capítulo 6
— Se cuidem, muito obrigada por tudo. — Valentina falou, abraçando cada um de nós. Era surpreendente a sua mudança. — Espero que tudo dê certo em sua jornada.
— Você não quer vir conosco? Posso tentar protegê-los. — Otávio falou, a preocupação nítida em sua voz.
— Você sabe que só iríamos atrapalhar. Me sinto mais segura em casa com meu filho.
— Mas...
— Tudo bem, tio. — o menino falou, acalmando Otávio. — Nós iremos ficar bem, agora temos bastante comida.
— Se cuidem, por favor. — foi a única coisa que pude dizer ao passar por aquele portão.
Aurora deu tchau rindo enquanto partíamos, sua chupeta já estava de volta em sua boca para evitar qualquer som.
Ao olhar para frente, era possível ver o que restou do posto e dos zumbis. Uma cena de destruição, mas ao mesmo tempo, ver o caminho de terra aberto atrás daquele local dava um pouco de esperança.
— Vamos, temos que achar um bom local antes de escurecer. — Otávio falou.
— Parece que logo vai chover. — falei, observando as nuvens escuras no céu.
Enquanto passávamos por onde antes havia a enorme multidão de zumbis, sentia nojo daquele cheiro de carne queimada. Em alguns momentos, pisava em coisas que se partiam que jurava serem ossos, apressava meus passos a cada segundo.
Passar por cima dos restos de zumbis dava ânsia de vômito. Aurora olhava para todos os lados, estava elétrica aquela manhã, felizmente ali não havia riscos por perto.
A estrada de terra se estendia por mais de 5 km, ao redor só havia vegetação. Se Aurora estivesse no chão, sairia correndo, amava qualquer grama e plantas.
Ayla andava pulando em um pé só cantando uma canção, seu pai carregava seu escudo. A tranquilidade chegava a ser estranha.
— Pai! Olha aquilo! — ela falou após girar e apontar para trás.
Quando me virei para olhar, meus olhos duvidavam do que viam. Uma gangue de motoqueiros. Haviam barras de ferro pontudas nas laterais de suas motos. Todos vestiam preto e usavam capacetes, a cena era assustadora.
Automaticamente fiquei em alerta, um braço rodeava Aurora e outro segurava a arma que eu nem sabia atirar.
O homem que vinha na frente parou sua moto e logo todos pararam. Otávio se colocou na nossa frente, segurando seu fuzil, sua expressão era tão fria quanto a de um assassino.
O homem da moto retirou o capacete, me senti como naquelas fanfics de fim do mundo onde aparece o cara bonitão. Seus cabelos loiros, quase brancos, caíram até os ombros. Seus olhos eram de um cinza surreal.
Ao lado dele, uma mulher negra de beleza estonteante tirou o capacete. Logo atrás vinham outros homens e uma senhora. Eram em torno de 30 pessoas, contando com alguns que iam na garupa.
— Querem uma carona? — ele perguntou.
— Que neném lindo. — a mulher ao seu lado comentou, sorrindo e acenando para Aurora.
Fiquei sem reação, não conhecia aquelas pessoas, suas expressões eram sorridentes, como se não estivessem em meio ao fim do mundo.
— Não, obrigado. — Otávio falou sério, era nítida sua desconfiança.
— Fiquem tranquilos, nós não vamos fazer mal a vocês. Estamos indo embora do estado, se quiserem uma carona até algum lugar. — a mulher falou, era extremamente simpática.
Observei bem, suas motos estavam prontas para não serem atacados por zumbis, cada barra de ferro pontuda havia sido soldada de uma maneira impressionante. Eles tinham armas e mochilas, era notável que estavam preparados para tudo.
— Vamos para o abrigo. — Ayla falou. — Podem nos levar lá?
Otávio olhou com repreensão para a menina, não falei nada, mas uma ajuda seria tão bem-vinda. Me sentia como uma idiota que aceitava ajuda de quem poderia me matar, mas chegar à cidade a pé seria pior.
Quando a chuva começou a cair, ainda estávamos em silêncio, os sons de trovões assustaram Aurora, fazendo-a chorar. Fiquei nervosa, a situação só piorava.
— Com o som da chuva deve ser ainda mais fácil, vamos embora logo. — um dos homens falou.
— Aceitem nossa ajuda, deixamos vocês nesse lugar, já ouvimos falar de lá, mas não queremos ir para um abrigo. — a senhora falou com doçura, sua aparência e voz doce contradiziam seu estilo de motoqueira.
— O que você acha? — Otávio sussurrou para mim.
— Nessa chuva e com Aurora chorando, é nossa única opção. Chegaríamos lá rápido. — falei, hesitante.
Otávio suspirou e ergueu seu fuzil, apontando para as pessoas.
