Prólogo
Aquele clima primaveril era uma ofensa. As flores brilhando com o orvalho matutino, os pássaros felizes voando pelo céu como se fossem as criaturas mais livres do universo, e, de certa forma são! Até os esquilos correndo pelas árvores e segurando em suas bocas as sementes que colheram pelo caminho era horrível de se ver. Deveria estar chovendo. Uma chuva dolorosa e torrencial, onde não desse para ver nem uma parte do céu azul que aquele dia mostrava orgulhoso. Era um péssimo dia. De certa forma o pior.
Ele sabia que não devia ter feito aquilo, não deveria ter... mas fez. E a consequência agora estava deitada sobre uma coroa de flores com cheiro de defunto, era o nome da flor, não é?
Porque todos parecem tão chorosos a encarando como se ela pudesse fazer uma loucura a qualquer momento? Ela não era maluca! Ela só estava sofrendo. Porque ele fez aquilo? Sabia que ela não tinha armas para lidar com isso, nem ferramentas para usar nesse momento desesperador. O tio pervertido sempre tentando alisá-la? Onde estavam os braços acolhedores dele para livrá-la disso? Onde ele estava? Ele sempre a livrou de pessoas, sabia que ela odiava lidar com multidões. Ela não conseguia fazer isso. Não nascera para isso.
Porque todos parecem observar seus passos? Porque estavam tão preocupados em constatar se o choro era real? Como se ela pudesse fingir algo assim. Aqueles braços em volta dela, os tapinhas nas costas, os desejos de melhora...? Tudo falso para ela, claro. Ninguém poderia sentir tanto a falta dele quanto ela. Talvez nem mesmo a mãe dele. Ellen sempre disse que não os aprovava juntos, mas, naquele momento parecia tão perdida por consolo quanto ela. Ainda sim, não acreditava que a mulher poderia sentir tanto a falta dele. Ninguém poderia.
Os medicamentos perderam o efeito? Será que ela não estava mais dopada? Sua mente parecia embebida em torpor, ainda que o corpo não estivesse. Era como se houvessem desligado a parte 'se importar' e ela estivesse dirigindo o carro no modo automático. Então porque doía tanto? O que estava acontecendo com ela? Pelos céus. Porque fez isso Adam? Devia mesmo? Porque foi estúpido ao ponto de deixa-la sozinha? Ela não sabia lidar, já havia dito isso... Um abraço mais e provavelmente vomitaria todo o tapete da sala de Ellen. Não era certo fazer isso.
Quando uma vizinha tentou consolá-la, pegando em suas mãos e falando palavras que tinham o intuito de aliviar seu coração, ela sentiu o vômito escalar sua garganta com ganas de sair. Ela queria se bater por sair correndo daquela forma, por não olhar para trás e não se dignar a responder ninguém que a tentava parar no caminho para o jardim. Ao chegar no deck da casa o vômito saiu. Um líquido entre verde e amarelo que tinha um cheiro horrível e o gosto pior ainda. Ela não havia dito nada para ninguém desde que receberam a ligação. Adam, seu idiota. Ela o amava tanto.
Depois de colocar o que tinha no corpo para fora, ela apenas olhou na direção do funeral. Ellen estava dizendo algo à senhora que tentou abraça-la e parecia descontente com o comportamento da ex-futura-nora. Ela não se importava muito com nada disso, queria apenas que todos deixassem-na em paz para que pudesse sofrer sozinha essa perda. Ao invés de ir na direção do funeral caminhou para o coreto do jardim. Aquele dia lindo não deveria ser 'desperdiçado' presa numa sala, Samanta. Pelo menos era isso que ele teria dito. Ele teria dado um jeito de entrar em sua mente e fazer com que visse o lado bom de tudo. Era tudo o que ela queria naquele momento.
Quando o coreto sombreado foi alcançado ela olhou para trás. Não esses poucos 50 passos que percorreu até ali, mas, toda a vida. Toda uma vida planejada que nunca se cumpriria.
Ao se sentar no banco baixo, cercada de flores coloridas e com toda sorte de perfumes, ela meditou por alguns momentos sobre a razão pela qual se sentia daquela forma. Não havia motivo aparente para rejeitar tanto as demonstrações de cuidado de todos, mas, então... porque?
Sons de beijos estalados e risadas foram ouvidos. Alguém definitivamente estava aproveitando melhor esse funeral do que ela. Ao se virar, viu embaixo da construção encostado numa árvore, Jonathan... O pesadelo de qualquer mulher consciente e que prezasse por sua reputação. Os cabelos negros bagunçados e a gravata quase fora do pescoço davam uma visão bem vinda de rebeldia, ela se debruçou para observar melhor. As mãos hábeis dele estavam levantando a saia da garota que estava se esfregando nele como um gato que sofria com sarna, os cachos ruivos dela seguiam o ritmo de sua cabeça enquanto seus lábios lambiam e mordiscavam o pescoço dele.
Realmente, ele não era de perder tempo.
- Então você... trabalha com o que mesmo?
- Nada importante, delícia.
- Entendi, difícil. Posso jogar esse joguinho.
- Não é um jogo, só é entediante. Melhor continuarmos...
Antes de ficarem mais intensos do que estavam Samanta pigarreou e olhou fundo nos olhos de Jonathan, que levantou a cabeça assim que ouviu. Ele tinha os olhos quase negros. O pecado da luxúria residia naquele corpo sensual. Prendendo a respiração lá no fundo quando olhou para ela, as bochechas do infame melhor amigo de Adam se transformaram em dois tomates. A denúncia de que ele sabia não estar agindo de acordo com um funeral.
- Sam? Desculpe! Me perdoe mesmo.
Um botão foi colocado em sua casa, uma gravata voltou a ter o nó apertado, o zíper da calça subiu para o devido lugar e a companhia feminina foi vista caminhando à passos largos na direção da casa. Sem palavra nenhuma para descrever o que estava pensando ou sentindo, no fundo sabendo que ele era a pessoa que talvez fosse menos entender como era realmente sentir a falta de alguém, ela pulou do coreto e voltou para a encenação que estava sendo aquele velório.
Não trocou nenhuma palavra com ninguém naquele dia, ela não saberia fazer isso sem ele ao seu lado. Pelo menos pelos próximos dias, estimava. Estava com o coração arrasado e as esperanças de um futuro próspero ao lado do homem que amou por toda a vida, despedaçadas assim como os pedregulhos que foram encontrados sobre seu corpo soterrado pelo deslizamento de terra. Porque fez isso Adam? Porque se arriscar numa aventura estúpida ao invés de simplesmente contratar stripers e ir à um bar com os amigos?
Ela deveria ter dito que o amava mais que tudo, antes de ele ter partido naquela manhã.
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