28
Chiara
O olhar de Ben encontrou o meu de imediato. Ele fixou-se por um tempo, como se tivesse dezenas de perguntas, mas não abriu a boca nesse primeiro momento. Apenas me encarou como se não acreditasse que estivesse me vendo ao lado do fogão, fazendo chás.
Minha pele ficou quente. Não sei se era algum tipo de vergonha pelo reencontro depois do que aconteceu entre nós, ou se era porque ele me pegou em flagrante cuidando de uma das suas amantes. O que era loucura.
O silêncio ficou tão pesado. Mesmo Theresa não teve coragem de dizer nada. O barulho da água fervendo, em algum momento quebrou o clima, e eu retornei a panela, desligando-a. Não queria dar explicações, mas em segundos Beniamino estava ao meu lado, os olhos fixos em mim, sua mão interrompendo a minha enquanto eu a levava até o fogão, para tentar pegar a panela.
— O que diabos está fazendo aqui? — sua voz era baixa, mas eu entendi o quanto estava zangado.
— Eu a chamei — Theresa o interrompeu. Não sei dizer, mas ela pareceu temerosa que ele descontasse sua raiva em mim. — Não foi culpa dela, é minha culpa.
— Explique – disse, entre os dentes.
— Nós nos encontramos na praia. Eu sinto muito — Theresa adiantou-se. — Mas, Rosa está muito doente e sua esposa é uma curandeira.
A mão de Beniamino não deixou a minha em nenhum momento, e mesmo eu sentindo que ele estava engolindo a desculpa, ainda não me soltou.
— O que Rosa tem? Faz meses que não a vejo...
Theresa desviou seus olhos para mim. Nós não sabíamos como contar, é verdade, mas ele descobriria de qualquer maneira.
— Foi Dr. Arturo que lhe chamou? — indaguei, fazendo com que seu olhar caísse em mim.
— Sim.
— Eu pedi que ele não avisasse.
— Ao menos Dr. Arturo é fiel a mim — resmungou. — O que Rosa tem? — exigiu.
— Gonorreia.
Eu disparei a informação e deixei que caísse como uma bomba. Vi seus olhos ficarem assombrados.
— Ela estava se prostituindo? — ele murmurou, parecendo entender exatamente o que estava acontecendo.
— Estava — Theresa confirmou. — Ela estava apavorada com o fato de que não a procura mais, e temeu perder a ajuda financeira. Estava tentando conseguir criar uma reserva... Não a puna, por favor... Sabe como ela é desesperada...
Ben não respondeu. Apenas tentou me puxar para me afastar dali, mas fiquei firme.
— Não vai me tirar daqui até eu fazer o que vim fazer. Vou preparar os chás e deixar prontos para Rosa. Depois disso, voltarei com você sem problemas.
Foi coragem dizer isso, foi audacioso de minha parte, e até imaginei que ele me puniria como exemplo, mas para minha surpresa meu marido simplesmente soltou meu braço e me deixou trabalhar.
Era o final do dia quando retornamos para Tana. Viemos pela praia, caminhado. Eu via os guardas ao longe, mas nenhum deles interrompeu nossos passos. O sol poente tingia o céu com tons de laranja. Me virei brevemente para ver o dourado no céu, e sorri, enquanto a brisa do mar brincava com meu cabelo, e o som das ondas embalava um tipo de paz que eu nunca senti antes.
Ben não era ruim com as mulheres. Ele foi respeitoso com Rosa na minha presença, disse que ela não precisava mais viver aquela vida desgraçada da prostituição, que ele a ajudaria até ela conseguir fazer algo que prestasse. Ela podia estudar, sugeriu. Ele pagaria a escola.
Eu via a incerteza nos olhos dela, mas ainda assim, ela tentou sorrir e ser grata. A nós dois. Disse a ela como beber o chá, a forma correta, e o médico jurou que voltaria para medicá-la novamente. No mais, Theresa ficaria com ela.
— A mãe a vendia para os homens — Ben me contou, depois de um tempo em que eu estava parada, olhando o sol. — Eu a encontrei assim, já mais velha, mas muito experiente, em uma boate na cidade. Rosa só confia no poder que tem no meio das pernas, e só acredita no dinheiro. Ela está quebrada há muitos anos para fazer diferente. Não acho que ela vá sair dessa vida... Eu lhe disse que não mais usaria seus serviços, mas que não iria desampará-la. Você se importa?
Voltei-me para ele. Levo minhas mãos até as dele, e as seguro.
— Fico feliz que não a desampare.
Há um calor familiar no nosso toque, nossos dedos entrelaçados. Voltamos a andar, nossos passos sobre a areia fofa. O mar se estende diante de nós, infinito e hipnotizante, refletindo o último brilho do dia.
— Não tenho a doença dela — ele disse, depois de um tempo. — Fazia muito tempo que eu não a procurava, e mesmo quando o fazia, sempre me protegi.
— Eu sei disso.
— Chiara... aquilo que me pediu ontem à noite...
Eu enrubesci, lembranças sobre minhas palavras... Não queria ser mais uma, queria ser a única.
— Não precisa dizer nada — balancei a cabeça negativamente.
O mar resvala até nós, a espuma morna beija meus pés. Estou descalça, e adoro a sensação. Eu amo esse lugar. A água faz cócegas nos meus pés e eu rio baixinho enquanto tento fugir um pouco dela. Quando encaro novamente meu marido, Ben está fixo em mim como se fosse a primeira vez que me via.
— O que foi?
— Eu gosto quando você sorri — ele murmura.
É tudo que diz, até chegarmos em Tana.
Meu telefone estava vibrando sobre o criado mudo. Eu queria ter ido direto tomar um banho, mas sabia que ele só tocava se era Olivia ou Filippo. Atendi, enquanto percebia Ben parado na minha porta, me observando.
— Você quer privacidade? — ele perguntou, enquanto atendia a ligação.
Neguei rapidamente, porque não havia nada para esconder dele.
— Olá? — disse, quando a chamada completou.
— Chiara! — era Olivia, e a voz dela parecia feliz em me ouvir. — Minha querida, faz tantos dias... Como você está?
— Estou bem. E você?
— A mesma coisa de sempre. Eu queria ligar para você, mas sabendo que está em lua de mel, achei melhor não importunar. Me conte, como é o México?
Lancei um olhar para meu marido. Ben estava escorado na porta, as mãos nos bolsos. Ele parecia atento a tudo que eu dissesse.
— Eu acho esse lugar lindo — contei.
E vi o quanto ele se agradou disso. E vê-lo alegre mexia comigo de uma maneira louca. Eu não sei porque meu coração parecia tão terno quando o olhava, mas era algo além de tudo que eu já senti antes.
Alguém se aproximou pelo corredor. Eu escuto os passos e vejo Ben desviando a atenção de mim, e volvendo para Lupe. Ela cochicha algo no seu ouvido e ele acena na minha direção, indicando que vai sair.
Eu balanço a mão, dando um tchau, enquanto ele afasta. Olivia continua a falar e falar, quando simplesmente algo escapa, cortando totalmente o assunto dela.
— Acho que me apaixonei pelo meu marido — digo.
É a única pessoa a quem posso confessar isso.
— Querida... — a voz de Olivia parede em choque. — É sério? Beniamino Carbone? O libertino?
— Sim... Ele é um homem bom — digo a ela.
E me agarro com desespero nisso.
Porque é a única coisa que explica eu abrir meu coração a um homem com muitas mulheres, que nunca me jurou fidelidade e nunca me fez promessas românticas.
Eu era, definitivamente, uma mulher idiota.
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