— Se algum de vocês tentar fazer algum mal a elas, eu vou torturar e fuzilar cada um. — Otávio ameaçou, mesmo com a voz sendo abafada pelo som da chuva, sua ameaça causava arrepios.
— Nos dê um voto de confiança. — o líder falou. — Me chamo Kenay, essa é Nara, Luci...
Não prestei atenção nos demais nomes, só me preocupava em cobrir Aurora da chuva.
— Suba aqui. — o homem falou, estendendo a mão para mim.
Com cuidado para não me machucar nas lanças de metal, subi com Aurora. Otávio e Ayla estavam na garupa da mulher negra, Nara, e da senhora, Luci.
Não demorou para que saíssemos em disparada, em meio à chuva, era um alívio ter um meio de transporte. Aurora ria, amava andar de moto ou carro.
— Sobreviver com um bebê não é para qualquer um, admiro isso. — Kenay falou.
Fiquei quieta, não sabia nem o que responder, sua moto era gigantesca, nunca havia andado em um modelo daqueles.
— Qual seu nome? — ele perguntou, após alguns minutos.
— Blair e minha filha se chama Aurora
.— respondi, gritando.
— Interessante. Prazer em te conhecer.
Não consegui impedir o pensamento de que estava em uma fanfic de apocalipse zumbi.
Chegamos na entrada da cidade, o cenário era devastador, coloquei a chupeta em Aurora e a pressionei com uma mão contra meu peito. Mesmo em meio à chuva, era possível ver vários corpos destroçados pelo chão. Inúmeros carros batidos contra casas, postes e muros.
Via alguns poucos zumbis parecerem desorientados pela chuva. O som dos trovões parecia deixá-los realmente confusos.
Chegávamos na rodovia principal, onde a imensidão de carros era tão grande que chegava a ser difícil passar. Kenay fez um sinal para os outros e foram seguindo em fileira por entre os carros, meu coração estava doendo, um mau pressentimento terrível.
As barras de ferro causavam sons estridentes quando arrancavam alguns carros.
O som de um grito e xingamento chegou aos meus ouvidos, olhei para trás somente a tempo de ver um zumbi correr por cima dos carros de uma forma desumana e pular em um dos motoqueiros.
Kenay freiou bruscamente, um zumbi pulava no teto dos carros em nossa direção, o terror tomou conta de mim. Ele corria como um animal, usando as mãos e os pés, parecia uma criatura sedenta de sangue. Estava paralisada enquanto o zumbi estava a poucos metros de pular em cima da gente, mesmo em meio à chuva, eu pude ver que seus olhos não eram brancos.
Peguei a arma, mirando enquanto o zumbi se preparava para saltar, os gritos atrás de nós me deixavam mais nervosa. Quando o zumbi saltou, eu apertei o gatilho, o sangue da criatura caiu sobre nós e seu corpo se chocou contra a frente da moto.
Queria dizer que foi meu tiro que matou o zumbi, mas longe disso, Otávio havia metralhado ele e os demais atiravam para todos os lados, sem parar.
— Acelerem! — Kenay gritou.
O homem acelerou a moto em uma velocidade surreal, escutava sons de passos sobre os carros atrás de nós e gritos das criaturas, mas, ao olhar para trás, via Otávio atirar incansavelmente.
Todos os outros que estavam nas garupas atiravam também.
O desespero me congelou. As mãos trêmulas já não conseguiam segurar a arma com firmeza. Um dos meus braços apertava Aurora contra mim, enquanto o outro se agarrava a qualquer coisa na moto para não ser lançada para fora. Kenay fazia desvios bruscos e violentos entre os carros, meu corpo chacoalhava freneticamente. A cada manobra, a sensação de que seríamos arremessadas ao asfalto aumentava. Um novo zumbi surgiu do nada, correndo em nossa direção como um animal enlouquecido. Ele saltou, e por um segundo que pareceu uma eternidade, o mundo se moveu em câmera lenta. A criatura passou raspando por nós, os dedos esqueléticos a centímetros do meu rosto. O desvio brusco de Kenay quase nos jogou da moto, mas conseguimos nos segurar. Otávio, que vinha logo atrás, não hesitou. Com uma rajada precisa, abateu o zumbi no momento em que ele aterrissou no chão.
A rodovia parecia se estender infinitamente diante de nós, um corredor claustrofóbico de metal e morte. A certeza da morte iminente me invadiu, paralisando meus pensamentos e ações. O medo realmente era paralisante.
Quando saímos da rodovia, nos deparamos com uma rua mais tranquila, Kenay entrou em um terreno que tinha o portão aberto.
— Fechem! — ele gritou quando a última moto entrou.
Desci da moto e ele em seguida, Aurora chorava, ouvia sons de gritos ao longe, a pressionava contra meu peito para diminuir o som. Eu chorava, aquilo havia sido aterrorizante, ainda me lembrava do olhar daquela criatura, nunca vi a morte tão de perto.
