Capítulo 3
— MEU DEUS!
Encarei meu reflexo deprimido no velho espelho manchado pelo tempo, enquanto lavava minhas mãos sujas com o vômito de minutos atrás. Agradeço aos céus por ter aguentado ao menos chegar até a porta do banheiro feminino ou seria ainda mais humilhada se aquele homem tivesse me visto jogar tudo para fora.
"Jess certamente me deve um milhão de dólares depois dessa noite!"
— Droga! — Não há mais papel toalha e estou sem minha bolsa. Meus olhos estão borrados e meu batom já saiu por completo. — Não quero ter que olhar para Jéssica, mas também não posso sair por aquele salão com esse rosto destruído.
Resolvo ir outra vez para o lado de fora do bar, ainda preciso de ar puro e uma aspirina para a dor de cabeça que estou sentindo.
O clima aqui fora continua agradável, meus olhos ainda estão molhados, enquanto observam a imensidão negra acima de minha cabeça.
Por alguns momentos me sinto como esse céu, vazio e escuro, sem brilho, sozinho e sem graça. É exatamente assim que eu me sinto, como venho me sentindo nesses últimos meses e nada que faço é capaz de mudar isso. Nem mesmo as investidas de Jess, suas idéias malucas como essa foram capazes de me fazer esquecer ele.
Outra vez minhas lembranças lançam nossos momentos, outra vez estou com os olhos marejados pelas dor que tais recordações me causam.
— Taehyung, eu as amei. — Meus olhos brilham ao admirar o par de alianças que ele acabara de me mostrar. — Mas, devem ter lhe custado todas as suas economias, amor.
— Nada é mais valioso que esse sorriso. — Seus dedos finos tocam-me o maxilar e correm até meu queixo, o erguendo para que meus olhos finalmente se encontrem com os seus. — Nenhum valor pagaria esse momento.
— Eu te amo!
— Seus pensamentos parecem estar distantes outra vez. — Aquela voz masculina outra vez.
Viro-me em direção ao bar e o encontro me observando com o pirulito entre os lábios. Seus fios agora estão bagunçados, já não traja mais sua jaqueta de couro extremamente sexy e seu olhar é intrigante.
— Pensei que já estivesse voltado para lá. — Aponto, fazendo um movimento com a cabeça e, em seguida, me viro para voltar a observar o céu negro.
— Não, eu estive lhe esperando. — Nesse momento sinto uma brisa violenta me atravessar, espalhando meus fios. — Sabia que voltaria para cá.
— Como pode ter essa certeza? — pergunto curiosa, como alguém que nem me conhece saberia tanto sobre meus passos? — Tem me seguido, ou algo assim?
— Não, gata, apenas sei reconhecer quando uma mulher teve seu coração partido e prefere o silêncio da noite do que aquele barulho todo de um bar lotado de pessoas felizes.
Seus passos se tornam audíveis, cada batida que seu coturno dá sobre as pedras é um soco que meu coração lança sobre meu peito, sinto minha respiração se tornar densa e sem entender fico aflita com sua aproximação.
— O que quer aqui? — As palavras saltam sem que eu possa as controlar.
— Nada, não quero nada de você — confesso que senti uma pontada de desapontamento, talvez eu esperasse outras palavras. — Só fiquei preocupado, você parecia triste e irritada com alguém.
— É, eu odeio um babaca. — Não me importo mais com nada. Talvez dizer a todos os caras que fui traída e largada torne as coisas mais fáceis para os afastar de mim.
— Você ao menos quebrou o nariz dele? Diga-me que você chutou as bolas dele pelo menos uma vez. — Seus olhos trazem uma seriedade que não combina com suas palavras. — Você não pode apenas ter o deixado ir depois de tudo.
Ele parece saber mais do que aparenta, mas eu não havia lhe contado sobre Taehyung, — mas será que foi Yoongi? Talvez tenha sido ele quem contou sobre minha vida. Droga, por que fui lhe contar sobre aquilo?
— Não, eu não fiz nada disso — confesso após uns segundos, e posso ver seu olhar desapontado.
— Deveria, sabe ir lá agora e chutar, quebrar seus dentes. — Ele se aproxima ainda mais, agora consigo inalar perfeitamente sua fragrância amadeirada. — Colocar pra fora. Minha mãe sempre me disse que chutar uns idiotas ajuda a aliviar o fardo.
Não consigo controlar o riso ao ouvir sua frase, mesmo com toda a dor dentro de mim, sou capaz de sorrir de tamanha bobagem. Tae era muito maior e mais forte, caso tentasse algo assim, seria eu a sair com o nariz quebrado.
— Sua mãe parece saber do que fala. — Sequei uma lágrima que caiu, enquanto ria de suas palavras.
