2. DO OUTRO LADO DA LINHA

Gustavo encerrou a chamada, seu coração batia acelerado, nervoso por ter escutado a voz dela. Depois de tantos anos, dezesseis, para ser exato, sentia como se estivesse a ponto de ter um ataque cardíaco por saber que a veria em menos de duas horas.

Suas mãos tremiam enquanto jogava o aparelho em cima da cama e passava os dedos entre os fios compridos de seu cabelo. Respirou fundo, sentando-se em uma poltrona perto da janela para observar a rua na tentativa de acalmar seu coração.

Passou as últimas semanas procurando uma forma de se aproximar de Cristina sem correr o risco de ser rechaçado tão logo ela o visse. Não sabia que sentimentos poderia despertar nela após quase duas décadas separados, contudo, tinha certeza que depois de tudo que ela passou com o canalha de seu ex-marido, não seria fácil encontrar um ex-namorado que a deixou sem dizer nada.

Ele suspirou e fechou os olhos enquanto lágrimas molhavam sua face. Ir embora da cidade quando tinha apenas vinte e um anos de idade foi uma das coisas mais difíceis que ele teve que fazer, especialmente porque essa decisão implicava em deixar para trás a garota que ele sabia ser o amor da sua vida.

Se pudesse, teria ficado com ela, porém teve que escolher entre sua felicidade e a segurança, tanto de sua mãe quanto de Cristina. Jamais poderia deixar as duas mulheres que amava em perigo, então optou por jogar suas coisas mais essenciais em uma mala e fugir com sua mãe no meio da noite.

Durante anos foi atormentando pelas lembranças que tinha de sua ex-namorada. Seguiu sua vida, se apaixonou por sua falecida esposa, se casou e teve seu filho Vitor, entretanto, Cristina ainda aparecia em seus sonhos e pensamentos. Era como uma sombra que lhe gritava que jamais poderia esquecer os planos que fez com ela nem as coisas que viveram juntos.

Um ano depois de perder Vitória, a vida em São Paulo ficou insuportável para ele. Gustavo tentou prosseguir apenas com seu filho, contudo, ele tinha necessidades e sentia falta de ter alguém. Tentou namorar, mas sua cabeça tinha espaço apenas para seu filho e seus pensamentos restantes eram ocupados por Cristina. Por isso, apesar dos protestos de sua mãe e dos pais de Vitória, voltou para a cidade onde nasceu e cresceu, levando seu filho para conhecer suas raízes.

Marina se preocupava com seu filho cuidando sozinho de seu neto e longe dela, pois ele já havia sofrido demais nos últimos anos e temia que uma mudança tão repentina na rotina de ambos fosse piorar a situação. No entanto, conhecia seu filho e sua teimosia. Quando decidia algo, não voltava atrás, por isso não insistiu mais quando ele afirmou que já estava organizando tudo para voltar à sua cidade natal.

Antes de se mudar, Gustavo resolveu todas as questões referentes à transferência escolar de seu filho, abriu uma filial de sua empresa em Ubatuba para poder trabalhar e deixou seu vice-presidente responsável pela sede na capital. Além disso, abriu vagas para diretores, gerentes e outros trabalhadores para a nova empresa de produção de artigos esportivos, e comprou uma casa num bairro nobre da cidade.

Tudo isso demorou cerca de dez meses para ser resolvido, então ele se mudou e começou uma nova etapa de sua vida. Voltou decidido a encontrar Cristina, queria ver se ela estava bem e, quem sabe, pedir outra chance. Com muita tristeza, descobriu que estava casada e tinha um filho. Para não atrapalhar Cristina, observou-a de longe, dizendo a si mesmo que ela parecia feliz com sua família e isso era só o que importava.

Durante quase dois anos ele acompanhou a vida de Cristina. Nunca se aproximou, apenas tentou namorar outra pessoa, e não deu certo porque só pensava nela.

Ele já havia desistido quando, um dia, foi buscar Vitor no treino de futebol e o viu conversando animadamente com o moreninho de cabelos cacheados cujas feições eram idênticas às da mãe. Era impossível, para quem a conhecesse, não saber que Juliano era seu filho, no entanto, dava para perceber que o menino estava triste.

