10

Chiara

Levantei meus olhos da cama, e me aproximei da janela. Lá embaixo, o mar rugia feroz. Eu já havia visto o mar antes, mas nem de longe imaginei que ele seria assim, tão grandioso.

Fechei meus olhos, sentindo o calor do sol que entrava pelos vidros da varanda. A abri, apenas para o experimentar mais pueril. Era incrível. O mar, o calor, o gosto salgado impregnado no ambiente. Acostumada ao frio e a escuridão de Montreal, jamais vi nada igual.

Inalei profundamente, imaginando que as roupas que eu tenho não são adequadas aqui. Giro novamente para dentro, e começo a ir na direção dos armários. Sei que minhas coisas já devem estar guardadas, e abri as portas imaginando que irei ver meus casacos, mas tudo que enxergo são vestidos bonitos e coloridos, camisas curtas e calças de linho de boa qualidade.

Começo a remexer em todas as gavetas. Há também toalhas, roupas de cama, encontro as roupas de baixo. São discretas e respeitosas, como uma senhora deve usar. Meu rosto volve a caixa que Lupe me deu, o contraste entre as lingeries é gritante.

Ouço algo vibrar. Levo meus olhos para o aparador ao lado da porta, e vejo meu celular ali. Eu tinha um em Montreal, dado por meu irmão, e também monitorado por ele. Filippo me permitiu apenas para ver sobre plantas ou estudar. Não para ter amigos ou coisas assim. Quando noivei, o celular sumiu e eu não questionei nada. Agora, estava surpresa de vê-lo ali.

Caminho na sua direção o pego. Há apenas um número em um aplicativo de mensagens.

"Chegou bem, irmã?"

Meu irmão arrumou um jeito de se comunicar comigo.

"Sim".

"Você precisa engravidar o mais rápido possível para que Dominus Carbone não possa fazer a troca dos irmãos".

Eu sabia disso. Mas, não podia dizer a ele que até então meu marido não havia me tocado.

"Como está Olivia?", questiono.

"Ela disse que tem quatro meses, mas duvido que sobreviva até o próximo mês".

A franqueza de Filippo era justificado. Olivia estava com enormes olheiras e a fraqueza dela mal a deixava sair da cama.

"Você jurou cuidar dela!"

"Eu farei."

Meu irmão era uma incógnita para mim. Na mesma medida que ele não se importou em me vender, também sabia que podia confiar em sua palavra sobre Olivia. Na verdade, sei que Filippo é apenas fruto da forma que foi criado. Ele viu como meu pai tratava mamãe e a mim. Ele acha que isso é o certo. Lembro-me de anos atrás, quando conheceu Caterina e viu a forma relaxada com que os irmãos lidavam com ela, permitindo uma liberdade que nunca haveria aos Romagna, e o custo disso o deixou espantado. Sei que Filippo não deseja o mesmo destino para mim.

Ele tem uma forma estranha de me amar.

Isso se confirma no que vem a seguir:

"Se ele machucar você, me conte. Eu o matarei".

Meu estômago revira diante da ameaça. Eu temo uma guerra, temo os custos de vidas humanas se um conflito entre os Carbone e os Romagra acontecer. Quando fui desprezada por Dominus ou Gianni, não me preocupei comigo, e sim com aqueles que podiam pagar pela afronta dos ítalo-americanos.

"Está tudo bem", respondi, e esperava que ele confiasse em minhas palavras.

Era um campo minado, nosso mundo. Qualquer passo em falso, vidas seriam perdidas. Se não fosse isso, não fosse o ceifeiro da morte estar à espreita o tempo todo, com certeza eu já teria encontrado uma maneira de sair disso.

Uma vez até tive a chance. Vi os guardas sendo relapsos, e pensei em simplesmente desaparecer. Mas, não o fiz porque sabia que isso custaria a vida desses homens.

De repente, o telefone vibra novamente. Não mensagem. Ligação. Eu fico espantada e atendo de imediato.

— Menina — é Olivia. — Menina, está bem?

Estou surpresa por Filippo ter dado meu número a ela.

— É claro. — Tento soar o mais natural possível.

— Ele foi bom para você na primeira noite?

Imagens de Ben se masturbando me tomam e eu sinto meu rosto aquecer.

— Sim — respondo, por fim.

— Se estiver com dor, pode fazer um banho de assento com sândalo. Há sândalo aí?

Fui eu mesma que ensinei isso a Olivia anos atrás, quando ela estava com dor urinária. Precisei sorrir diante do conselho, porque parecia tão gentil ela se lembrar do que a ensinei.

— Ainda não andei por essa região, não conheço as plantas. Mas, vou procurar.

Depois disso, ela me narrou um pouco mais sobre como foi sua última sessão de quimioterapia. Disse que o médico a aconselhou a parar e aproveitar seus últimos momentos, mas que Filippo recriminou o doutor e disse que enquanto há vida, há esperança.

Eu senti lágrimas nos olhos por meu irmão estar cumprindo a parte dele no nosso acordo.

Quando desligamos, senti um estranho conforto por receber as mensagens de Filippo e Oliva. Era como se eu não houvesse sido abandonada a própria sorte.


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