3. UM AMOR DO PASSADO

Cristina chegou a uma casa enorme de três pisos, com janelas e portas de vidro, varandas individuais em cada espaço dos pisos superiores, circundadas com muretas de proteções de metal cromado.

A casa toda era pintada em um tom de verde-oceano que contrastava com as grades e maçanetas prateadas, isso sem contar o portão automático, circundado por um muro alto encimado por cercas elétricas. Teve certeza de duas coisas: primeiro, aquele lugar era muito seguro; segundo, para manter uma casa assim, o dono devia ser rico a um nível que ela nunca conheceu.

Entrou pelo portão aberto, onde um homem de camisa xadrez fez sinal para que ela estacionasse em uma calçada à esquerda, no meio de outros carros. Ao descer, ouviu a voz de seu filho gritando por ela.

— Mamããããããe!

Olhou para trás e viu Juliano correr até ela vestindo uma roupa que não era sua. Estava banhado, com o cabelo cacheado úmido e, quando chegou perto para abraçá-la, Cristina sentiu um cheiro cítrico de perfume.

— Oi, meu amor. — Beijou o rosto do garoto sorridente e o acariciou. — Como foi o treino?

— Maneiro! O treinador disse que eu vou ser um grande artilheiro!

— E vai mesmo. Vamos trocar de roupa? Eu trouxe aquela camisa do Batman que você adora.

— Eba! Vamos, vamos! Quero mostrar minha camisa irada pro Vitor!

Juliano saiu puxando sua mãe pela mão ansiosamente, o que a fez sorrir. Ele era sempre animado e ativo.

Ao chegar ao pátio lateral onde estava uma churrasqueira e uma mesa enorme, os olhos de Cristina foram atraídos para a figura alta de ombros largos, cintura estreita e bumbum bem-desenhado em uma bermuda jeans que deixava à mostra as pernas grossas de um moreno virando a carne sobre o fogo.

Ela sentiu um calor instantâneo, algo quase desconhecido, pois não sentia isso já fazia muito tempo. E como se não bastasse ser bonito até de costas, o homem tinha um cabelo liso naturalmente bagunçado que era muito charmoso.

— Mamãe? — Juliano chamou, confuso com o fato de sua mãe ter parado no meio do caminho para admirar o pai de seu colega. — Vamos, o Vitor tá esperando.

Ela piscou algumas vezes, desviando o olhar do Sr. “De costas já está bom” por um momento.

— Querido, eu não posso ir entrando na casa de alguém sem falar com o dono antes. — Entregou a ele as roupas que tirou de sua bolsa. — Toma, pega a tua roupa e vai trocar, te espero aqui fora.

O menino pegou a sacola e correu para a porta lateral da casa. Ela sorriu, observando o filho, e nem percebeu quando o homem se aproximou.

— Desculpa não receber você como deveria, eu estava tentando não deixar a carne queimar. — A mesma voz grave que a deixou arrepiada ao telefone chegou aos seus ouvidos, o que a fez olhar para ele e arfar em reconhecimento. — Oi, Cristina. Faz muito tempo, não é mesmo?

Ela ficou sem reação, sua boca levemente aberta ao encarar o rosto de feições fortes, queixo quadrado com uma barba bem-feita, lábios cheios e os olhos cor-de-mel que a derretiam por dentro sem nem fazer esforço.

Ele deu um lindo sorriso e deu um passo mais perto para beijá-la no rosto como se não tivessem passado os últimos dezesseis anos sem se ver.

— Você está linda. Foi impossível não reconhecer, mudou quase nada, apenas amadureceu nas feições. Está ainda mais bonita do que imaginei que ficaria.

Cristina piscou, forçando a si mesma a sair do transe no qual ficara quando reconheceu o seu amor da juventude que foi embora.

— G-Gustavo! Que surpresa! — Sua voz saiu tremida.

— Eu sei, também fiquei surpreso. Não reconheci tua voz ao telefone, está mais forte agora — ele mentiu, tentando fazer parecer que o convite foi coincidência. Queria sondar para ver como ela reagiria a esse encontro. — Você tinha uma voz bem tímida antes.