Gustavo tentou manter distância, disse a si mesmo para esquecer Cristina, que ela era casada, porém se pegou falando com o menino e incentivando seu filho a ser amigo dele, o que não foi difícil, pois os dois se deram bem logo de cara.

Na mesma semana soube que Juliano andava triste porque sua mãe tinha ido embora de casa com ele, e mesmo que tivesse passado três meses desde que foi transferido de escola e do seu antigo clube de futebol, ainda era difícil para ele se acostumar ao fato de que seus pais não voltariam a morar juntos.

Foi assim que voltou a saber como estava a vida de Cristina, contudo, não se aproximou. Esperou seu tempo, pois imaginava que ela não estava bem e muito menos pronta para se envolver com outra pessoa.

Não até aquele momento.

Imaginou como ela estaria. Da última vez que a viu, ela estava com seu ex-marido em um restaurante onde Gustavo havia ido jantar com um grupo de investidores japoneses. Não pôde observá-la como gostaria porque precisava dar atenção aos estrangeiros a fim de conseguir que investissem em uma nova filial no sul do país, onde eles residiam.

Notou apenas que ela havia ganhado corpo, embora seus cachos continuassem compridos e brilhantes, e vestia um conjunto de seda azul que combinava com a blusa do homem que a acompanhava. Não chegou a ver seu rosto de frente, apenas o vislumbrou de perfil. Isso já fazia mais de um ano.

Uma lembrança surgiu em sua cabeça.

Cristina estava sentada no chão da sala da casa de Gustavo. Tinhas as pernas em posição de borboleta e as costas apoiadas no sofá de dois lugares, pequeno demais para que o casal ficasse confortável. Ele havia deitado a cabeça na coxa dela e ficava admirando seu rosto em vez de assistir ao filme na televisão. Já tinha visto “A Lagoa Azul” mais vezes do que gostaria, e apesar de achar a atriz bonita, nem se comparava à sua morena linda.

A garota assistia à cena em que o casal na ilha fez sexo pela primeira vez, e não se conformava que eles não tinham ideia do que estavam fazendo e a garota ainda permitiu, mesmo sentindo dor.

— Como é possível? Como ele sabe o que tem que fazer e ela não diz uma palavra quando vê um troço estranho balangando na frente dela?

Gustavo gargalhou, divertido, e colocou uma mecha do cabelo dela atrás da orelha.

— Isso é um filme, tudo pode acontecer e não fazer sentido algum.

— Fico pensando em por que esse filme fez tanto sucesso — ela resmungou.

— Porque os pobres só podem assistir TV aberta e, apesar de ser ruim, as pessoas gostam da história. É um clichê. Clichês dão certo.

Ela suspirou, revirando os olhos para a garota tendo um filho sem saber o que estava acontecendo. Pegou o controle e desligou o aparelho em forma de cubo com uma antena de duas pontas em cima, com bombril nas extremidades só para garantir o sinal analógico.

— Duas crianças crescendo em uma ilha deserta. Nunca daria certo — ela afirmou. — Na vida real, eles teriam morrido nos primeiros dias. Animais selvagens ou venenosos, fome, sede, hipotermia, insolação, a tribo canibal da ilha... Tantas poderiam ser a causa da morte. Qual é a tara das pessoas em histórias com ilhas desertas mortíferas?

Ele se ergueu e começou a beijar os lábios femininos de um jeito envolvente.

— Ilhas desertas abrem um leque de fantasias reprimidas, em especial das mulheres que não sabem como é ter satisfação sexual. Infelizmente, os homens machistas ainda não aprenderam que precisam deixar suas mulheres felizes em todos os sentidos para poderem viver em harmonia.

Gustavo pegou a mão da namorada e a deslizou em seu próprio corpo, até chegar na parte central. Cristina deu um gemido quase inaudível ao senti-lo.

