Capítulo 6


A calma que precede a tempestade foi sentida pelo moreno de olhos escuros assim que com o telefone em mãos, e depois de algumas tentativas, a senha finalmente funcionou, ironicamente, o aniversário de Sam. Ele estrangularia Adam se pudesse, mas, no momento, era impossível fazer isso. Assim que a tela desbloqueou, ele pôde ver melhor os olhos de Manu. Era uma garotinha linda, com pouco mais de 2 aninhos com a curiosidade à flor da pele e muito esperta. Ele sabia que ela existia mas isso não o preparou para olhar suas fotos e concluir que ela tinha muito mais de Adam do que de Kimberly. A mulher também formada em direito, com quem ele teve um caso de uma noite e o resultado sorria balançando os cabelos de maneira efusiva na foto do protetor de tela. Ele mataria Adam se pudesse, com certeza.

- O que tanto olha aí?

- Ah... Nada. Vou ligar pra ela.

Sam não estava ansiosa para que a mulher viesse até a cidade? Óbvio que não. Mas, ela entendia a necessidade. Tentou não ficar surpresa quando descobriu que elas viviam em White Creek, uma viagem de menos de uma hora entre Adam e essa Kimberly, talvez eles ainda mantivessem um caso. Ela não queria saber, na verdade, estava determinada a não saber nada além do essencial sobre elas.

- A ligação caiu na caixa postal. - Jon disse depois de alguns minutos encarando a tela do telefone com o número da mulher ao lado da inscrição 'não atendido'. - Vou tentar novamente mais tarde.

- Eu vou pra aula. Pode ficar à vontade para fazer como desejar, Jon.

A rotina não era a do início dessa amizade, agora compartilhavam mais, conversavam civilizadamente e ela poderia arriscar dizer que eram quase amigos agora. Ainda que ficasse nervosa na sua presença e não conseguisse explicar alguns de seus olhares. Ele estava lá, era uma presença forte e constante no meio dos solavancos que ela estava levando da vida.

- Eu preciso que ela venha só porque é o que a lei pede, Sam. Jamais faria isso com você se houvesse opção. Mas, como deseja, não vou mais mencionar nada referente a isso.

Na tarde daquele dia, Ellen ligou para Sam no meio do expediente, pedindo que ela fosse visitá-la. Não havia muito a ser dito entre elas, a mulher era difícil de lidar e não gostava muito da ex-futura-nora. Podia parecer estranho mas, era a verdade. Elas se davam bem antes pelo amor em comum com Adam. A aliança pesava em seu dedo, mesmo depois da descoberta ela não foi capaz de tirá-la. Meses depois da morte dele, ainda doía não tê-lo ao seu lado. Saiu correndo do trabalho e antes da aula à noite iria à sua casa para ver o que ela gostaria de dizer.

- Samanta?

- Sim...

- Meu bem, com você está? Focou tanto no trabalho durante esse tempo e o seu curso...? Está indo bem? Está gostando?

- Estou sim, senhor Joseph. Está tudo indo melhor agora. É tudo com o que sonhei. E, o primeiro passo para cuidar das pessoas como eu quero fazer.

- Certo. Fiquei sabendo que vai ter o estágio supervisionado no próximo ano. Quero que saiba, meu bem, que vamos dar um jeito de ajudá-la. Conversei com os sócios da empresa, e, como tem sido uma boa funcionária para nós, vamos fazer o possível para que você realize esse sonho.

Emocionada, com lágrimas presas aos olhos, ela sorriu verdadeiramente para o homem em bastante tempo. Sam não era carrancuda antes da morte de Adam, para tudo o que viveu, era considerada uma lutadora sorridente. Quando a sombra da morte pousou sobre ela, não havia muitas formas de alcançá-la, então as pessoas se mantiveram à uma distância saudável apenas a observando. O brilho em seu olhar retornando era sinal de que estava quase em seu humor natural.

- Eu agradeço muito, senhor. De coração. Isso é incrível.

- Você merece, meu bem. Somos testemunhas de tudo o que se passou com você. Não faríamos diferente.

Ela o abraçou respeitosamente, e deu um beijo em sua bochecha. Joseph era desses senhores fofos que parece tio de todos. Era uma bênção que ela pudesse conviver com ele.

Depois das emoções daquele dia, a única coisa que ela queria era um banho quente depois da aula. No entanto, o universo parecia conspirar contra ela e era a hora de encarar Ellen.

A casa de dois andares, com o jardim digno de uma revista sobre paisagismo era observada, imponente, no pé de uma montanha gigantesca e com o lago logo à direita do edifício era uma construção difícil de se ignorar. As janelas de vitrais coloridos a encarando, os diversos quartos e o arco na entrada da residência, agora apenas lhe traziam um certo receio.