— É... as pessoas mudam, você está com a voz bem mais grossa, não deu pra reconhecer.

— Ah, porque eu era um adolescente com a voz mudando quando fui embora.

— Você já tinha vinte anos — contrapôs ela.

— Era um jovem, então. — Ele riu, passando a mão forte pelo cabelo, movimento que prendeu a atenção dela. — Tudo bem, você me pegou, a voz de um homem não muda tanto assim só por se tornar adulto. Minha voz mudou porque precisei passar por uma cirurgia na garganta há alguns anos.

Ela ergueu as sobrancelhas, surpresa.

— Foi algo muito grave?

— É uma longa história. Posso te contar em outro momento, se você quiser mesmo saber.

— Claro — ela assentiu, sem pensar. — Quer dizer...

— Você sempre será bem-vinda à minha casa, Cris. Nossos filhos são colegas de futebol, o que pra mim é uma feliz coincidência, acho que temos muita coisa pra conversar, quase duas décadas de assuntos para atualizar.

Ela sorriu timidamente, de um jeito que só ele podia fazê-la sorrir.

— Acho que eu não saberia sobre o que começar a falar.

— Que tal começar com os acontecimentos da tua vida? Como você está, Cris? Já sei que tem um filho de dez anos, mas não vejo aliança no teu dedo.

Ela desviou o olhar.

— Você não tem que cuidar do churrasco?

Ele olhou para a churrasqueira e riu, puxando-a pela mão para verificar a carne.

— Pelo visto você continua especialista em fugir do assunto, não é?

Ela soltou sua mão e deu um passo atrás.

— Acho que minha história não é tão triste quanto a sua. Como tua esposa se foi? É claro que não precisa me contar, só se quiser.

— Não tem problema. Vitória tinha uma doença rara desde a adolescência, e ficava mais debilitada a cada ano. Nos conhecemos no hospital onde minha mãe trabalhou quando fomos de Curitiba para São Paulo, eu tinha vinte e três anos. Acabamos nos tornando amigos e depois o sentimento surgiu, sabe?

Ela concordou com a cabeça.

— É... eu sei como é.

— Então, essa é basicamente a minha história: por falta de cuidado eu acabei engravidando a Vick, e mesmo sendo só um estagiário de engenharia na época, eu fiz o que era certo e assumi meu filho. Me casei com ela, e ainda que soubesse que seu estado de saúde só iria piorar com o passar dos anos, me dispus a cuidar dela e ser o marido que merecia. A Vick foi uma mulher bondosa e amável, então eu tento ensinar meu filho a ser assim todos os dias.

— Nossa, isso é muito admirável. Imagino como você deve ter sofrido tendo que cuidar dela e depois sozinho do teu filho.

— Sim foi difícil, mas eu nunca me arrependi. Fui um marido carinhoso e fiel apesar das tentações, porque minha esposa merecia ser amada e respeitada. Eu dei a ela o melhor de mim e tento fazer o mesmo com meu filho.

— Você está viúvo há quanto tempo?

— Faz quatro anos. Há pouco menos de um ano tive uma namorada, mas o Vitor não se dava bem com ela e, bem, ele é meu filho, então é minha prioridade.

— Eu sou exatamente assim. O Juliano é minha vida, não penso em dar a ele um padrasto que vá ser menos que um amigo para ele. Já é difícil o suficiente quase não ter contato com o pai.

Gustavo retirou as carnes já assadas da churrasqueira e substituiu por filés crus, o tempo todo observando a morena de curvas arredondadas. Cristina sempre foi linda, desde a época em que foram namorados.

Aos dezoito anos, seus cachos volumosos chegavam até a cintura, ela era magrinha, mas já tinha um lindo par de seios que chamava a atenção dos rapazes, e aquelas pernas torneadas... Ele engoliu em seco ao notar agora como ganhara corpo. Seus seios estavam maiores, as pernas mais grossas, o quadril mais arredondado, e a cintura marcada não era fina como antes, porém isso apenas despertava seu lado de homem selvagem, pois adorava ter curvas para apertar.

