Parte II


Duas semanas depois, a ONG Plantando Sementes se preparava para a tão aguardada festa de Natal. Passamos a manhã enfeitando cada cantinho do espaço com enfeites verdes e vermelhos, cartazes natalinos feitos pelas próprias crianças e uma árvore rodeada de bolinhas e pisca-pisca brilhante. Ao olhar para o resultado daquelas semanas incansáveis de divulgação, e ao imaginar o sorriso de cada criança beneficiada, sentia que tudo valia a pena.

Pouco a pouco o lugar era ocupado até sobrar pouco espaço para os que ainda chegavam. A fila dos presentes estava quilométrica, chegando ao outro lado da esquina, e o barulho e algazarra de crianças era a melodia do lugar, sobrepondo-se às canções natalinas. No pátio, um chuveirão fora montado para o alívio do calor, cuja sensação térmica certamente ultrapassava os 40°.

— Quem quer cachorro quente!? — Anunciei, me preparando para a multidão infantil que erguia a mão para mim. Aquela altura, eu já estava suada, descabelada e suja com diferentes tipos de alimentos acidentalmente derramados em mim por mãozinhas pequenas. Mesmo assim, estava radiante.

Até olhar para o lado de fora e notar entre o vai e vem de pessoas, uma figura que poderia facilmente ultrapassar os 1,85cm de altura. A geladeira humana parada em frente à porta olhava em minha direção, e se não fosse a raiva que eu sentia naquele momento, teria percebido antes que uma figura acanhada o acompanhava. A menina de cabelos claros olhava para o lado, ressabiada, certamente desacostumada com aquele tipo de evento. Entregando a bandeja quase vazia para outro colaborador, segui na direção deles quase cuspindo fogo.

— Como você soube que hoje era o dia da festa?

Aparentemente mal-humorada, encarei os seus olhos azuis, me achando idiota por ter confiado tantas reações a ele. Desde aquele dia, lido com o silêncio do seu pensamento julgador. E depois de muito pensar sobre o assunto, tinha certeza que ele achava tolice o que eu tinha feito, coisa que certamente ele não faria com os irmãos. Mas também, do que ele poderia abrir mão que não pudesse recuperar depois? Um carro importado? Uma cobertura em Copacabana? Yuri era tudo o que eu tinha, e diferente dele, eu não esbanjava opções para lhe dar um futuro melhor.

Parecendo perceber o meu tom hostil, Loid erguia uma sobrancelha, ato que me deixava mais irritada.

— E como eu não poderia saber? A Renata me disse.

Traidora.” Quis dizer. Mas, conhecendo a mulher, sabia que ela não se importava muito com a índole das pessoas. Enquanto eu maquinava sobre os motivos que ainda o traziam até aqui, fui surpreendida com doces olhos esverdeados, que me observavam com um pouco de cautela.

— Oi, mocinha! Como você está? — Decidida a ignorar o pai da garota, e focar somente na garota, curvei o meu corpo, sorrindo de forma acolhedora. Em resposta, a pequena Anya se encolhia, agarrando as pernas do pai com as mãozinhas curtas.

— Essa é a Yor, Anya. — Acariciando os cabelos da menina, que daquele ângulo pareciam da cor de algodão doce, Loid incentivava-a se aproximar. — Eu não te disse que ela era boa com crianças?

Espera. Ele falou de mim para a filha dele? Intrigada com aquele enigma que era Loid Forger, arrisquei uma aproximação, tocando-a levemente na bochecha.

— Eu estava muito ansiosa para te conhecer. E não só eu. — Oferecendo a mão, esperei que a pequena garota aceitasse, no início, com um pouco de resistência. Como se esperasse uma confirmação, Anya encarava o pai, que acenava positivamente. Menos receosa que antes, a garota de olhos esmeralda aceitava o meu convite. — Você gosta de brincar?

Balançando a cabeça em afirmação, Anya trocava o olhar de cautela pelo de curiosidade, observando as brincadeiras enquanto eu a apresentava para as outras crianças. Puxando o meu short, a garota apontava para Loid, mais exatamente para o que ele carregava.

— Presentes.. Papai trouxe. 

Soltando a minha mão, Anya corria até o pai, pegando a sacola que parecia mais pesada que ela. Auxiliando-a, levei para a grande mesa que ficava ao lado da cadeira do Papai Noel, misturando o conteúdo da sacola aos outros brinquedos.

