Capítulo 01.
— Sissa! – De propósito eu ignoro os gritos de Georgio vindos do andar debaixo. Quando eu era era apenas uma criança isso acontecia durante todo o tempo. Eram apenas 'Sissa, pegue isto', 'Sissa, pegue aquilo', 'Sissa faça isso', 'Sissa é a caçula'. Uma dia eu apenas fiquei mal humorada o bastante sobre suas atitudes e fui correndo ao vovô contando à ele como meus irmãos mais velhos abusavam de sua posição privilegiada. Eu era apenas uma criança, então é claro que vovô me fez um carinho nos cabelos e prometeu conversar com os gêmeos.
Bem, para os homens desta casa eu ainda sou uma criança. Mas eles me concedem atualmente alguma dignidade e respeito no que se refere à favores absurdos.
Termino de calçar minhas sapatilhas e ajeito meu cabelo em frente ao espelho de parede, observo meus fios escuros e penso que talvez eu pudesse mudar um pouco, clarear tom e diversificar. Suspiro imediatamente sabendo que nunca teria coragem de pintar meu cabelo, é verdade que sou um pouco covarde até para as pequenas coisas.
Encontro Georgio impaciente me esperando no pé da escada assim que coloco meus pés sobre o topo.
— Finalmente mulher! – Ele joga os braços para cima dramaticamente, os cabelos estão como sempre despenteados, sua forma esbelta e bonita está apoiada sobre o corrimão de madeira torcida. — O que houve com todo esse tempo?!
— Irmão, não a enlouqueça! – Fabrizio passa por nós dois dando uma tapa na nuca de Georgio.
— Fabrizio também fica horas no banheiro e não vejo você perturbando-o por isso! – Acuso com um olhar furioso, ignorando os resmungos impacientes de Georgio.
— Não vai ter mesada para Sissa esse mês, Enzo! — O grito de Fabrizio poderia deixar tanto eu quanto Georgio surdos de tão alto que é. Sinto vontade de estender meus braços e empurrá-lo, mas tento ser o mais madura possível perto dos meus irmãos.
— Ai meu ouvido. — Georgio resmungou jogando a mochila sobre os ombros. — Esse cara não é normal. Não somos iguais. — Ele diz apontando para Fabrizio. Bufo e pego ambos pelas mãos arrastando-os para a mesa na sala de jantar. Suzana, uma das empregadas da casa termina de servir o café da manhã e dedico à ela um breve sorriso antes de roupar um biscoitinho de açucar de sua bandeja.
— Bom dia vovô. — Beijo o rosto do vovô Lorenzo e seu bigode se torce em um sorriso satisfeito. Lembro-me de que quando era uma garotinha Fabrizio e Georgio sempre me surpreendiam colocando-me entre eles e ambos beijando minha bochecha. Brigavam como cão e gato, mas devia ser o efeito de terem dividido o útero de uma mãe. Coisa de gêmeos, eles diziam.
Enzo chega a cozinha com o rosto enfiado no celular, o fone está em seu ouvido e ele discute em inglês com alguém, as orelha estão vermelhas e posso ver que ele está irritado. Ele se aproxima rapidamente beijando minha testa e em seguida tocando o ombro do vovô em uma saudação silenciosa.
Enzo é meu irmão mais velho, seguido de Bernardo — que está estudando na América — e Fabrizio e Georgio, que não fazem praticamente nada na vida além de pegar garotas pouco inteligentes. Na verdade, esse é o passatempo favorito de todos os meus irmãos. Lindos homens ricos e cafajestes, sinto que Enzo é apenas mais discreto que os outros, embora eu sempre o veja voltando pela manhã com o terno desarrumado nos braços. Os gêmeos são só um ano mais velhos que eu, mas agem como se tivesse dez a mais, as vezes os idiotas esqueciam-se que podíamos ter os mesmos amigos e frequentar os mesmos ambientes.
— Como está, vovô? — Enzo pergunta ao vovô servindo-se do café preto ainda sem tirar o olhar do celular. Ele ao menos encerrou a ligação, desta vez.