— Ela precisou chutar algumas bolas nesses anos, não sabia escolher bem os caras, sabe?! — Ele pareceu amargurado com alguma lembrança.
— Sou como ela então. — Minhas lamentações parecem o deixar surpreso.
— Não deveria se sentir assim, sabe, não sei o que causaram. Mas não vale a pena, existem caras legais por aí. — Ele aproxima-se mais um pouco. — Eu sou um cara legal, só pra você saber.
Meus olhos estão juntos aos seus, algo neles parecem me convidar para um mundo novo. Não sei quanto tempo os encarei, não me importo na verdade, porque tudo naqueles olhos foram capazes de confortar-me por aqueles breves segundos.
Senti a necessidade de os encarar por mais tempo, não consegui sentir o desconforto que era esperado e não chegou. Era como se ali, abaixo daquela imensidão negra, eu houvesse encontrado os segundos de paz que procuro nesses meses.
Eu poderia fugir deste lugar junto desse homem agora mesmo.
— Lia, se comporte!
Repreendo-me em pensamento, o que está acontecendo comigo? Nunca passou tal pensamento por minha mente, como pude cogitar fugir com um desconhecido? Com certeza é culpa do álcool, ele está rondando minha mente, estou tonta e o gosto amargo ainda se faz presente em meu paladar.
— É isso!
— O que? — Ouço sua voz ecoar por meus tímpanos.
— Hã?! Não é nada, apenas pensei alto. — Minhas maçãs estão ruborizadas, ele me olha como tentando descobrir qual bizarrice havia se passado por meus pensamentos.
— Você quer voltar para lá? — Seu indicador aponta para o velho bar, mas nego com a cabeça. Realmente não estou afim de encarar Jess e todo aquele barulho.
— Acho que vou até a loja de conveniência do outro lado da estrada para comprar uma aspirina. — O vejo concordar com a cabeça.
— Bom, se precisar de mim, pode me ligar. — Seu cartão foi direcionado em minha direção. — Infelizmente, preciso voltar, os caras não sobrevivem sem mim. — Ele sorri como um garotinho cheio de si.
Olho para o pedaço de papel de cor preta envernizada que agora está em minha mão. E lá está seu cartão de visita com letras vermelhas, há seu endereço e seu telefone.
— Psicólogo? Jura? — digo incrédula, parece uma piada que um homem como ele fosse um daqueles caras que te ouve falar de seus problemas. — Você não se parece em nada com um psicólogo, senhor Kim Namjoon.
Seus olhos parecem me observar por alguns segundos, então finalmente ele abre aquele sorriso acolhedor outra vez.
— Nossa, muito obrigado. — Ele parece aliviado com esse fato. — Não quero me parecer com meus colegas de profissão. São todos tão caretas.
Não resisto e caio na risada, o vendo me observar incrédulo, o fato de um cara fatalmente lindo como ele ser um profissional da saúde mental me causou uma série de risos.
Não que esteja zombando de sua profissão, mas é que alguém como esse homem não se parece em nada com um médico assim. Sempre tive a ideia de homens nessa área com aqueles óculos, suas gravatas milimetricamente alinhadas, suas camisas engomadas com sapatos sociais brilhando e fios perfeitamente penteados.
Nunca pude imaginar encontrar um psicólogo que tivesse tatuagens, cabelos com mechas rosas, que usasse uma jaqueta de couro e tocasse em uma banda de rock.
— Mas, você...
— Não sou como meus colegas? É isso que está lhe causando estranheza? — Ele ajeita os fios rebeldes. — Isso aqui é quem sou de verdade, mas sabe que a música não tem dado muito dinheiro e tenho contas a pagar — Ele ri alto.
Nós entreolhamos e concordamos com o que ele havia dito, então voltamos a rir sem controle.
— Não é de verdade. — Ele aponta para o cabelo. — Eu uso tinta que sai com a água, infelizmente ainda preciso manter aquele cabelo impecável. — Pareceu desapontado com o fato de não poder usar os fios coloridos de forma permanente.
— Sei como é. — Aponto para meus fios claros. — Também preciso manter os padrões por causa do salário. — Outra vez estou rindo da desgraça que é minha vida, de não poder me revoltar e raspar os cabelos.
— É uma merda, mas pelo menos aqui podemos sermos nós mesmos. — Ele sorri deixando suas covinhas à mostra, meu coração errou uma batida nesse momento.
Ficamos ali por um tempo, vendo o céu estrelado, enquanto ele traga outro cigarro em silêncio. Eu preferi manter-me calada pelos próximos minutos, mergulhando outra vez na dor de um passado recente.
Notas do autor
Capítulo betado por Luagabriela do blog
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