— Você foi uma boa garota, Anya.. As crianças vão ficar muito felizes com os presentes.

Feliz com o elogio, a garota sorria enquanto me ajudava a tirar os brinquedos da sacola.

— Sabia que fui eu que ajudei o papai a escolher na loja? E depois eu juntei os brinquedos que não usava mais.. Aí tem a Pipa, a Molly, o Popó..

Enquanto Anya listava o nome de todos os brinquedos, olhava para os brinquedos doados, alguns na caixa e outros que haviam sido dela quando pequena. Abri um sorriso ao pensar no quanto as crianças ficariam felizes ao ganhar brinquedos que por vezes, só tinham a oportunidade de ver na vitrine da loja. Ao olhar para Loid, pensei na dualidade em um homem que se dispunha a usar o que tem em favor da doação e na outra face, aquela que achava que todo mundo tinha um estilo de vida e escolhas iguais às dele.

— A Anya realmente parece estar se divertindo. — Surgindo atrás de mim, Loid me arrancava um sobressalto ao ter me tirado do momento em que acompanhava a distribuição dos presentes. Compartilhando o mesmo olhar que o meu, o homem sorria, vendo a filha dele no meio de toda aquela animação.

— As crianças daqui são muito receptivas.

— Não só as crianças. — Ele sugeriu, com um tom divertido na voz. Ainda assim, não o encarei. — Mas parece que você não está muito bem hoje.

Surpreendida com o cinismo, dessa vez eu me virei, com os braços cruzados.

— Ah é? E você sabe qual é o motivo?

— Não sei. — Admitiu ele, encarando os meus olhos. Não queria ter que lidar com a intensidade deles. — Mas eu acho que.. Olhando para todas essas crianças, você sinta saudades do seu irmão.

Meu irmão. Não queria que ele fosse mencionado justamente pelo homem que não entendia a nossa relação. Decidida a me afastar, arrisquei um passo, parando na metade de outro assim que o toque da mão masculina em meu braço me impedia de prosseguir.

— O que você quer? — Ralhei, impaciente demais para joguinhos. Se ele queria mesmo fazer um experimento social, pagar de bonzinho, eu não faria parte daquilo. Havia aceitado as doações pelas crianças, sabendo das dificuldades. Mas eu não queria ser aquilo que aquele homem estava tentando me transformar. O produto do seu bem social.

— Tenho algo pra falar com você. — Ignorando o meu tom irritado, Loid mantinha a mão fixa em meu braço, não impondo força. Os dedos frouxos ao redor do meu braço indicavam que eu podia ir, se quisesse, mas que ele gostaria que eu o escutasse. Mesmo à revelia, foi o que fiz. — Algo que eu me segurei muito para não contar antes.

Desvencilhando-me, voltei a encará-lo, indicando que estava disposta a ouvir o que ele tinha a dizer.

— Quando eu disse que tinha uma reunião, naquele encontro, eu menti. — Erguendo um dedo quando arqueei a sobrancelha de forma irônica, ele prosseguiu. — Por que eu não queria te dar falsas esperanças.-

— Eu já ouvi o suficiente.

— Espera. — Novamente me impedindo, Loid se colocava a minha frente, olhando-me com súplica. Desviando o rosto para o lado, impedi que ele visse o meu rosto avermelhado. — Mas eu estava decidido a fazer tudo que estivesse ao meu alcance. Nós não estávamos com vagas disponíveis para contratar ninguém, mesmo assim eu tentei e tentei até que eles não tivessem como negar.

— Espera, do que você está falando?

— Eu disse que não podíamos perder alguém tão incrível e talentosa como você. Até mesmo arrisquei o meu cargo caso a escolha nos levasse para a ruína. Mas, em hipótese nenhuma, eu podia deixar que outra pessoa tomasse você de mim.

— Espera espera espera.. — Arrisquei dois passos pra trás, confusa e incrédula demais para assimilar o que estava acontecendo. Do que ele estava falando e por que eu me sentia tão tonta? Será que com todo o barulho, eu estava entendendo o que ele realmente queria dizer? — Eu não estou entendendo, porque.. Por que está me dizendo essas coisas?