— Muito bem, filho. — Vovô ainda é muito forte, mal tem cabelos brancos e quem o vê, jamais diz que já está chegando aos setenta anos. Não se cansa de dizer que está forte como um touro.
A conversa na mesa continuou girando em torno de vários assuntos, até Bernardo ligar. Ele sempre ligava pela manhã, o que era um pouco complicado para ele por causa do fuso-horário da América, mas Bernardo ainda é parte ativa da família no café da manhã.
— Oi Be! — Eu fui a primeira a saudá-lo, colocando o celular sobre a mesa no viva-voz.
— Oi irmãzinha! Oi vovô, Enzo, gemêos! Como vocês estão?! Nossa, sinto falta de vocês!
— Ei cara! — Meus irmãos dizem juntos, como era costume quase sempre que estavam um ao lado do outro.
— Como estão as coisas ai Bernardo? — Questiono curiosa e um pouco animada, nunca sai da cidade sozinha e é meu sonho de infância fazer uma viagem como Bernardo está fazendo. Conhecer vários países, fotografar lugares, conhecer pessoas e estudar com outras culturas.
— Bem, está ai a surpresa, estou voltando para casa!
— Aconteceu alguma coisa? — Questiona Enzo preocupado. Meu irmão é tão sério e eu possso entender, mesmo que seja difícil de acompanhar em determinados momentos. Quando mamãe morreu em meu parto, meu pai havia sofrido um acidente de carro fatal cerca de cinco meses antes do meu nascimento. Enzo de repente se viu assumindo a responsabilidade de chefe da família, da empresa e da casa. Por muito tempo carregou o peso da responsabilidade nas costas e mesmo depois de todos nós adultos, acho que jamais se desfez disso.
— Só saudades irmão. — Bernardo diz de forma distraída e sinto há algo que ele não está nos contando realmente. Enzo deixa o celular de lado e se inclina sobre a mesa, estamos todos desconfortáveis imediatamente. É obvio que ele fará um longo discurso sobre responsabilidade e consciência.
— Então venha logo! — Cantarolo para tirar a atenção de Enzo, ele me lança um olhar astuto. Sabe o que eu estou fazendo, mas deixa passar. — Estou morrendo de saudades! E traga presentes! Algo muito americano, por favor!
— Pode deixar, irmãzinha! — Bernardo se despede de todos logo após contar algumas novidades e encerramos a ligação.
Meu coração se diminui em saudade do meu irmão, mesmo sendo o segundo mais velho, Bernardo é com quem sempre tive maior proximidade. Bernardo é como um confidente, sempre esteve atento aos detalhes e sua simpatia e compaixão pelo mundo é absolutamente envolvente.
— Vamos, Alessia, vou deixá-la no campus e em seguida vou para empresa. Se apresse, tenho uma reunião importante em vinte minutos. — Enzo levanta pegando o celular e jogando o guardanapo sobre a mesa.
— Absolutamente não! — Bato o pé, puxando a minha bolsa do aparador e as chaves do meu carro. — Sou uma adulta, vou sozinha! Que mania vocês tem de me acompanharem para todo o lado! Eu hein!
Enzo suspira, como se eu fosse uma criança fazendo birra e pedindo coisas inúteis. Isso sempre me deixa tão furiosa.
— Já falamos sobre isso, Alessia.
— Exatamente. — Dizem os gêmeos juntos e eu reviro os olhos para essa mania irritante que eles tem. — Os caras vão ver que está sozinha, não pode.
— Não sejam ridículos. — Retruco indignada. — Eu bem vi vocês agarrados com as irmãs Ricci. — Sinalizo dos meus olhos para os deles ameaçadoramente, ou ao menos, eu tento. — Vocês vão ver só quando eu arrumar um namorado. Eu vou fugir com ele e terão de me deserdar, viverei um amor de novela e nunca mais me verão na vida!
— Ouviu isso, Georgio? — Fabrizio leva a mão ao coração e eu reviro os olhos mais uma vez. — Ouviu que ela acha que vai ter um namorado?
