Prólogo


Looking at it now
It all seems so simple
We were lying on your couch
I remember

Novembro, 1989

Por alguns segundos, a única coisa que se ouvia era o som das batatas cozinhando no fogão. Segundos ansiosos, apreensivos, despreocupados e esperançosos. Eu discretamente cruzava meus dedos embaixo de mim, torcendo para que, dessa vez, fosse a nossa música. Segurava minha respiração, mordia o canto do lábio. Só tinha ouvido aquela melodia algumas poucas vezes até então, mas sabia que a reconheceria assim que escutasse de novo.

Quando os primeiros acordes da guitarra finalmente começaram a tocar, nosso silêncio foi substituído por suspiros.

"Não foi dessa vez," Leanne disse o que todos estávamos pensando.

"Vai ser da próxima," respondi, meus olhos presos no teto. "Mas grava essa também," completei. "Parece legal."

"Tá bom-" Thomas ia dizendo, quando sua irmã o interrompeu.

"Não! Essa já está gravada," uma olhada na direção da mesa de centro e eu vi Leanne segurando a mão dele antes de alcançar o botão do rádio. "E é a primeira música. O locutor vai falar em cima dela, vocês vão ver."

"Eles falam em cima de todas," reclamei, voltando meus olhos para o teto e logo os descendo para o papel de parede florido característico dali.

Lembro de odiá-lo na primeira vez que o vi, mas agora já significava mais do que o péssimo gosto da mãe dos meus melhores amigos. Toda vez que olhava para ele, sentia que podia ser eu mesma. Era livre ali dentro, livre para colocar meus pés para cima do encosto do sofá como fazia agora, deixar meus cabelos loiros quase tocarem o chão. Livre para roubar a jaqueta jeans de Leanne e usar todas as suas pulseiras de uma só vez.

Nada contra minha própria casa, mas eu simplesmente adorava ficar na deles. Até mesmo o cheiro do tubérculo favorito da tia Mary e o borbulhar da água eram reconfortantes.

"Tem que tocar até às cinco," Leanne comentou, provavelmente recortando figuras de uma das suas revistas, se eu ouvia direito. "O filme é às seis. Olha essa, Bridge."

Me entortei para ver a foto de uma modelo que ela me indicava, seus dedos enroscados em uma tesoura.

"Que marca é?"

"Donna Karan," respondeu. "Não é maravilhoso?" Ela girou a foto de volta para si mesma. "Marque minhas palavras, um dia ainda serei a editora chefe dessa revista e ditarei aos estilistas o que eles deveriam criar!"

"Não acho que é assim que funciona," falei, rindo.

"É assim que vai ser quando eu chegar lá," me garantiu.

Os olhos de Thomas só levantaram do seu gibi por alguns segundos e, quando encontraram os meus, voltaram a mirar o que estava lendo. Eu queria que ele dividisse comigo a graça de como sua irmã sempre acreditava que dominaria o mundo algum dia. E, se a conhecia bem, não duvidaria muito.

"O que vocês vão ver?" Ele perguntou, como quem não queria nada.

"De Volta para o Futuro dois," Lea respondeu.

"Posso ir junto?" Ele pediu, agora parecendo esconder ainda mais seu rosto.

"Claro!" Respondi, na mesma hora em que Leanne falou: "Não."

Ela me olhou feio. "Bridget, é nossa única noite de cinema esse mês!" Reclamou, como se ele não estivesse logo ali, a escutando.

"E o Thomas merece ir com a gente!" Rebati. "Vai, só hoje."

"Eu não quero ter que ser babá!" Ela cruzou os braços.

"Eu tenho quatorze anos, não preciso de babá," ele retrucou, apesar de seu rosto cheio de sardas só o fazer parecer ainda mais novo.

"E eu gosto da companhia dele," falei, o ajudando.