— Imagina você perdida em uma ilha, sem abrigo, sem comida e sem companhia, aí de repente encontra esse moreno gostoso que arruma uma cabana, sabe caçar, pescar e ainda por cima cai de amores por você desde o primeiro olhar...

Ele tomou-lhe os lábios em um beijo forte e a morena suspirou, virando de frente para se sentar no colo dele, com as pernas ao lado de seus quadris. Agarrou os cabelos sedosos dele, aprofundando o beijo e rebolando em seu colo.

Gustavo emitiu um som profundo de sua garganta e deslizou as alças do vestido dela por seus ombros antes de deixar os lábios macios da garota para beijar e sugar seu pescoço, descendo pela clavícula, em direção aos seios empinados sob o sutiã. Com um puxão, livrou-se da peça que escondia o corpo amado de sua visão.

Cristina gemeu alto quando sentiu a boca de seu namorado brincando com seus mamilos, chupando e lambendo de forma lenta enquanto apertava sua bunda com vontade.

Afastou o rosto dos seios dela apenas para dizer:

— Imagina que todo dia esse moreno faz um banquete no teu corpo e te deixa tremendo de prazer. E que você só precisa aproveitar isso, sem preocupações de fora, sem trabalho ou estudo, sem horários, sem ninguém pra torcer contra vocês... Você só tem que usar e abusar desse homem todos os dias... Essa é a fantasia que tanto faz sucesso.

Ela assentiu e rebolou novamente, deleitando-se com o som que ele fez.

— Eu prefiro ter esse moreno aqui e agora... Preciso de você...

Gustavo sorriu e levou a mão para tocá-la intimamente por baixo do vestido.

— Hum, já está pronta pra mim?

— Eu sempre estou.

Com um sorriso de puro deleite, ele puxou seu próprio membro da cueca antes de conduzi-lo para o interior quente da garota, que começou a cavalgar nele em um ímpeto de desejo. Ela se movimentava com força, buscando seu prazer.

Estavam quase chegando ao êxtase juntos quando alguém bateu na porta e interrompeu as lembranças de Gustavo.

O homem olhou em volta, desorientado, percebendo que tinha a mão em volta de seu pênis e o acariciava com veemência, tentando desafogar o desejo que sentia só de se lembrar de sua ex-namorada.

Praguejou, constrangido por estar fazendo isso em plena quinta-feira, enquanto o sol ainda não tinha se posto, a apenas uma hora e meia do horário marcado para o início de seu churrasco de aniversário, onde Cristina estaria.

Merda. Precisava se controlar, não era mais um adolescente.

Respirou fundo e guardou seu instrumento na cueca antes de fechar o zíper da bermuda. Andou até a porta e a abriu, mostrando só o rosto na abertura.

Um homem de cabelo grisalho e pele curtida do sol segurava um chapéu surrado na mão, embora estivesse bem limpo e arrumado em sua camisa xadrez e calça jeans desgastada. Era o faz-tudo de Gustavo: limpava a piscina, cortava a grama, lavava o carro e a garagem, consertava coisas quebradas e trocava as lâmpadas queimadas. O que conseguisse fazer para manter em ordem a casa de seu patrão, ele fazia. Era casado com a cozinheira e suas filhas cuidavam da limpeza da casa e das roupas, enquanto seu filho auxiliava o pai, mesmo que todos eles estudassem para se formarem na faculdade.

— Sim, Seu Antônio.

— Patrão, a Alzira já aprontou as carne. O senhor vai mesmo ter o trabalho de assar? Posso fazer isso, é seu aniversário, menino.

— Tudo bem, Seu Antônio, já falei que gosto de fazer churrasco. Meu pai era boiadeiro, esqueceu? Eu cresci fazendo isso.

— É verdade. O Seu Matias, que Deus o tenha, era o melhor churrasqueiro que já vi aqui na minha mocidade. Uma pena que ficou doente.

Gustavo concordou e perguntou em seguida há quanto tempo o peito bovino estava no defumador. Antônio respondeu que faltava quarenta minutos para completar oito horas, estava quase pronto, e que seu filho Gabriel já tinha colocado carvão na churrasqueira e acendido.

