9

Chiara

Ele não sabe, mas eu falo espanhol. Não apenas espanhol. Além de inglês, domino italiano, alemão, russo e francês. Arranho alguma coisa em árabe e japonês. Muitos anos dentro de casa, me deu oportunidade de passar meu tempo com professores que realmente queriam ensinar.

Então soube que ele estava indo ver a amante. Mercedita, era o nome dela. Quase podia vislumbrar uma bonita latina de formas voluptuosas e sangue quente, que o fazia ferver.

Ele queria se aliviar, e não faria isso comigo, sua esposa. Não que me importasse pela sua falta de interesse, mas tem algo no meu âmago que parece machucado pela forma como ele me descreveu para Lupe.

Era sempre assim que me viam. Não como uma mulher, mas como uma coisa qualquer que ninguém quer. É tão natural para os homens me enxergarem dessa forma que meu próprio irmão não escondia as palavras.

Ben ao menos teve a decência de tentar falar em espanhol para eu não entender.

Ele some dentro do carro momentos depois, e então vejo Lupe suspirando alto. Quando ela me percebe nas escadas, tenta sorrir, justificando a ausência com um "Ele precisou sair para trabalhar". Mais uma vez, eles não sabiam que eu falava o idioma deles, então apenas lhe dei um sorriso constrangido em resposta.

— Ele é um bom homem — Lupe adicionou, subindo as escadas. — Ele é muito gentil com as mulheres, incapaz de machucar qualquer uma. Uma vez os Lupi Sanguinari invadiram uma casa, com ordens de matar a todos. Deus me perdoe, mas Dominus Carbone, o Capo, não tenta fingir bondade quando não há nenhuma. Ben foi cumprir a ordem, e realmente matou todos. Todavia, uma mulher estava lá com os homens, e essa moça escapou. Ben a deixou viver. Disse que não bate em mulher, nem mata mulheres... Ele é um homem muito bom — reforçou a ideia. — Sei que teme sua vida agora, mas definitivamente, ele será o melhor dos maridos.

Precisei esconder um sorriso. O melhor dos maridos sequer me apresentou a casa, fugindo para os braços de suas amantes tão logo eu cheguei. Mas, entendi o ponto de Lupe. Minha mãe apanhava por qualquer coisa. Eu também já levei uns bons tabefes de meu pai por conta da personalidade. Apanhei até aprender a controlar minha vontade de falar. Hoje conseguia manter silêncio quase o tempo todo.

— A senhora mora a muito tempo aqui? — indaguei, mantendo o teatro do idioma em inglês.

— Sim, há anos. Quando os lobos chegaram a Vera Cruz meu marido trabalhava na pesca — me contou, seu braço me cercou e ela começou a me encaminhar para mais dentro da propriedade. Logo percebi que chegamos a um tipo de cozinha, onde Lupe me serviu café. O ar aqui era mais fresco, e havia uma porta traseira aberta de onde se podia ouvir o mar rugir. — Um dia estávamos cuidando de uma rede de pesca. As pescas estavam ruins, e Santiago estava irritado. Ele começou a aliviar sua tensão em mim.

Eu me apiedei de imediato. Ela contava como se estivesse falando simplesmente do tempo. Não havia julgamentos ou tristeza em seu tom, apenas um relato. Eu bebi um gole do café, amando o sabor marcante, enquanto a observava mexendo entre as panelas, buscando ervas que eu desconhecia até então, enquanto parecia disposta a começar a cozinhar.

— Santiago me derrubou na areia e oh... — ela ergueu o braço bem alto, acima da sua cabeça. Depois o desceu com forma, e repetiu o gesto várias vezes. — Bateu. Bateu. Bateu. Então eu escuto um "Boom", forte, e quando consigo abrir meu olho inchado vejo um jovem homem segurando uma arma e Santiago no chão, morto.

Ele pegou uma colher de pau e uma panela, colocando tudo sobre um fogão. Depois disso, se voltou ao enorme refrigerador e foi buscar carne.

— Faz anos, mas lembro como se fosse hoje... O dia da minha liberdade.

O dia da minha liberdade... Será que um dia eu teria isso também?

— Então veio morar com Beniamino?

— Eu não tinha para onde ir. Na aldeia, só os parentes de Santiago moravam. Todos me olhavam com ódio. Meus pais já haviam falecido e eu não tenho irmãos. Simplesmente não havia o que fazer. Nunca pensei que ele me daria um pouso, mas o Sr. Carbone não apenas me acolheu como me deu um lar... sabe? Um lar de verdade? Eu como em sua mesa, e bebo vinho com ele de noite, enquanto assistimos ao noticiário. Ele é um filho para mim. O filho que nunca tive.

