| Capítulo 24 | Quando você saltar, não tenha receio da queda
Após a abertura do portão do condomínio, o veículo percorreu alguns quarteirões até parar em frente à casa do Marcelo. Agradecemos o motorista em uníssono e saímos pelo mesmo lado. Rapidamente, avaliei o motorista com cinco estrelas, apesar do trajeto ter sido silencioso.
Meus olhos se encantaram diante daquela majestosa residência de dois andares, com detalhes requintados e contemporâneos. Também admirei o pequeno jardim e as enormes janelas com um toque espelhado. O cenário ao redor só intensificava a sofisticação; cada casa de alto padrão era um espetáculo à parte, provocando em mim um deslumbramento diante de tanta beleza refinada e grandiosa.
— Finalmente vocês chegaram! — Marcelo gritou, animado, da porta de entrada.
Seu look casual consistia em uma camisa bordô, jeans bem ajustados e um par de Nike Air Force brancos, um conjunto de detalhes que destacava sua personalidade descontraída e moderna.
Elisa e eu caminhamos em passos sincronizados até ele, que nos cumprimentou com um abraço.
— Vocês estão maravilhosas — elogiou, boquiaberto. Sorri em agradecimento.
— Graças à Lana — admitiu Elisa.
— A festa está acontecendo na garagem. Venham comigo — disse Marcelo, gesticulando para que o seguíssemos.
Passamos rapidamente pelo interior da casa e viramos à esquerda. Assim que entrei no local, fiquei admirada com o ambiente vibrante. O espaço estava repleto de convidados, a maioria conversando em pequenos grupos e se movendo com a animação de uma festa que prometia ser memorável. As cores das bandeiras do Brasil e de Portugal dominavam a decoração, criando um clima festivo que refletia a fusão cultural da ocasião.
— Lana! — a voz eufórica de Lu ecoou nos meus ouvidos.
Antes que eu pudesse me mover, fui surpreendida por seu abraço.
— Agora sim estou com alguém que conheço, não vou mais me sentir perdida — disse ela, se desvencilhando logo em seguida.
Reparei na escolha deslumbrante de Lu, que trajava um vestido preto tubinho, realçando sua silhueta de maneira elegante e sofisticada. O comprimento da peça caía suavemente logo acima dos joelhos, e o par de sandálias de salto grosso alongava sua figura.
— Nem vem, você estava comigo até agora — reclamou Marcelo.
— Mas você vive saindo para dar atenção aos outros. Pelo menos agora vou ter a companhia da Alana e da... — ela hesitou por um instante, tentando se lembrar do nome de Elisa.
— Elisa — minha amiga respondeu prontamente. — Das aulas de orientação vocacional.
— Verdade! Você que emprestou sua blusa para a Lana esconder o rasgo na bunda! — lembrou Lu, enquanto Marcelo soltava uma gargalhada. Semicerrei os olhos.
— Vou lá fora ver se mais alguém chegou. Fiquem à vontade — avisou Marcelo, antes de sair.
Luciana nos conduziu até um espaço vago, ideal para uma conversa mais privada. Ficamos em volta de uma mesa bistrô redonda, que se mostrou perfeita para acomodar bebidas e alguns salgados gourmet, dispostos em outra mesa na garagem.
Nossa interação se estendeu pelos minutos seguintes, e cada momento ajudava a estabelecer uma conexão mais harmoniosa. Apesar de nossas risadas e conversas formarem uma sinfonia própria, o som caótico de outras vozes e a música ambiente também preenchiam o espaço ao redor.
Em certo momento, Lu retornou segurando três latas de energético.
— A primeira de muitas festas! — anunciou em voz alta, antes de colocar as latas sobre a mesa.
— É a primeira vez que vou a uma festa assim. Achei bem legal — comentou Elisa, abrindo sua lata e tomando um gole.
— Você vai ver quando começar a faculdade. Baladas, bares, festas universitárias... Ano que vem promete, né, Lana?
Rapidamente, com a intenção de evitar prolongar o assunto, abri minha lata e levei a abertura à boca. Concordei com a cabeça enquanto bebia.
— Falando nisso, eu já escolhi a faculdade. E você, amiga, em qual instituição vai cursar?
Pousei a lata e senti um nó se formar na garganta. Naquele ponto, não havia mais como manter minha incerteza escondida. Minha força já não era suficiente para sustentar o disfarce. O temido momento de admitir a verdade havia chegado.
— Na verdade, eu tomei a decisão de...