Depois que o homem foi embora, Gustavo pegou uma camisa qualquer para vestir enquanto pensava em seu pai.

Matias Pinheiro era um sertanejo humilde que migrou de Goiânia para Ubatuba depois que recebeu uma proposta de emprego de seu compadre, José Hernandez, padrinho de Gustavo, para trabalhar como caseiro em uma casa de praia de um amigo muito rico de José.

Ele trabalhou ali por alguns anos antes de conhecer Marina e ambos se apaixonarem. Viveram juntos por muitos anos, porém, antes que pudessem juntar economias suficientes para oficializar o casamento, Matias descobriu que tinha um grave problema nos rins e precisava de transplante para sobreviver. Infelizmente, o transplante não chegou e seus rins falharam até não haver mais nada que se pudesse fazer.

Na época, Gustavo tinha somente onze anos de idade e Marina se viu sozinha para cuidar do filho. Seu padrinho ajudou bastante financeiramente, mas também faleceu alguns anos mais tarde, e Gustavo fez consigo mesmo o pacto de estudar e ter um bom emprego para dar à sua mãe uma vida confortável depois dela ter sofrido tanto para criá-lo.

Matias era um homem trabalhador, de princípios fortes. Ensinou Gustavo a ser uma pessoa de bem e, acima de tudo, respeitar sua família, em especial aquela que formasse depois de adulto.

Nunca desrespeita a mãe dos teus filho, visse?”, dizia ele. “É a mulher que tu vai escolher pra ser tua companheira, vai tirar da casa dos pais e com quem vai dividir todos os teus problemas e alegrias. Não quero filho meu sendo covarde e galhando quem mais deve respeitar no mundo, igual respeita a mãe. Se o amor acabar, deixa ela seguir a vida, mas não fica de namorico com outra, que isso não é coisa de homem! Respeita o que tem nas calça!”

Gustavo nunca esqueceu as lições de seu pai. Ele amava Marina e a tratava como se fosse a rainha de sua vida. Nunca tiveram problemas com mulheres se metendo entre eles e as pessoas que o conheciam costumavam se referir a ele como “cabra-macho, sim senhor!”.

O moreno sentia falta de seu pai, queria que Vitor tivesse conhecido o avô.

Suspirando, ele saiu do quarto e desceu direto para o pátio lateral, onde Gabriel atiçava o fogo na grande churrasqueira. Pediu ao rapaz que fosse buscar seu filho e o coleguinha dele no treino enquanto preparava o churrasco.

Gustavo logo pegou o garfo, uma bandeja de metal e a caixa de plástico onde estavam quilos de carne bovina, suína, de aves e linguiças. Os veganos ficariam ofendidos com a quantidade de carne que ele e seus amigos comiam em festas como aquelas. Em sua defesa, também tinha espetos com legumes e frutas prontos para serem grelhados.

Começou a trabalhar enquanto Alzira preparava os acompanhamentos na cozinha. Gostava de relaxar perto da churrasqueira, isso o fazia lembrar de quando era menino e seu pai o colocava para ajudar com a grelha, virando as carnes e usando um utensílio parecido com uma canaleta, por onde o suco da carne escorria para uma vasilha e era usado para regar quando estava quase pronta.

Quase uma hora se passou quando Antônio veio lhe avisar que Vitor chegara. Deu uma pausa no que estava fazendo para ir falar com seu filho e explicar para Juliano que sua mãe chegaria em breve para trazer uma roupa para ele. Mandou os meninos tomarem banho e orientou Vitor a emprestar uma roupa e perfume ao amigo até que a mãe dele chegasse.

Voltou para a churrasqueira e, cerca de meia hora mais tarde, ouviu Gabriel falar que uma convidada adentrava a propriedade.

Seu coração ficou apertado.

Será que Cristina se lembraria dele? Como ela reagiria? O perdoaria depois que lhe explicasse por que fugiu dezesseis anos atrás?

Precisava aproveitar ao máximo aquela oportunidade, pois sabia que talvez fosse a única para eles dois.

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