— Eu estou dizendo que você é a mais nova estagiária da Forger’s & Co. Yor Briar, você está oficialmente contratada. — Ele coçava a nuca, parecendo não conseguir conter a animação. Eu por outro lado, parecia recém-saída de um filme de terror. — É o que eu gostaria de dizer mas.. Ainda tem toda a burocracia da papelada.

Minha mente estava elétrica. Assim como todos os poros do meu corpo. Assim como o chão que eu pisava. Assim como tudo. Parecia que alguém tinha me ligado em potência máxima, depois de anos desligada. Atônita com a enxurrada de informações que sobrecarregava o cérebro, finalmente consegui dizer alguma coisa.

— Mas.. Mas.. Não tem como. — Gaguejei, atropelando as palavras. — Eu não estou com a matrícula ativa na faculdade.

— Sabe, hoje em dia com a internet dá para saber muitas coisas.. — Me ignorando completamente, Loid continuava. — Eu entrei em contato com o coordenador do seu curso. Depois de muito negociar, ele concordou que eu fosse o seu fiador.

Espera.. O que? Quando foi isso?

— E sobre o horário, não precisa se preocupar. Você não se prejudicará na faculdade por causa do estágio.

Isso era ótimo, louco e assustador ao mesmo tempo. À minha frente, estava o homem que tornaria todos os meus desejos, aqueles que havia enfiado em uma lata de lixo trancafiada a anos atrás, em realidade. Eu deveria estar pulando em euforia com a notícia, mas aquilo não parecia certo.

— Eu.. não posso aceitar.

Como um balde de água fria, Loid arqueou uma sobrancelha. Antes que ele retrucasse, tomei a palavra, em um crescente de mágoa.

— Você acha que é tão simples assim? Ter alguns contatos e pronto? Você não pode mudar a minha vida dessa forma.

— Eu não..-

— Me deixe falar. — Cortei-o, ríspida. — Eu não preciso que sinta pena de mim ou que ainda se sinta em dívida por eu tê-lo salvado do atropelamento. Eu não posso ser moldada por dinheiro, Loid. Também não preciso que me mostre ser alguém que não é.

— Yor, eu..- 

— Se você quiser ajudar a ONG, seremos muito gratos. Estamos sempre precisando de doações, qualquer ajuda é bem vinda. Mas, se você tiver outras intenções, eu peço que por favor não nos procure mais. Há outras formas de ajudar sem que a sua presença seja requisitada.

Sem lhe dar espaço para réplica, me afastei às pressas e dessa vez ele não me impediu. Afastada o suficiente, respirei fundo, incapaz de conter as lágrimas. Aquele homem havia sido o mais baixo que conheci, e olha que eu tinha uma lista deles. Ser capaz de brincar com os meus desejos, me fazia ter vontade de nunca mais vê-lo, e era o que eu faria.

Naquele momento, Anya corria até mim, molhada da cabeça aos pés. A garota exibia um sorriso contagiante no rosto, com os pés descalços e os cabelos grudados no rosto, segurando uma flor com ambas as mãos.

— É pra mim? — Sorri, limpando o rosto com a palma da mão. — Obrigada, meu amor, eu amei.

— Você estava chorando?

Quis negar, mas entendia que crianças eram muito inteligentes, e de nada adiantava negar. Colocando a flor como um enfeite em meu cabelo, assenti, tranquilizando-a.

— Estava. Mas não é de tristeza não.

— Ah.. — A garota inflava as bochechas, pensativa. — Eu não gosto que as pessoas chorem. Às vezes, o papai chora. Ele também fala que é por que ele tá muito feliz, mas eu acho que os adultos são mentirosos.

Ela cruzava os braços curtos, em uma birra infantil engraçada e fofa. Enquanto ela saía do meu campo de visão, correndo de volta para o chuveirão onde uma guerra de água acontecia, passei a pensar em suas palavras. Ao relembrar a frase “às vezes, o papai chora.”, olhei para Loid, que olhava de volta para mim com olhos baixos, e que diziam tanto mesmo que eu não quisesse ler. Desacreditada, passei a ignorá-lo daquele momento em diante, certa que o que quer que estivesse acontecendo entre nós dois, era restrita à ficção.