— Festa sem música não é festa! Vamos agitar! — a voz de Marcelo ecoou pelo microfone, interrompendo as palavras que estavam prestes a escapar dos meus lábios.
Os primeiros acordes, em um volume potente, reverberaram pelo ambiente, despertando uma sensação de euforia nos convidados, que logo gritaram empolgados. As luzes coloridas, suaves e em movimento, pareciam convidar a todos para uma energia vibrante.
— Depois você me conta. Agora vamos dançar! — comemorou Lu.
A maioria dos convidados se dirigiu à pista central, libertando seus movimentos ao ritmo da música eletrônica. Marcelo demonstrava total dedicação enquanto recriava as melodias na sua mesa de DJ.
— Vão vocês duas, vou ficar aqui cuidando das coisas na mesa — Elisa comunicou.
— De jeito nenhum! — protestei. — Você não veio toda produzida pra ficar num canto!
— Que coisas? Só tem latas vazias e pratos com migalhas. E as bolsas estão com cada uma de nós — rebateu Lu.
Elisa baixou a cabeça, visivelmente desconfortável.
— Sei que é bobo, mas... eu tenho vergonha de dançar — admitiu.
— Tem algo que vai te ajudar a perder essa vergonha. Já volto, meninas! — avisou Lu, afastando-se rapidamente.
— Elisa, o ambiente está perfeito para isso. Tem só luzes coloridas e um monte de gente se divertindo. Ninguém aqui vai te julgar.
— Eu sei, mas me sinto insegura. Passei tantos anos me reprimindo, com medo de sofrer ataques gratuitos, que agora é difícil desapegar — desabafou.
— Vamos com calma. Eu te ensino alguns passos — sugeri.
Conduzi Elisa até o espaço onde os convidados compartilhavam a celebração. Com o ritmo envolvente preenchendo nossos ouvidos, comecei a reproduzir alguns movimentos sutis, e Elisa, ainda com um pouco de dificuldade, tentava acompanhar. À medida que a melodia ecoava, percebi sua rigidez ceder gradualmente. Seus ombros relaxaram e seus pés hesitantes começaram a seguir os acordes.
— Está indo muito bem. Continue se soltando! — incentivei em voz alta.
Seu sorriso trazia a promessa de que o desapego estava próximo. Nossos movimentos se sincronizaram, e a leveza começou a guiar cada passo. Não havia mais conceitos opressivos aprisionando o desejo de se divertir; éramos apenas duas faíscas que acabavam de acender.
Até que brilharam intensamente.
A música The Nights, do Avicii, se tornou uma aliada, fazendo Elisa libertar toda a insegurança que carregara por tanto tempo. Seus passos vibravam com confiança, e sua euforia simbolizava a ruptura do peso que a sufocava. Cada movimento parecia um grito silencioso de conquista, uma declaração de que, finalmente, ela estava pronta para abraçar novos momentos. Eu podia sentir a intensidade de sua libertação, como se o peso das dúvidas e receios estivesse se dissipando, deixando apenas a essência radiante de um novo período que começava a cintilar.
— Quem quer vodka?! — a voz de Lu me pegou de surpresa.
— Como conseguiu a garrafa? — indaguei.
— Eu e o Marcelo roubamos da adega! — respondeu. — Os pais dele nem perceberam, estão só jogando poker naquela mesa — completou, abafando o riso.
— Eu não gosto de bebida alcoólica, e nem devíamos beber, somos menores de idade — retrucou Elisa.
— Qual é! É só um pouquinho! — Lu insistiu, sorridente.
— Passa pra cá! — pedi, sem pensar muito.
Elisa balançou a cabeça, desaprovando minha atitude. Virei a garrafa e o líquido ardente desceu pela minha garganta, apertando meus olhos enquanto tentava evitar uma careta.
A euforia me tomou por completo, como uma tempestade de sensações que eu não tinha forças para conter. Ver o avanço de Elisa intensificava meu apego à festa, e a cada gole a sensação de leveza crescia, como se estivesse flutuando em um paraíso de risos e luzes. Marcelo se juntou a nós, e nossa energia compartilhada exalava uma vibração jovial, cheia de cores e intensidade.
No decorrer da comemoração, minha consciência foi envolvida por um estado de completa descontração, dissolvendo qualquer inibição. Movida pela ousadia, peguei meu celular e comecei a gravar vários Snapchats, alternando entre vídeos curtos e selfies. Nossas risadas escandalosas, os cantos desafinados e as caretas transmitiam uma alegria despreocupada. Em pouco tempo, minhas palavras saíam embaralhadas, e meu corpo parecia descoordenado, como se eu tentasse seguir um ritmo que já não conseguia controlar.