Ellen havia sido abençoada com um filho apenas, ainda que sua vontade tivesse sido de ter pelo menos três. Ela queria que eles se fizessem companhia na idade madura e no entanto, agora encarava as fotos do filho único sobre a lareira como se houvesse sido à uma vida a sua partida.

Ela não havia entrado em contato com Sam nesse período. Ainda que fosse mais crível que elas se cuidarem na ausência de Adam, as rusgas entre elas pioraram um pouco com a cena que a morena fez no funeral. Com os dedos magros a mulher penteava as mechas de cabelo grisalho acinzentado e as colocava atrás das orelhas. Não havia porque disfarçar que estava ali contrariada. Mas, era um assunto delicado a se tratar.

- Como tem passado, Ellen?

- Um pouco melhor, Samanta. E, você?

- Também...

- Eu precisava falar com você sobre o testamento de Adam. Como advogado ele era prevenido.

- Porque está falando comigo sobre isso?

- Não sei se você sabe, mas, Adam aparentemente tinha uma filha ilegítima. - O veneno nessas palavras fez a pele de Sam se arrepiar, ela não tinha certeza do conhecimento dela, e, estava jogando uma isca para vê-la triste... Volte na próxima, Ellen. Além de saber, a morena já havia inclusive visto uma foto da pequena. - O advogado me informou que ela deve herdar metade dos bens do meu filho. E, de acordo com o testamento, você herdaria a outra metade.

Sam arregalou os olhos encarando a mulher com questionamentos óbvios. Ela jamais permitiria que nada de Adam fosse para ela. Ainda que fosse um carro velho ou algumas ações na bolsa de valores.

- Porém, como expôs o advogado. Vocês não se casaram, então a cláusula está revogada.

Ela sabia! Mas, realmente não se importava. Já havia sofrido muito, nem todos os pares de meias furados que Adam tinha fariam a diferença, ele não estava ali.

- Certo... E, algo mais?

- Você sabe alguma coisa sobre essa bastarda?

Algo no peito de Sam doeu. Manoela não parecia uma bastarda, poderia ser fruto de uma infidelidade ou de um deslize ou do que caralhos fosse. Mas, isso não dava à Ellen o direito de ofender a pequena. Ela tinha os olhos dele, o furinho no queixo.

- Manoela não é uma bastarda. É filha do Adam. Tem mãe. E é linda como ele era. Não deveria falar assim da sua neta.

- Você sabia?

- Não... Descobrimos quando limpamos o escritório de Adam. - Ela omitiu veemente o conhecimento prévio de Jon. - E, não me surpreende. Já que você vivia dizendo a ele para me deixar, deveria estar feliz.

- Eu não vou dividir o meu dinheiro, o dinheiro do Adam com uma criança que eu não conheço. A mãe dela deve ser uma golpista!

- Sobre isso não posso dizer nada, não as conheço.

- E não quer também? Essa criança pode ter roubado seu direito de ter uma herança do Adam.

- Ellen, quando eu concordei em casar com o seu filho, eu o amava, eu ainda amo. Não há nada que vá trazê-lo de volta. Nem nada do que você possa dizer vai me fazer acreditar que essa mulher ou a criança tenham algo que eu possa querer. Nunca quis o dinheiro do Adam, eu jamais ficaria com ele por isso. Mas, se era só isso que você queria, já posso ir.

- Não, não é Samanta. Eu quero que você me devolva o anel de noivado também.

A morena encarou a mais velha com água represada nos olhos. Adam deu à ela a aliança da avó, mesmo sabendo que sua mãe não concordava. Era um presente, ele a queria com ela, Ellen não tinha o direito de exigir o anel de volta.

- Adam me deu esse anel como uma demonstração de amor, não vou devolvê-lo.

- Ele não é seu. É meu. Era da minha mãe!

- Você deu ao Adam para que ele me desse, não vou devolver a única lembrança dele. Passar bem.

Levantando-se de maneira agressiva, a mulher mal olhou para trás e assim que atravessou a porta de entrada da casa se sentiu kilos mais leve. A pressão no ar daquela casa ainda lhe causava arrepios e mesmo com Adam próximo dela, não havia maneira de fazer Ellen entender que deixava a mulher desconfortável, ainda que sua intenção não fosse oposta.

- Essa bruxa velha...

Ir para a aula naquele dia estava fora de cogitação. Ela não conseguiria se concentrar em nada além do que era necessário para respirar. A caminhada até o centro da cidade havia feito bem à ela. Suas bochechas já haviam perdido a coloração vermelha da raiva contra Ellen, e, seus olhos já não tinham mais nenhuma sombra das lágrimas não derramadas.