Uma semana depois, a loja estava caótica. Com a aproximação do Natal, aumentava o número de pessoas que disputavam por árvores de Natal, bolinhas e panos de prato decorados com renas. Constantemente movendo um produto de uma seção para outra - por que as pessoas não colocam as coisas que pegam no exato lugar em que estavam? -, agradeci aos céus assim que o horário de almoço chegou e com ele, um pouco de ar fresco.

Yor? — Me dividindo entre colocar um pedaço de bife no prato e atender o telefone, respondi com um murmúrio. — Tem um homem todo charmoso aqui te procurando. É dívida?

Terminando de colocar a salada, passei o telefone de uma mão para outra. O barulho local estava cortando as palavras de Scheila, uma das minhas colegas de trabalho. Mesmo assim, consegui compreender parte do que ela dizia.

— Diz que eu não vou voltar pro trabalho hoje. Inventa alguma coisa, uma dor de cabeça.

E você não vai me dizer quem é..?

— Pelo telefone não. — Insisti. — Por favor, quebra essa.

Hm, tá. Vai ficar me devendo essa.

Essa não foi a última tentativa. Dois dias depois, enquanto eu tirava a poeira de um papai noel jogado atrás do caixa, ouvi o barulho do telefone, sendo encarada na hora pelo Antônio. Para não perder o meu emprego, desliguei o som.

— Sabia. É dívida.

Balançando a cabeça em negação, tentei fugir de Scheila. Mas no espaço apertado da loja, não tinha muito pra onde fugir.

— Não é dívida. — Respondi, fazendo careta.

— Então o que é? Se um homem daqueles aparecesse me procurando, eu teria certeza que era algum advogado me cobrando o pagamento do ar-condicionado que eu comprei a 5 anos atrás.

— Você não pagou o ar-condicionado? 

— Eu não. — Dando de ombros, a mulher de cabelo cacheado prosseguia. — Vou tirar dinheiro de onde? Ai, não muda de assunto. O que aquele homem queria com você? Sinto cheiro de granfino de longe, e aquele ali com certeza é dos grandes.

Incapaz de fugir da curiosidade da mulher, contei tudo, uma parte porque precisava desabafar com alguém. Por sempre recusar convites, principalmente na época em que fazia horas extras para cobrir os gastos dos cursos de Yuri, meu círculo de amizades não era tão extenso. E se desabafasse com Renata, receberia um desinteressado “É, complicado.” Então não me sobravam muitas opções.

— Você é louca? — Depois de ter contado até os mínimos detalhes, Scheila me olhava do mesmo jeito que olhava para o pano de prato do papai Noel. Segundo ela, os olhos do boneco estavam tortos e a boca aberta em um ângulo estranho. — Me diz que você não agiu da maneira que me contou.

— Agi. — Confirmei, ainda não entendendo onde ela queria chegar.

— Ok, você é a pessoa mais.. Desperdiçadora de oportunidades que eu conheço. — Juntando as mãos para manter a calma, a mulher continuava, se contendo para não dizer coisa pior. — Yor, é como se você tivesse ganhado na loteria, mas jogado o comprovante fora.

Fiz uma careta, achando a comparação desproporcional. Eu não era o tipo de pessoa que achava que ter um homem rico interessado em mim era uma coisa boa. E, se tratando de Loid, nem dava pra saber se estávamos falando de um caso assim. Ele nunca disse nada que indicasse um interesse em mim, pelo menos.

— É só um trabalho. E eu não voltei para a faculdade até agora porque não quero.

“E por quê mal consigo pagar o aluguel.” Pensei.

— Sei. — Me fuzilando com o olhar, Scheila sabia que não era bem assim. Suspirando, ela acabava decidindo que não valia a pena continuar. — Bom, eu acho que você está perdendo uma grande oportunidade. O cara é gato, gosta de você, e quer te ver bem. Mas, como é você que decide o rumo da sua vida..

No fim do expediente, eu ainda pensava nas palavras de Scheila, e nas semanas que se passaram. Ao pegar o celular, vi nas notificações que Loid havia me ligado mais duas vezes. Balançando a cabeça em negação, coloquei o celular de volta na bolsa, andando em passos rápidos.