Os gêneros musicais estabeleciam uma conexão profunda com minhas emoções, enquanto meus pensamentos flutuavam, dispersos, em uma leveza inesperada. A desconcentração me dominou, e uma vertigem sutil começou a surgir, sinalizando que o estado de embriaguez estava se intensificando.
Inesperadamente, senti meu braço direito ser puxado e, aos poucos, fui conduzida para longe da pista.
— Lana, está ficando tarde. Vamos embora! — avisou Elisa.
Balancei o braço até sua mão se desagarrar.
— Ficou maluca?! Isso aqui tá bom demais. Eu precisava sentir isso! — respondi, enquanto dançava ao som de Alok.
Elisa revirou os olhos e cruzou os braços.
— Estou falando sério, já aproveitou o bastante. O motorista de aplicativo está nos esperando lá fora.
Marcelo se aproximou, com um olhar preocupado.
— São quase duas da madrugada. Daqui a pouco vou desligar o som — ele alertou.
Reduzi o ritmo, embora a tontura permanecesse. No momento em que tentei me mover, minhas pernas não pareciam mais sustentar o peso do meu corpo.
— Você está até cambaleando — Elisa constatou. Sem hesitar, ela me puxou para mais perto, apoiando meu corpo contra o seu, tentando guiar meus passos incertos.
— Eu te ajudo — Marcelo propôs, se posicionando ao meu outro lado e repetindo o gesto de Elisa.
A cada metro que avançávamos, o som ensurdecedor da festa diminuía, e o ar fresco da madrugada nos envolvia. O contraste entre o ambiente ruidoso e a calmaria noturna, junto à brisa suave, trouxe um alívio imediato. Senti meu rosto refrescar e a névoa da embriaguez clarear, ainda que de forma leve.
Logo, avistei o sedan prata que nos aguardava mais à frente.
— Entra no carro — Elisa pediu, abrindo a porta.
Com a ajuda dos dois, consegui me acomodar no banco do passageiro.
— Agora vou lidar com a Lu. A deixei dormindo no sofá. Depois aviso a mãe dela — Marcelo comentou.
— Onde elas estavam com a cabeça de tomar uma garrafa de vodka pura? — ela questionou, inconformada.
— Essas duas extravasaram hoje — disse Marcelo, balançando a cabeça com um sorriso. — Obrigado por terem vindo.
Elisa acenou em retribuição e entrou no carro.
— Boa noite, meninas — o motorista nos cumprimentou, a voz grave. — Meu nome é Nilson. Se precisarem de algo, é só me chamar.
Assim que o carro partiu, atravessando o portão do condomínio, notei algo curioso na cabeça do motorista.
— Você é policial ou algo do tipo? — perguntei, as palavras saindo atrapalhadas.
— Deve estar falando do meu chapéu de motorista particular. Antes de pegar vocês, eu levei um casal para uma balada mais chique. Gosto de usar esses chapéus para tornar a viagem mais divertida — explicou, enquanto dirigia.
— Quais chapéus você tem? — perguntei, intrigada.
— Tenho uma caixa no banco do carona com vários. Tem touca de Papai Noel, chapéu de palha para festa junina, chapéu de aniversário, chapéu de cowboy e um com guizos, que uso no Dia da Mentira e no Dia das Crianças.
Eu e Elisa nos entreolhamos. Arregalei os olhos, enquanto ela, com um sorriso irônico, girava o dedo indicador ao redor da têmpora, em um gesto que sugeria estranheza.
— Quanta dedicação. É uma ideia bem legal — comentou Elisa.
— É o meu trabalho, amo o que faço.
Sentia-me envolta em uma névoa, onde as barreiras entre pensamento e ação se dissolviam.
— Pelo menos você faz algo que gosta. Eu nem sei se um dia vou descobrir o que realmente quero. É uma droga se sentir incapaz — disparei.
— Lana, que papo é esse? — minha amiga questionou, confusa.
As palavras fluíram, como se ganhassem coragem própria.
— Eu sou uma farsa! É isso mesmo que você ouviu! — admiti em voz alta. — Passei os três anos do ensino médio me dedicando, só para no fim escolher qualquer coisa, só pra não decepcionar os outros. Isso tá me corroendo, porque eu não tive coragem de dizer a verdade. Só o Gael sabe.
— Ô, moça, não fica assim — Nilson tentou me consolar. — Você ainda é nova. Pode demorar, mas um dia você descobre.