Seu corpo magro e comprido pareceu se encolher ainda mais atrás da mesa de centro. Ele mirou seu colo, provavelmente tentando ainda absorver o que eu tinha falado dele.

Não era segredo que ele gostava de mim. Era bem por isso que Leanne não gostava de deixá-lo ir conosco a lugar algum. Segundo ela, não queria ter que aguentar seu irmão mais novo impressionado com qualquer coisa que eu fazia e juntando coisas para contar aos seus pais sobre ela.

Mas eu gostava mesmo da companhia dele. Não só por vaidade, não só para contrabalancear as vezes em que eu me olhava no espelho e começava a acreditar de verdade em tudo que Max Warner dizia de mim todos os dias. Mas porque eu queria que ele visse que, mesmo sem sentir o mesmo, ainda me importava com ele.

Eu sabia exatamente o que era me apaixonar por alguém que não me via, não queria que ele se sentisse invisível por minha causa.

Além do mais, a implicância de Lea era infundada. Ele realmente era legal!

Ela acabou bufando, irritada, mas se dando por vencida. "Tá!"

Ele sorriu, apesar de se esconder de novo atrás do gibi.

Nem um segundo depois, e a música que tocava acabou. Todos nós paramos o que fazíamos e olhamos para o rádio, juntando outra vez nossas forças para que escolhessem logo a nossa música.

Mas, como das últimas oito vezes, era uma qualquer. E, logo depois, o telefone tocou também, quase a encobrindo.

"Mãe!" Leanne gritou. "Telefone!"

Tia Mary, que nunca foi parente minha, mas era mais carinhosa que as de verdade, berrou de volta: "Atende você! Eu estou ocupada!"

A cozinha não era longe, separada por nós por portas duplas de vidro abertas, e não havia a menor necessidade de gritar.

Leanne bufou de novo, se levantando do chão e deixando suas revistas espalhadas pela mesa de centro. O telefone ficava em uma mesinha perto da entrada, logo ao lado de uma poltrona mais velha que o papel de parede. Eu até me sentei no sofá, esperando ver se ela realmente obedeceria sua mãe e atenderia.

Mas não. Claro que não.

Ela pegou o telefone por trás com uma mão, segurou o fio com a outra e o arrastou até a porta da cozinha, tirando-o do gancho quando chegou lá.

"Leanne! Eu pedi para você atender!" Tia Mary reclamou, encaixando-o entre o ombro e o ouvido, enquanto Lea o segurava no espaço da porta. "Alô?"

Talvez fosse disso que eu gostasse daquela casa. O constante choque de personalidades similares e opostas. Leanne e sua mãe sempre competindo para ver quem faria as coisas do seu jeito, o amor uma pela outra claro em tudo que faziam. E Thomas, inocente e satisfeito em seu pequeno mundinho. Enquanto sua irmã era explosiva, ele se fechava em seu canto. Eles eram tão genuínos em si mesmos, que qualquer pessoa se sentiria em casa ali.

"Você já viu o primeiro?" Perguntei para ele, que pareceu quase se assustar com a minha tentativa de começar um assunto. "De Volta para o Futuro?"

Ele assentiu de leve. "Comprei a fita ano passado," disse.

Foi inevitável levantar as sobrancelhas. "Sério? Não é cara?"

Ele deu de ombros. "Algumas semanas de mesada, só."

Eu tinha juntado três, só para conseguir pagar pela noite que nós teríamos pela frente, mais uma fita que esperava ao lado do rádio para ser gravada. Nunca conseguiria comprar um filme.

"Me empresta algum dia?" Pedi com um sorriso caloroso. "Se você não se importar, é claro."

Me perguntei se era uma pessoa ruim por abusar de ele não conseguir falar não para mim. Mas logo me convenci de que não tinha nada de errado naquilo.

"Claro," ele respondeu, sorrindo o suficiente para me fazer acreditar que era quase um favor que eu fazia, lhe dando a honra de me emprestar algo seu.