Nos dias que antecediam o Natal, trabalhei e trabalhei até que as pernas doessem. Loid não havia me ligado mais e felizmente, não me procurava no meu trabalho e nem na ONG. Às vezes, eu achava que ele era uma parte da minha imaginação, com todas as tentativas de aproximação sendo moldadas pela minha mente traiçoeira e solitária. Na antevéspera de Natal, meu último dia de trabalho antes do recesso merecido, parei em uma lojinha depois de ver um vestido lindo na vitrine, todo enfeitado com estampa floral. Só naquele momento eu havia me lembrado que deveria comprar algo para vestir.

Na véspera, estava decidida a ficar em casa. Yuri estava longe demais para me fazer companhia, e a lembrança de outros Natais com ele me deixava saudosa. Minhas colegas de trabalho tinham suas próprias famílias, e eu não era tão bem vinda na casa de parentes. Havia uma ceia comunitária na pracinha do bairro, se eu não estivesse com muita preguiça, talvez até passasse por lá.

Com o barulho da televisão, demorei a identificar uma comoção que ocorria do lado de fora. À primeira vista, ignorei pensando ser as brigas cotidianas entre os vizinhos, mas parecia ser mais que isso. Alguém estava chamando por uma pessoa, e à medida que o som se tornava mais próximo, descobri que essa pessoa era eu. Me levantando do sofá com um pulo, alisei os cabelos com os dedos e girei a tranca da porta, abrindo-a.

Loid Forger estava com um buquê de flores na mão e o rosto abatido pelo cansaço. Ainda assim, parecia um príncipe quando parou em frente à minha porta. Atônita, olhei para os vizinhos, que espiavam com expectativa. Me negando a ser o próximo assunto do bairro, o puxei para dentro.

— Você mora longe. Confesso que me perdi entre um ônibus e outro.

— Você veio de ônibus? — Incrédula, arqueei uma sobrancelha. Tão incrédula que nem o convidei para sentar. — Na verdade.. Como você sabia que eu morava aqui?

— Como você queria que eu viesse? — Parecendo casual, Loid abria um sorriso de canto ao me olhar de cima a baixo, parecendo muito aliviado em me ver. Respondendo a próxima pergunta, seus olhos estavam fixos no meu vestido vermelho, a intensidade deles me ruborizando lentamente. — A sua amiga, a.. Scheila, acho que era esse o nome dela, né? Ela me disse que você morava no Engenho de Dentro, só não sabia a rua nem o número.

— Espera. Você ficou andando por aí atrás de mim? — Cruzei os braços, incapaz de acreditar. O que aquele homem que naquele momento deveria estar guiando chefs franceses e recepcionando centenas de convidados estava fazendo no meu bairro, procurando por mim?

— Hm, digamos que sim. Encontrar você foi um pouco complicado.

Eu estava tão atônita, que nem lembrei de sentir raiva de Scheila por ter revelado o meu endereço - ou parte dele -. Ficando em silêncio por minutos, Loid tomou a palavra, parecendo nervoso e extremamente cauteloso com as palavras.

— Eu acho que te devo um pedido de desculpas. — Começou ele, enfiando a mão livre nos bolsos. — Não deveria ter agido de maneira tão arbitrária em um assunto que só dizia respeito a você. E também não deveria, de alguma forma, ter invadido o seu espaço.

Como eu continuava em silêncio, Loid prosseguia, incapaz de ouvir as batidas frenéticas do meu coração.

— Quando a Annelise morreu, eu achei que nunca mais sentiria o que senti por ela por mulher nenhuma. Achei que o meu coração estivesse fechado para qualquer sentimento romântico que eu pudesse ter depois da morte dela, mas.. Eu estava errado. — Pigarreando, ele continuou. — Quando você me salvou daquele atropelamento, eu não consegui entender por que não consegui tirar os olhos daquela elfa. Eu tinha que falar com você de alguma forma, tentar entender por quê havia me cativado tanto. E quando eu soube que você fazia parte da ONG, pensei que poderia te conhecer melhor e finalmente entender aquele sentimento que estava adormecido em mim. Na minha primeira visita, eu fiquei encantado pela energia do lugar e por você. Eu não conseguia entender como alguém poderia espalhar tanta alegria por onde passava. E desde então, não consegui ficar longe dela.

Limpando a garganta, Loid abaixava o tom de voz a cada palavra que era proferida, como se apesar de estarmos sozinhos, ele quisesse confiar o que sentia só para mim.