Nos últimos 30 dias ou pouco mais, ela não havia chorado por se lembrar de Adam, e depois que descobriu o que houve entre ele e Kimberly, não teve muito tempo além de processar a informação de que ele havia sim, tido uma filha e não havia comunicado. Ela se sentia traída, mas, não ao ponto de culpar a bebê ou a mãe dela. O compromisso era entre ele e ela, independente de outras pessoas na vida deles, deveriam ser fiéis um ao outro.

Seus pés caminhavam sem rumo pelo centro, tentando pensar no que fazer a seguir. Já que não ia para a aula hoje, poderia muito bem aproveitar do clima outonal e observar as folhas caindo das árvores à sua volta. A praça era um lugar gostoso de se ficar, ela passava muitos de seus dias ali, o movimento das pessoas familiares para ela e a forma como faziam parte de uma grande família, deixava seu coração menos saudoso.

Alguns amigos a cumprimentavam de longe, a Senhora Bare passou próximo dela e com suas grandes bochechas deu-lhe um sorriso incrível balançando a papada farta e chamando-a para um café quando ela desejasse aparecer. Essas eram as pessoas com quem ela aprendeu valores e conviveu durante pouco mais de metade da vida, ainda que Adam fosse o ponto central, ela ainda tinha muitos amigos e apoio de todos eles para seguir em frente. Lembrou-se do Senhor Joseph que havia lhe dado um grande presente naquele dia também... Ela estava bem ali, Saratoga era sua casa.

Pareceram minutos, sentada ali na mesma posição, com a mochila nas costas e os pés tamborilando uma batida suave no chão, mas ao olhar para o relógio no coreto central da praça, notou que já era quase oito da noite. Suspirando para a espiral de sentimentos que tomou conta dela, Sam levantou-se na direção da lanchonete. Perk era um lugar charmoso e fechado, pertencia ao terceiro Perkings que vivia na cidade, coincidentemente colega de colegial dela e dos amigos. Nicola estava atrás do balcão com um sorriso bonito, falando alto com os frequentadores.

- Vejam quem o vento trouxe, pessoal. É a Sam!

- Oi, Nicola. Oi, galera.

- Como você está, fofucha?

- Eu vou dobrar a sua língua. Não me chame assim.

- Ah, qual é... Um apelido de infância como o seu não morre... O que vai querer hoje?

- Um Milk Shake e uma porção de fritas. Não quero hambúrguer hoje.

- Sabe que mamãe vai ficar chateada se não fizer o seu sanduíche favorito. Leva pra casa...

- Ok! Claro! Como ela está?

- Bem... Bem melhor agora.

A mãe de Nicola era uma italiana imigrante que havia ido passar as férias em Saratoga e se apaixonou pela cidade e pelo pai do homem. Há pouco mais de um ano e meio eles o haviam perdido para uma doença particularmente agressiva e assim como Sam a mulher havia guardado luto por um tempo, parecia realmente melhor, mas, ela não se achava capaz de julgar a extensão da melhora, era melhor confiar no julgamento do homem.

- Ótimo! Vou sentar ali no canto, e, espero enquanto leio o material do curso, ok?

Sam foi para o fundo do lugar e observou a familiaridade de tudo aquilo, das mesinhas de madeira ao piso de linóleo vermelho, as janelas gigantescas que iam até o teto, o balcão desgastado, as fotos dos moradores da cidade nas paredes, espalhadas por todo o lugar, um número considerável agora de fotos do antigo dono do lugar com várias pessoas diferentes. Era uma forma de mantê-lo perto. Procurando dentro da mochila pelo livro, não deu muita atenção ao movimento em volta.

Sua comida chegou e ela estava ainda mergulhada em procedimentos éticos na área da saúde, quando uma garota entrou pela lanchonete, deveria estar de passagem por ali. Baixando novamente os olhos para o livro, ela continuou sua leitura, até que o movimento e os sons no lugar em volta pareceram parar. A concentração impedindo que ela percebesse qualquer estranheza, até que algo bateu em sua perna e ela não teve opção além de olhar.

Mãozinhas pequenas, pele clara, dedinhos fofos de unhas curtas, um vestido cor de rosa, cabelo de cor caramelo clara, olhos azuis e o furinho no queixo. Não era possível.

- Mamá! Olha! É a Sam!

- O que?

- Sam! Papai falou! Sam...

Samanta empalideceu como se tivesse visto um fantasma. A única coisa concreta em sua mente naquele momento era o teto do lugar em negro, engolindo seu corpo e consciência para longe do lugar onde ela estava.

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