— Bem, não podem manter minha neta para titia. — Vovô vem em meu socorro, abraçando-me pelos ombros.— Já estou até preocupado com ela. Quero bisnetinhos logo!
— Vovô! Não vamos exagerar, está bem?!
— Calma querida. — Ele ri fazendo um afago em meu braço. — é só uma brincadeira.
Georgio e Fabrizio riem, fazendo um toquinho de mãos. — Que fique para titia mesmo! Morrerá virgem.
— Vovô, me segure, ou vou bater nesses paspalhos.
— Parem de perturbar a Alessia. — Enzo passa por nós, o terno impecável e a expressão séria e distante soando como um balde de água fria em nossa brincadeira. Ele mal me olha ou acho que se quer nos vê, simplesmente está com os olhos grudados no celular enquanto já disca números que provavelmente são de algum cara tão rico quanto ele. — Não me esperem para o jantar. — Declara seguindo para fora de casa. Um suspiro coletivo escapou de nós quatro, mas vovô parecia o mais triste de nós com os ombros caídos em rendição. Eu sei que há alguma culpa nele devido ao seu relacionamento que tem com Enzo.
— Tudo bem vovô. — Eu quem o abraço desta vez. — Um dia Enzo vai melhorar, você vai ver.
— Não sei se acredito disso. — Resmunga Fabrizio de forma amargurada.
— Fabrizio!
— Não seja ingênua, Sissa. — Fabrizio retruca, pegando as chaves do próprio carro. — Acha mesmo que não fomos um fardo para o Enzo?
— Ele cuidou de nós. — Defendo Enzo, um pouco chateada pelas coisas que Fabrizio diz constantemente. — Enzo é nosso meu irmão e não quero que falem dele dessa forma. — Entendo perfeitamente que Enzo teve uma responsabilidade maior que vovô e Bernardo, tento ser compreensiva com ele o máximo que posso, por isso me fere que os meninos também não o possam fazer.
— Sim, porque era a obrigação dele. — Foi sua resposta atravessada antes de partir batendo a porta atrás de si.
Olho para Georgio que parecia sem graça entre nós. Isso porque Georgio também concordava com Fabrizio, mas não queria me magoar expondo suas ideias.
No fim, não sei o que é pior.
Meu segundo gêmeo sai silenciosamente de casa, dando-me um beijo na testa. Volto a me apoiar em vovô.
— Tudo bem vovô, Enzo ainda vai ser feliz. — Eu digo a ele suavemente.
Ele me faz um carinho nas costas e não sei se eu estou confortando a vovô ou a mim. — Vai querida.
Me despeço de vovô para poder ir para o campus. Eu dou aulas para algumas crianças no centro cultural, havia me formado na melhor academia de balett do meu país e era uma coisa que eu gostava de fazer. As crianças são sempre receptivas e atentas, amando a dança tanto quanto eu.
Quando disse a Enzo que queria ser professora, meu irmão torceu o nariz em desagrado de forma que jamais consegui engolir. Para ele, era uma perda de tempo e de dinheiro. Tanto investido naquela academia para que eu desse aulas, tanta relutância em me deixar estudar ballet. É claro que como a maioria dos magnatas ricos meu irmão gostaria que eu fosse uma advogada, empresária, economista ou uma dessas profissões pré determinadas que não exigem realmente nenhuma criatividade.
Sinto que eu definharia se tentasse.
Enzo é bom e nos ama de verdade, só quer o nosso bem, mas ele não é muito sensível ou delicado. Foi a pior briga que tivemos e eu só tinha dezessete anos. Mas novamente, eu entendo Enzo mais que qualquer um dos meus irmãos.
Ele viu mamãe sangrar em sua frente mais de uma vez, diversas tentativas de suicídio mal sucedidas. Fabrizio e Georgio não se lembram, porque eram muito novos, assim como eu era somente uma recém nascida, mas Bernardo me conta que Enzo trancava-o no quarto e tentava lutar contra os impulsos suicidas da nossa mãe.