— Mas você sempre me repelia. E mesmo assim, eu não conseguia ficar longe. Quando você me contou a sua história, eu fiquei mais maravilhado com o quão incrível você é. O que você fez pelo seu irmão, Yor, só mostra a mulher admirável que você é. Eu observei cada expressão sua, cada desejo implícito escondido naquela armadura que você carrega consigo. Fiquei me perguntando quando você poderia admitir os seus desejos, e quando aceitaria que está tudo bem ter suas próprias vontades. Eu sei muito pouco sobre o que você passou. Não sei que tipo de feridas tem, e eu adoraria saber para curarmos juntos. Eu quero que saiba que.. independente de qualquer coisa, você pode pensar em si mesma. — Limpando as lágrimas que até então eu não sabia estarem escorrendo livremente pelo meu rosto, Loid prosseguia, com todas as palavras semelhantes a carícias no meu coração. — Eu nunca, jamais te oferecia um emprego por pena. Não sei que tipo de cara você acha que eu sou, mas eu quero que acredite nisso. Você é incrível, Yor. Em tudo que se propõe a fazer.

Loid segurava o meu rosto delicadamente, erguendo o meu queixo com a ponta dos dedos após ter deixado as flores em uma mesinha próxima. De repente, todos os anos em que disse para mim mesma que estava tudo bem, mesmo não estando, caíam como cascata pelos meus olhos.

— Eu estou cansada. Muito cansada. — Admiti. — Cansada de ser forte. Cansada de não ter ninguém para desabafar. Eu não.. podia dizer o quanto eu estava cansada para o Yuri, por quê ele precisava acreditar que tinha uma irmã forte que sempre o protegeria.. Por isso.. Eu aprendi a não sentir nada, a achar que nada me abalava. Passei a desconfiar de tudo e de todos. E me fechei nesse casulo sufocante, acreditando que isso era o melhor pra mim.

— Então divida comigo. Tudo o que quiser.

Fugindo momentaneamente das carícias, limpei o rosto com a palma das mãos, balançando a cabeça em negação.

— Não.. a gente.. nem se conhece.. — Com as palavras mais claras na minha cabeça, percebi o quanto aquilo era insano. — Não tem como você chegar aqui.. E me dizer essas coisas..

— Você é durona mesmo. — Sorrindo, Loid cessava a distância entre nós dois novamente. Assim, daquela forma, com nossos lábios tão próximos, eu podia notar o quanto estava escondendo meus sentimentos por ele. — E é isso que eu mais gosto em você.

~ Um ano depois ~

— Mamãe, o tio Yuri ainda vai demorar? Ele disse que ia me trazer um presente.

Cruzando os braços, Anya inflava as bochechas, naquela sua típica expressão empurrava. Enquanto eu assentia, ficava me lembrando do último ano e o quão fácil foi para a Anya me aceitar. Depois daquele momento digno de filme, Loid e eu começamos a nos conhecer. Dois meses depois, começamos a namorar. E nos dois meses seguintes, me mudei para a sua casa. Ok, tudo havia acontecido muito rápido. Às vezes, temia acordar e ver que tudo aquilo era um sonho, mas felizmente contrariando a minha expectativa, todos os dias eu acordava com os beijos e cócegas de uma criaturinha que era tudo pra mim. Ao lado dela, Loid acariciava os meus cabelos, me fazendo ser agraciada pela visão das duas preciosidades da minha vida. Em toda a minha vida, nunca pensei que pudesse sentir uma felicidade como aquela.

No trabalho, eu estava começando a produzir as primeiras peças para a nova coleção da Forger’s & Co. No ano seguinte, terminaria a graduação. Era o máximo trabalhar com o que eu sempre quis, e às vezes escapar para a sala de Loid, onde nos beijávamos apaixonadamente e sem intenção de parar. E na ONG, continuávamos mais ativos que nunca. Em um lugar maior, podíamos ajudar mais crianças, e fora dali, a organização abraçava famílias de outras regiões do Rio e até mesmo de outros estados.

De pé, no início do corredor, observava Loid e Anya, ocupados com a montagem de um carrinho. Por alguns segundos, lembrei-me de fazer o mesmo com Yuri, anos atrás. Meu irmão sorria e se concentrava na montagem de cada pecinha, enquanto eu o olhava e me sentia muito sortuda por tê-lo.