Ela era pequena perto dele, nem alcançava seus ombros, o que ele achava perfeito. Os cachos escuros agora estavam curtos, e ele não podia se importar menos com isso, só tinha vontade de enredar seus dedos nos cachos sedosos para relembrar a sensação de fazer isso.

Contudo, era o rosto da morena que prendia sua atenção naquele momento. Suas feições amadureceram, ela estava mais linda, a melhor versão de si mesma em termos de beleza, mas sua expressão deixava aparente a bagunça emocional em que se encontrava, seus olhos carregavam uma profunda tristeza e decepção.

Ele desejou apagar aquele semblante derrotado do rosto dela e substituir pela expressão alegre, o jeito sempre animado que deixava constantemente uma covinha na sua bochecha esquerda quando ela sorria.

Desejou ver de novo a felicidade da mulher que foi o amor de sua vida. Mesmo tendo se apaixonado pela mãe de seu filho, Gustavo nunca realmente esqueceu de Cristina, ela era aquele tipo de amor que perdura, não importa quanto tempo passe.

— É triste que o menino sofra com a falta do pai, mas sei que deve ter um bom motivo para isso.

Ela olhou em seus olhos e ficou surpresa ao notar que parecia preocupado.

— Sim, na verdade. — Desviou o olhar e suspirou. — Eu me divorciei do pai dele, nosso casamento acabou há pouco mais de seis meses, desde então eu estou sozinha, refazendo minha vida. Estivemos casados por doze anos, o Juliano tem dez, foi muito difícil para ele essa mudança drástica.

— Entendo... Acho que nós dois temos bagagens emocionais pesadas, então.

— Suponho que sim, mas hoje é para ser um dia feliz, você está completando trinta e sete anos, né?

Ele sorriu largamente, o que só fez Cristina admirar sua beleza.

— Você lembra a minha idade, mas esqueceu a data do meu aniversário?

Ela deu de ombros.

— Já se passaram muitos anos. Se serve de consolo, eu nem estava atenta a que dia é hoje, estou perdida no tempo. Tive folga à tarde por falta de pacientes agendados, mas amanhã volto ao trabalho, e será um dia bem cheio.

— Você trabalha em quê?

— Sou fisioterapeuta.

— Hum, temos uma doutora aqui, então...

— Não, eu não sou médica nem tenho doutorado, apenas pós-graduação. Não tenho título de doutora.

— E os pacientes não te chamam de Dra. Cristina, por acaso? Duvido.

Ela corou e fez um som de desdém com a boca.

— Que seja. Isso é só uma forma honorífica de me chamar, eu não fiz nada para ter esse título.

— Bom, eu ainda me lembro a data do teu aniversário, dia dezessete de julho.

Ela sentiu um agradável arrepio quando ele falou bem perto do seu ouvido. Ia responder, porém seu filho apareceu correndo ao lado de um menino um pouco mais alto, de cabelo ruivo, jeito sério e olhos castanhos por trás de óculos de grau.

— Vitor — falou o moreninho cacheado —, ela é a minha mamãe.

O menino ruivinho sorriu e apertou a mão de Cristina.

— Olá, eu sou o Vitor, e a senhora tava conversando com meu pai.

Ele abraçou seu pai pela cintura, perguntando baixinho, mas audivelmente:

— Ela vai ser sua nova namorada, papai?

Cristina sentiu vergonha ao ver o sorriso brincalhão no rosto de Gustavo e percebeu que seu filho olhava de um para o outro com expressão pensativa.

Gustavo então se abaixou para ficar à altura de seu filho e disse:

— Depende, você quer que ela seja minha namorada?

O menino tocou no próprio lábio inferior com o dedo indicador, ponderando.

— Não sei. Ela é bonita e parece legal, porque é a mãe do Juliano e ele é muito maneiro. Se vocês namorarem, o Juliano vai ser meu irmão?

— Você gostaria de ter um irmão? — Gustavo ainda sorria.

— Acho que sim, mas só se for o Juliano.

— Tem certeza?

— Claro que sim! Ele sabe jogar Minecraft, pode me ensinar a construir casas tops e capturar zumbis.