Por alguns segundos, nossos olhos se cruzaram. E continuariam ali, se Leanne não voltasse bufando e batesse o telefone no gancho com certa raiva.

"Não sei porque ela simplesmente não vem até aqui!" Reclamou, quando o apoiou na mesinha específica de novo. "São duas quadras!"

"Quem?" Perguntei, esticando minhas pernas no sofá.

Mas ela as pegou, levando e sentando embaixo. "Minha avó."

Eu balancei a cabeça. Deixa ela, queria dizer. Deixe sua vó ligar quando precisa.

"Você sabe quem vai estar lá, né?" Lea perguntou, falando comigo.

"Onde?"

"No cinema," ela levantou as sobrancelhas, esperando uma reação minha. Quando não tive, revirou os olhos. "Tony!" Exclamou, impaciente.

E, só com aquela palavra, conseguiu fazer minhas duas bochechas corarem.

"Eu vi ele comentando com Max na escola!" Ela explicou. "Achei que era por isso que você queria ir!"

"Não, de jeito nenhum," enrolei os braços em volta de mim. "Ele é a última pessoa que eu quero ver," as batidas aceleradas do meu coração diziam o contrário. "Quer dizer, penúltima, contando com o idiota do Max. Se eu pudesse, largava a escola de vez para nunca mais ter que os ver na minha frente."

E, de preferência, nunca mais me lembrar da tarde mais humilhante da minha vida.

"Você vai ter que os ver, querendo ou não," Leanne comentou. "Quando eles forem presos e você for a promotora no caso deles," ela até riu.

Aquele era só um complemento para a sua teoria de que nosso inferno pessoal e o paraíso deles seriam trocados em um futuro não muito distante. Populares no colegial têm a tendência a se tornarem perdedores depois, pelo menos, era o que ela dizia. E nós, os tais perdedores do colegial, logo teríamos nossa chance no mundo.

"Duvido muito," falei, mas nem me importava tanto assim com suas previsões.

Não poderia negar que tinha esperança de ser verdade, mas, naquele momento, estava só tentando me acostumar com o fato de que teria que ver Tony outra vez no mesmo dia. Se já estava nervosa com a aula amanhã, imagina para daqui a menos de duas horas?

Agora não sabia se realmente queria que Thomas fosse com a gente.

"É essa!" Ele falou do nada, me distraindo completamente do meu próprio nervosismo.

Era a nossa música! Ela estava tocando, e, se não fosse por ele, eu nem teria percebido!

"Coloca para gravar, vai!" Leanne gritou, empurrando minhas pernas para fora do sofá e ficando de pé nele.

Até eu me levantei do lado dela, dando pequenos pulos e sentindo as molas devolverem meu entusiasmo.

Thomas continuou em seu lugar, só sorrindo de orelha a orelha, enquanto eu e Lea andávamos de um sofá para o outro, pulávamos na mesa de centro entre suas revistas e recortes e dançávamos! O rádio deles era incrível! Nós podíamos cantar juntos, berrar toda a nossa animação, que ele só gravava a música! E tinha outra fita esperando do lado dele para que depois eles gravassem uma versão para eu levar para a minha casa e tocar no meu walkman.

Logo que a última nota foi tocada, nós vestimos nossos tênis e nossas mochilas. Thomas só foi avisar sua mãe, e logo nós saímos da casa deles. A energia da música ainda corria pelas nossas veias, nos fazendo dançar no jardim até chegarmos às nossas bicicletas. Ainda cantávamos quando começamos a pedalar em direção ao cinema da cidade.

A última coisa da qual eu me lembro é de contar as cores do céu e me considerar a pessoa mais sortuda do mundo por poder vê-lo. Como já havia feito milhares de vezes antes, senti que aquele seria o primeiro dia de uma vida completamente diferente, em que as coisas realmente aconteceriam como eu queria. Uma promessa escondida em um final de tarde que eu nunca conseguiria esquecer.

Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top