmente que nem ouço mais o que ele está falando.
— Koany, Koany, está tudo bem?
Ele fala tocando levemente em meu ombro, me fazendo voltar à razão.
— Sim, está tudo bem — Eu estava apenas pensando em várias maneiras de como matar uma pessoa usando meus dons de cirurgiã.
Claro que eu não disse isso a ele, ou ele agora estaria correndo para o mais longe possível de mim, achando que eu fiquei louca, ou me tornei uma psicopata assassina de repente.
— Que tal falar alguma coisa? Me xingar talvez, sei lá... Qualquer coisa, pois eu estou realmente assustado com o seu silêncio, e ansioso também.
Eu não falei uma única palavra, apenas ouvi tudo o que ele me relatava, sem esboçar nenhuma reação em momento algum. Mas, apesar do susto e da raiva, estou muito feliz com a notícia.
Fico de pé, levando as mãos à cintura. Minha expressão continua a mesma, imparcial.
Olho para ele, que está com cara de menino que vai levar uma bronca à procura desesperada por uma saída. Finalmente solto as palavras:
— Para um irmão que não vê a irmã há quase três anos, você não parece estar com saudades e nem sequer ter sentido a minha falta, pois não me deu sequer um abraço. Nem de amigos, e muito menos de irmão.
Sinto os seus ombros relaxarem. Seus olhos são tomados por lágrimas e um sorriso se forma em seu rosto. Agora que sei toda a verdade sobre nós, percebo que ele tem o mesmo sorriso do meu pai, do nosso pai. Ele pula do sofá onde estava sentado há pouco ao meu lado, e me puxa para um abraço. Me apertando em seus braços, distribui beijos em minha testa, cabeça e bochechas. É nosso primeiro abraço como irmãos.
Karen entra na sala com uma cara de poucos amigos, e me entrega o telefone.
— É para você! — Ela fala, carrancuda.
Não faço ideia de quem me ligaria no número dela que a deixaria assim, mal humorada de repente, mas logo entendo o motivo.
Minha amiga ciumenta e superprotetora...
— Alô!
— Olá, meu amor, você saiu daqui correndo sem me dizer nada, eu imaginei que estava fugindo de mim. Não suportaria perdê-la novamente.
— Johnata, como conseguiu o número da Karen? — Pergunto atônita e surpresa também.
— Liguei para o Eduardo para saber de você, pois lá no hospital não me informaram muita coisa, e seu porteiro definitivamente não foi com a minha cara. Então ele me colocou a par dos acontecimentos.
— Me desculpa sair daquele jeito, é que eu fui pega de surpresa.
— Sinto muito por sua perda. Quero que saiba que eu estaria aí do seu lado se você assim o desejasse. Posso ir hoje mesmo se você quiser.
— Tudo bem, Johnata. Assim que eu voltar, terminamos a nossa conversa, ok? Não precisa vir até aqui, eu logo estarei de volta ao Rio. Te ligo assim que chegar.
— Claro, meu amor, estou ansioso por isso.
— Está bem.
— Koany...
— Hum...
— Eu te amo.
— Boa noite, Johnata!
Devolvo o celular e os olhos da Karen estão sobre mim, assim também como os do meu irmão. Ambos com olhar de reprovação.
— Ele vai te quebrar novamente. Você sabe disso, não é?
— Karen... Nós conversamos um pouco e o que houve foi quase tudo um mal entendido, falta de comunicação, na verdade. Tudo bem que ele foi orgulhoso e um completo idiota ao simplesmente acreditar que eu não o procurei por ser mimada demais, e também por não estar ao meu lado quando eu mais precisei, nem me atender quando eu o procurei, mas...
— Mas o quê, minha amiga? A lista é longa, mas você o ama mesmo assim, não é?
A ternura em sua voz já é notável.
— Acho que sim...
Dona Carmem entra seguida com Sue e nos chama para comer. A mesa está arrumada e o cheiro delicioso de torta de frango toma conta do ambiente. É a minha preferida, e é claro que ela sabe disto e fez exatamente para me mimar. Comemos em silêncio, logo teremos que seguir para o local do velório.
Foi surreal passar por tudo aquilo novamente, ver meu pai sendo enterrado e dar adeus para sempre. Mas é a lei da vida, e não podemos fazer nada para mudá-la.
Foi triste e doloroso, mas pelo menos eu sei que não estou mais sozinha. Agora eu tenho o meu irmão. Tenho o Jaime.
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