— Mamãe, o que você está olhando? Vem ajudar a montar também! — Piscando os olhos, voltava a presenciar a cena que estava vendo, dessa vez com ambos os rostos voltados para mim. Loid me olhava de um modo amoroso, o mesmo que ele me dirigia todos os dias. Caminhando até eles, não tinha dúvidas de que também era muito sortuda por tê-los.

Nos portas retratos, imagens de uma nova vida. Anya, Loid e eu no seu aniversário de 6 anos. Ao lado, uma foto de Anya com Bond, o cachorro que agora nos rodeava, parando ao meu lado. Enquanto eu o acariciava, deixei que uma lágrima silenciosa escorresse pelo meu rosto.

— Yor, o que foi? Tá tudo bem?

— Mamãe, você está chorando?

Tranquilizando os dois rostos preocupados que me encaravam, assenti, abrindo um sorriso em meio às lágrimas.

— Estou sim. Mas dessa vez, é de felicidade. — Sorrindo boba, continuei. — Vocês dois são as melhores coisas que a vida podia me dar.

— E eu, não entro nessa lista? — Emburrado, Yuri colocava a mão na frente dos meus olhos. Ao ouvir a voz do meu irmão, não contive o ímpeto de pular nele, o abraçando.

— E o Bond também! — Se enfiando no meio do abraço, Anya erguia os braços para Yuri, que a pegava no colo.

— Claro que sim. Todos vocês.


— Então quer dizer que eu sou a melhor coisa da sua vida? 

Na cozinha, enquanto preparavámos os pratos para a Ceia de Natal, Loid colocava um pedaço de morango entre os meus lábios. Fazendo uma careta pelo azedinho da fruta, respondi criando um biquinho.

— Você sabe que é.

— Ah, é que eu gosto de ouvir sempre.

Abri um sorriso de lado ao sentir os braços de Loid me envolverem. Atrás de mim, ele inalava o meu cheiro, colocando o meu cabelo para o lado para depositar beijos na lateral do meu pescoço.

Era difícil não pensar em como começamos. E como eu, tão desacreditada que algum dia alguém me enxergaria como Loid me enxergou, quase o perdi. Mas agora, estávamos juntos, felizes, compartilhando todo o amor que sentíamos um pelo outro.

— Então eu não vou me cansar de dizer o quanto você é especial para mim. Eu te amo, Loid Forger.

Me virei, observando seus olhos se arregalarem com as minhas palavras. Loid parecia surpreso e fascinado com o que eu havia dito, como se as palavras tivessem um gosto diferente, saídas da minha boca. Colocando um morango nos lábios dele, o enchi de selinhos com sabor da fruta.

— Eu te amo, Yor Briar, minha elfa salvadora e futura senhora Forger. — Me apertando, Loid levava os lábios ao meu pescoço, marcando-o de vermelho. Em seguida, captando a minha risada com a lembrança de nossa primeira interação, ele colava os lábios aos meus, iniciando um beijo lento. Explorando a minha boca, Loid nunca me cansaria com aqueles beijos saídos de novela, enquanto alisava o meu rosto e meus cabelos, envolvendo-o em carícias. Pondo a mão em seu rosto, beijei-o com todo o sentimento que aprendi a nutrir, florescendo em meu peito e transbordando na união dos nossos lábios. Eu o amava.

— Eca, a mamãe e o papai estão namorando! — Tampando os olhos com as mãos, Anya surgia na porta da cozinha, muito fofinha com o seu vestido de laços vermelhos e os cabelos penteados em duas tranças. Nos separando, abri os braços para receber a pequena garota que pulava em nosso colo, nos envolvendo em um abraço caloroso. Retribuindo, fechei os olhos, respirando o ar de felicidade que sentia ao estar ao lado da minha filha, e do meu futuro marido.

.
.
.

O que dizer dessa história?? Eu to derretida com toda a fofura!
Confesso que estava quase entrando na história pra fazer a Yor enxergar que aquele homem era o amor da vida dela, mas o bom é que deu tudo certo no final!
Eu adorei fazer essa fic que narra o nascimento de uma família, e não tem nada mais simbólico que o tema, né? Eu espero que essa fic natalina tenha ajudado vcs a entrarem no clima natalino, e que a gente sempre lembre qual é o verdadeiro significado dele. No mais, até qualquer hora, um xêro! <3

Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top