Pelo que pude entender, mamãe começou a definhar em vida antes mesmo da morte do meu pai. Um homem que não conheci e que não me fez falta alguma, é claro, com quatro figuras masculinas não haveria como.
Mas uma feminina... Bem, sempre foi um desastre. Enzo jamais foi próximo de mim, Georgio e Fabrizio eram dois paspalhos na adolescência — estavam na época da puberdade como eu, vovô então nem se fale, não soube explicar coisa alguma, então sobrando para Bernardo ,e algumas empregadas recorrentes fazerem o papel da figura feminina em minha vida.
Me explicou sobre garotos, sexo, menstruação, além de aguentar todas as conversas que uma garota aguentaria. Pobre do meu irmão, sofreu bastante até que eu conhecesse Antonella, que é minha melhor amiga.
Antonella tem minha idade e é apaixonada por Enzo, mas Enzo sequer a a vê mesmo que eu tentasse aproximar os dois, é impossível, já que Enzo sequer me vê. E sou sua irmã. Acho que Enzo não vê ninguém, só a casca profunda da qual ninguém consegue tirá-lo.
Balanço a cabeça para refrear os pensamentos e despeço-me de vovô mais uma vez.
Quando saiu para o jardim, tem um caminhão gigantesco trancando minha passagem. Resolvo acenar para o morador que está se mudando, mas ele parece distraído demais encarando as incontáveis caixas empilhadas. O pobre coitado parece realmente atordoado no meio da bagunça, olha com pesar para os carregadores que colocam as coisas no chão com impaciência.
Sinto um pouco de pena dele e talvez mais tarde possa oferecer uma ajuda.
— Ei! — Eu grito e seus olhos finalmente me encaram. Ele é bonito, sem dúvida. Tem uma barba rala bem desenhada e um queixo quadrado anguloso, os ombros largos estão cobertos por uma camisa social com dois botões abertos que mostram pelos claros em seu peito. A unica coisa que posso pensar é que ele é quente, e claramente que é um estrangeiro.
— Olá, desculpa, eu estou me mudando. Está tudo uma bagunça. — Ele fala sem parar e é engraçado. Não dá uma pausa e seu italiano parece bem estranho. Fica difícil de entender, mas com alguns segundos a frase faz sentido para mim.
— Tudo bem. Preciso que tire o carro, quero passar. — Digo tudo lentamente, para que ele possa entender.
O estrangeiro me olha por um tempo e fico na dúvida se me entendeu. Deduzo que ele não entendeu nada quando continua olhando-me como se eu falasse grego. Quem se muda para um pais que não entende nada? Bufo e resolvo gesticular para facilitar nossa comunicação.
— Carro. — Aponto para meu carro. — Sair. — Aponto para o caminhão.
Pareço ridícula e sei que estou sendo quando o estrangeiro começa a rir.
— Desculpa. — Ele diz em um italiano um pouco melhor dessa vez. Ele estava me zoando? — É que você estava muito engraçada fazendo isso.
Eu sinto minhas bochechas queimarem. De vergonha ou impaciência, não sei. Mas odeio me sentir idiota, e é o que acontece quando ele continua a rir.
Me irrito rapidamente com ele. É meu novo vizinho, deveria ser cordial como todos são. Mas o que tem de bonito, tem de irritante.
— Ótimo que me entende tão bem. Então pode tirar o caminhão, por favor? — Eu dou as costas para ele, entrando no carro e dando a ré sem olhá-lo, mais ou menos, arrisco uma olhadinha no retrovisor e o vejo sorrindo para mim.
Tem um sorriso lindo, mas não faz nenhum sentido estar sorrindo desse jeito galanteador para mim. Ele parece muito irritante, mas puxa, como pode ser tão bonito? Fecho a cara para ele, quando me pega olhando-o e espero o caminhão me liberar.
Quando finalmente pego a avenida é que noto que aperto o volante com força demais e que estou com o coração acelerado e ansioso.
E isso é realmente estranho.
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