Sorri.

De repente, um homem surge na porta. Desvio meus olhos para lá e vejo um típico mexicano de bigode parado à soleira. Ele tem um olhar absurdamente sedutor, e eu acabo sorrindo para ele de forma imediata.

— Sou Juan, senhora — ele se apresenta, num inglês carregado de sotaque. — Estava ansioso para conhecê-la. Fez uma boa viagem?

— Sim, obrigada — aceitei sua mão estendida em cumprimento.

— O que achou de seu novo lar?

— É um lugar muito bonito.

Juan então gira para Lupe.

— E o chefe?

Ela solta a respiração irritada, e responde em espanhol.

— Foi ver Mercedita.

Eu pensei que todos os homens eram iguais e iriam rir. Mas, Juan apenas curvou a boca.

— Certo... — ele disse, mas eu sabia que para ele não era certo. — Vou terminar de fazer a ronda. Qualquer coisa, só chamar — disse a Lupe, antes de volver novamente para mim, e curvar-se brevemente.

A Tana era muito grande, com muitos quartos, e eu me perguntava se era porque a família de Beniamino era grande demais.

— Os irmãos Carbone vem bastante aqui? — perguntei a Lupe, enquanto andávamos pelos corredores do segundo piso.

— Não. Nico é o mais frequente, mas soube que está com problemas na Colômbia. O narco estado da Venezuela está se fortalecendo. Nico está se redobrando em dois para não deixarem os traficantes tomarem seu território na fronteira. Gianni vem as vezes, raramente. Rocco, eu vi duas ou três vezes, que menino adorável. Ele vem com a mãe em alguns dias de férias, a cada dois ou três anos. Já o Capo não conheço. Nem a irmã do Capo. Só de ouvir falar.

Eu imaginava o porquê. Muito se dizia sobre Caterina. Muito se culpava Dom por não tê-la mantido em rédeas curtas.

Continuamos pelo longo corredor. Lupe andava vagarosamente, provavelmente pela sua idade. Eu a acompanhei, quieta. De repente, vi uma porta aberta, e um quarto simplesmente lindo, em cores pasteis. Havia um forte perfume feminino ali, e indaguei:

— É o meu quarto.

— Não — ela rebateu, de imediato. — Vou ser sincera, senhora... As notícias correm, e não quero que entenda mal as coisas, então vou dizer francamente. Esse quarto pertencia a Mercedita, uma das amantes de Don Ben. À esquerda, ficava os outros quartos de suas amantes: Theresa, Rosa, Yolanda e Milagros...

Quantas amantes ele tem?

— Nenhuma mora mais aqui. Beniamino as mandou embora antes de buscá-la. Não precisa se preocupar com nenhuma delas.

Andamos mais um pouco. Cruzamos por outra porta.

— É o quarto de Beniamino — Lupe explicou. — O seu fica ao lado.

Assenti, enquanto rumava para a porta que Lupe indicou. Girei a maçaneta e entrei. O quarto não tinha qualquer personalidade e parecia ter sido arrumado às pressas. A cama, todavia, era enorme, com uma cabeceira em tons de vermelho e branco, muito mexicano. Havia montes de travesseiros verdes repousando sobre uma colcha branca. Era um dossel, com mosqueteiro protegendo o leito.

— É um bonito quarto — disse a ela.

— Espero que seja feliz aqui — ela desejou, e eu sei que era sincero, apesar dos pesares. — Que sua união produza muitos frutos. Ter crianças correndo pela casa, brincando na praia... é um sonho para todos nós. Por falar nisso, quando soube que vinha, resolvi lhe dar alguns presentes — ela me deu um enorme sorriso, e correu até um dos armários. De lá tirou uma grande caixa branca.

— Não precisava, Guadalupe — quis recusar.

— Fiz questão, senhora... Sei que o noivado foi muito curto, poucos dias, então sabia que não teve tempo de se preparar devidamente. Então fui até a cidade e comprei...

Eu abri a caixa, arregalando os olhos ao perceber o conteúdo. Era lingerie e camisolas. Meu rosto enrubesceu de imediato.

— Eu... não sei o que dizer — admiti para ela.

Porque não queria ser ofensiva, mas nunca usaria essas roupas.

— Não precisa dizer nada. Só desejo que seja feliz.

E saiu.

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