Cristina não fazia ideia do que o garoto estava falando, no entanto, estudava as expressões de Gustavo enquanto ele falava com o filho.

— E você sabe se ele quer ser teu irmão?

O garoto fitou o coleguinha, que ainda olhava entre todos, pensativo.

— Quer ser meu irmão, Juliano?

O moreninho deu de ombros.

— Não sei. Só se você deixar eu ser o impostor no Among Us.

O ruivo olhou para seu pai.

— Ele quer ser meu irmão.

— Tudo bem, mas e agora, o que eu faço? — questionou Gustavo, olhando para Cristina com um sorriso cínico no canto dos lábios.

— Eu tenho que ensinar tudo? — O pequeno bufou. — Beija ela, seu bobo.

E pegando Juliano pelo braço, correu para dentro da casa.

Gustavo sorria abertamente quando os meninos entraram.

— Você não deveria tratar de um assunto tão sério dessa forma, Tav. Agora os meninos vão achar que somos namorados.

O moreno tocou nos caracóis macios do cabelo dela, sentindo o quanto eram sedosos, depois se inclinou para sentir o perfume que exalava de seu pescoço.

Ela se arrepiou inteira quando ele começou a sussurrar perto de seu ouvido:

— Hum... você é sempre tão cheirosa... sabe que eu adoro esse apelido que me deu, né? Quando todos me chamavam de Guga, Gugu ou Gusta, você começou a me chamar Tav. Isso só me lembra de quando ficávamos sozinhos e você gemia enquanto eu te fazia carinho.

Cristina sentiu uma súbita fraqueza nas pernas e segurou no ombro de Gustavo para se apoiar. Ele a enlaçou pela cintura e começou a dar beijinhos em seu rosto até chegar à boca, onde beijou suavemente. Sugou-lhe o lábio inferior e estava pronto para aprofundar o beijo quando ouviram o barulho de vozes e carros adentrando a propriedade.

Os convidados começaram a chegar, não eram muitos, apenas um grupo de doze pessoas. Cristina tentou se afastar, porém Gustavo continuou firmemente agarrado à sua cintura, como se quisesse mostrar para todos que ela era sua acompanhante naquela noite.

Cristina estava tão envergonhada que mal olhava para os amigos de Gustavo, muito menos para ele, por isso não percebia a expressão de orgulho do aniversariante, nem a forma como ele não conseguia desviar o olhar por muito tempo ou parar de admirar aquela mulher que, para ele, sempre foi insubstituível.

Os amigos de Gustavo ficaram surpresos, pois nunca o viram olhar assim para ninguém, e aqueles que conheceram sua falecida esposa tiveram certeza de que ali estava uma mulher que despertou os sentimentos dele.

Entretanto, mesmo que todos os outros vissem isso, Cristina não via, então sentia vergonha e medo de se deixar envolver por seu antigo namorado, pois se Jonas já tinha feito um estrago em seu psicológico, Gustavo tinha o poder de destruí-la ainda mais. Ela ficava confusa com o repentino avanço dele e só conseguia pensar que, apesar de estar com desejo se acumulando nela a cada minuto, não podia permitir que algo acontecesse.

Durante toda a noite, enquanto os amigos dele a envolviam em suas conversas, a troca de olhares entre Cristina e Gustavo ficava mais frequente. Ele estava em uma ponta da mesa, como o anfitrião que era, e ela optou por se sentar ao lado de seu filho, perto da outra ponta, onde Vitor estava sentado.

Todos comeram, beberam, se divertiram contando piadas, histórias engraçadas e provocando uns aos outros. Cristina percebeu que nunca ficou tão à vontade com os amigos de Jonas como estava naquele momento com os amigos de Gustavo. Talvez o fato de eles não serem um casal de verdade ajudasse a deixar o ambiente mais descontraído para ela.

Suspirou disfarçadamente, pensando em por que estava comparando seu ex-namorado e seu ex-marido. Não era como se fosse reatar o antigo relacionamento com Gustavo, então qual o sentido de pensar em como se sentia parte daquele grupo?

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