— Cadê o Ethan? — Kenay perguntou, olhando para todos.
Não houve respostas, todos somente abaixaram a cabeça. Era óbvio que foi ele que foi atacado e ficado para trás.
Kenay chorou, mas, diferente de mim, seu choro não era silencioso, os sons altos de seus soluços se misturavam com os sons de trovões.
— Vamos entrar. — Otávio falou, tocando em meu ombro, seu olhar era tão vazio.
Só existia uma cozinha, banheiro e uma área com brinquedos e churrasqueira. Aquele lugar era um espaço de festas.
Por sorte, uma das roupas de Aurora, na minha mochila, não havia molhado. Enquanto a alimentava, observava as outras pessoas.
Todos olhavam perdidamente para algum lugar, tristes e sem esperanças. Era nítido que haviam zumbis mutantes, uns que geravam mais perigo que qualquer um.
As coisas aconteciam tão rápido naquele caos, tudo mudava em segundos, encontrava pessoas, aconteciam acidentes, mortes, tudo tão rápido que se alguém me contasse uma história daquelas, eu não acreditaria.
— Obrigado. Seus tiros salvaram a todos. — Kenay falou, se aproximando de Otávio.
O mais velho somente fez um gesto com a cabeça, Ayla dormia em seu colo, estava tão assustada e chorosa antes de cair no sono.
A chuva só piorava, meu coração também chorava, eu tinha sorte até aquele momento. Mas sabia que, se uma hora estivesse em um beco sem saída sozinha com Aurora, estaria acabada. Doía ser tão realista.
Sentia minha barriga começar a crescer, ainda não era visível, mas logo seria e isso me assustava.
— Vamos embora quando a chuva passar, não tenho coragem de arriscar nossas vidas com aqueles zumbis lá fora. — Kenay avisou a todos.
Nem sabia quanto tempo havia passado até que acordei escutando o som das risadas de Aurora. Não lembrava que horas o cansaço havia me vencido, Aurora estava brincando com Kenay e Nara. O homem a jogava para o alto e ela ria abertamente.
Levantei e me aproximei, não demorou para Aurora me ver e abrir os braços para mim, pedindo colo.
— Um amor sua filha. — Nara falou, rindo.
— Obrigada.
Aurora abriu os braços, se jogando para Kenay, que sorria para ela. Nara se afastou quando a chamaram.
— Vocês estão mesmo indo para o abrigo? — ele perguntou, jogando Aurora para o alto novamente.
— Eu irei para Brasília depois disso, mas sozinha é difícil, não tenho pensado muito ultimamente em como fazer isso, só sobrevivendo. — respondi em um desabafo.
— Muita coragem tentar atravessar metade do Brasil com um bebê.
Mentalmente, só conseguia pensar "imagina se soubessem que estou grávida também", nesses momentos me sentia sem rumo.
— Vocês vão para onde? — perguntei, curiosa.
— Ainda não sabemos, vamos viver até quando der. Nara é minha irmã, única pessoa que me sobrou. — ele falou, olhando para o céu.
Era surpreendente eles serem irmãos, eram o oposto um do outro em tudo.
— Sei o que está pensando e sim, minha mãe pulou a cerca. — ele falou, rindo.
Aquele homem demonstrava uma leveza ao falar que me deixava impressionada.
— Vocês já haviam visto daquele tipo antes? — perguntei o que tanto perturbava minha mente.
— O quê? — ele perguntou, confuso.
— Zumbis que enxergam. — falei em um sussurro, era difícil acreditar ainda naquilo, mas eu tinha certeza de que seus olhos eram diferentes.
O homem ficou em silêncio alguns minutos, parecia pensativo.
— Não, mas já perdemos duas pessoas para zumbis que corriam muito mais que aqueles. Eram rápidos de uma maneira surreal. — ele respondeu, sem me olhar, seu olhar só se mantinha em Aurora. — Sobrevivemos pelo sacrifício deles.
— Mamãe. — Aurora falou, se jogando para meu colo.
— Será que tem muitos desses mais fortes? — perguntei, mais para mim mesma.
— Talvez tudo tenha começado com eles, não acredito que tudo começou do nada. — ele murmurou. — Mas vamos ao que interessa, e o seu marido?
O encarei, surpresa pela pergunta súbita.
— Se a vida for justa, já virou janta de zumbi. — falei com deboche.
— Então quer dizer que tenho uma chance? — ele falou, piscando.
Fiquei sem fala com a ousadia dele falar aquilo em um momento daquele, era óbvio que era o tipo de cara que conquistaria qualquer uma.
— Você está vermelha. — ele falou, rindo. — Só uma brincadeira para descontrair, mas se você quiser, eu quero, sempre quis ser padrasto.
Dizendo isso, ele saiu andando e rindo até seu grupo, me deixando de boca aberta.
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