— O pior é que meu pai perdeu o emprego, então, além de tudo, meus pais ainda vão ter que lidar com mais essa frustração!
— Calma, Lana — pediu Elisa, apreensiva. — Sinto muito por isso, mas você sabe que não é justo esconder a verdade. Uma hora você vai ter que contar. — Pegou na minha mão. — Vai dar tudo certo — incentivou.
Senti a melancolia se acumular nos meus olhos, como se cada palavra confessada tivesse liberado uma maré de emoções reprimidas.
— Eu tô encrencada, né? — disparei, com a voz embargada.
— Não fala isso. Eles vão te entender e...
— Eu só faço merda na minha vida! — lamentei, interrompendo-a.
Meu rosto foi inundado por uma intensidade inesperada. As lágrimas não eram apenas reflexo da minha vulnerabilidade, mas também um alívio para o desamparo.
— Dê esse chapéu para sua amiga, talvez ela se sinta melhor — Nilson ofereceu, tentando suavizar o clima dramático.
Elisa pegou o chapéu e me entregou. Limpei os olhos com as costas das mãos e funguei. O acessório era uma cartola lúdica, que lembrava uma coroa. Feita de veludo, combinava harmoniosamente as cores verde, roxo e amarelo. Nas pontas da "coroa", guizos dourados tilintavam suavemente.
Coloquei o chapéu na cabeça e, ao balançá-lo, os guizos começaram a soar com um som delicado e rítmico. À medida que o barulho suave preenchia o ambiente, uma leveza inesperada me envolveu. O momento descontraído arrancou um sorriso espontâneo de Elisa, e eu, contagiada, comecei a rir também. A sinfonia dos nossos risos oferecia um breve refúgio diante da tempestade interna.
O trajeto para casa foi preenchido pelo som persistente dos guizos no chapéu que eu balançava de um lado para o outro. Cada tilintar parecia ressoar na minha mente embriagada, amplificando a sensação de um mundo que girava lentamente. Me perguntei como o motorista conseguia manter a serenidade e paciência durante todo o percurso.
A sensação de alívio ao chegar em casa era palpável, mas logo foi ofuscada pelo olhar frio de minha mãe, que me aguardava na entrada como uma tempestade prestes a desabar. Sua expressão era uma mistura de desaprovação e aborrecimento, o que fez com que ela pedisse à Elisa para retornar com o motorista.
Arrastei-me até o meu quarto com um esforço quase esgotado. O cansaço me envolvia como uma neblina densa, e, exausta, desabei na cama com a mesma roupa da noite. O conforto foi breve, pois o sono me dominou rapidamente, e adormeci profundamente.
Na manhã seguinte, acordei com uma ressaca intensa, algo que nunca havia sentido antes. A dor de cabeça latejava, minha garganta estava seca, e um leve desconforto no estômago fazia cada movimento parecer um desafio enorme. Com esforço, alcancei meu celular e comecei a ver os snaps que gravei na festa. As fotos e vídeos revelavam meu estado deplorável. O constrangimento foi imediato ao perceber que várias pessoas haviam visto minhas postagens. Movida por esse sentimento, apaguei todas as publicações, deixando apenas as memórias agradáveis daquela noite.
Com dificuldade, me levantei e fui até o banheiro. O espelho refletia o resultado da minha euforia desmedida: o rosto estava desfigurado pela maquiagem borrada e o cabelo, emaranhado em um caos. Com a ajuda de lenços demaquilantes e escovando os cabelos repetidamente, consegui restaurar um pouco da minha aparência.
Renovada pela nova determinação, caminhei até a cozinha, onde minha família estava reunida para o café da manhã. Embora o desconforto ainda me acompanhasse, estava preparada para o que viria a seguir. Assim que perceberam minha presença, levantei a mão para impedir qualquer início de uma discussão.
— O sermão vai ter que ficar para depois, porque eu tenho algo importante pra falar.
Notas da autora: E a Alana "capotou o corsa"! O primeiro "porre" a gente nunca esquece.
Amei muito ver o progresso da Elisa, ela já mudou muito :)
E o que será do futuro da Lana em 2017?
Agora precisarei dar uma pausa na escrita do livro, pois a partir de segunda (05/08) iniciarei as aulas na faculdade. Com isso, não terei tempo para atualizar os capítulos com frequência, visto que trabalho, faço estágio e estudo. Darei continuidade a partir de dezembro. Faltam mais 6 capítulos para finalizar o livro.
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