| Capítulo 22 | E se as esperanças sobreviverem, o destino chegará
As recordações preenchiam cada parte das minhas emoções, e eu sentia o abraço nostálgico aquecer minhas estruturas. Eram lembranças suaves de uma amizade que capturava a leveza da juventude, junto ao encanto de criar momentos efêmeros. Naqueles instantes, a confiança parecia emanar de mim, como se o orgulho realçasse meu cenário interno.
Contudo, em questão de segundos, essas sensações oscilavam. Aquele sentimento de segurança desaparecia repentinamente. Meus pensamentos voltavam-se para o futuro, envoltos em uma névoa de incertezas que ocultava minha luz interior. A decisão tomada por impulso começava a se tornar um fardo, repleto de inseguranças e receios. Eu havia preparado um mar de expectativas, apenas para me afundar cada vez mais.
Por outro lado, ao revisitar minha trajetória, essas sombras se dissipavam temporariamente, e eu redescobria fragmentos de coragem e inspiração, que surgiam em meio ao caos da minha escolha.
Meus devaneios foram interrompidos quando avistei Lu caminhando em minha direção. Notei que a partida de futsal havia sido suspensa por um breve intervalo. Ajeitei minha postura na arquibancada.
— Queria ser você agora — ela disse, ofegante, enquanto o suor escorria pelo seu rosto.
— Menstruada e com cólicas terríveis? Vai nessa — retruquei.
Ela se sentou ao meu lado.
— Ainda bem que o professor de educação física é gente boa e entendeu sua situação. E aí, tomou remédio?
— Sim, e já está fazendo efeito.
Ela se inclinou para ajustar o cadarço do tênis, depois voltou a se acomodar no banco e suspirou.
— Não aguentava mais correr naquela quadra. Pra minha sorte, o professor resolveu fazer algumas substituições... Ah! — lembrou-se de algo. — E sobre os vestibulares? Conseguiu se inscrever?
— Sim, em Relações Internacionais. — Forcei um sorriso.
Lu arregalou os olhos.
— Você conseguiu! Viu só? As aulas do Gael ajudaram muito.
— Sim, bastante — murmurei, disfarçando a falta de entusiasmo.
— Vou até o bebedouro. Já volto.
Assenti com a cabeça enquanto ela se levantava. Peguei o celular e, ao abrir o Facebook, a primeira imagem na timeline fez minhas expectativas se agitarem. Elisa havia compartilhado algumas fotos do ensaio. A publicação já tinha várias reações e comentários elogiosos. Como autora das fotos, selecionei a reação "amei" e digitei um comentário elogiando sua transformação. Internamente, agradeci a Michel pelo suporte que me deu naquele dia — recompensado com a última cédula da minha carteira e um mangá que comprei na livraria.
Bloqueei o celular, e o sorriso se recusava a sair do meu rosto. Um contentamento momentâneo em meio à minha vida, que agora parecia dividida em dois caminhos: um que se mostrava pavimentado e outro que ainda aguardava ser desvendado.
Outubro estreou com uma suavidade melancólica, trazendo consigo o peso das expectativas. Precisei interromper a sequência de sessões com Elisa para me dedicar aos estudos e enfrentar os vestibulares. Cada domingo se tornava um ritual de tormento, onde eu encarava as provas com apreensão, ciente de que caminhava para um futuro incerto.
As sombras ousavam refletir as expectativas da minha família, pairando sobre mim como uma névoa silenciosa que me empurrava adiante. Mas não era o meu sonho. Não eram as minhas cores. Não era a verdadeira Alana.
E já não sabia mais se a salvação iria me encontrar.
Cada alternativa do gabarito era preenchida como um passo em direção a um caminho que eu não queria percorrer. O futuro parecia um horizonte nebuloso, cheio de promessas vazias e decisões impostas.
Conforme o mês avançava, as minhas estruturas pareciam aprisionadas, impedindo qualquer fuga. Vivenciei aquele tormento por dias, dividida entre a busca pela minha verdadeira essência e a pressão de corresponder às expectativas que não me pertenciam.
Ao concluir a última prova, deixei a sala da universidade e soltei um suspiro pesado. Caminhei lentamente pelas instalações e, ao sair pela porta principal, avistei o carro da minha mãe ao longe. Segui em direção ao veículo preto e entrei no banco do carona.
— Finalmente! Chega de vestibulares — ela disse, aliviada. Acomodei-me e encaixei o cinto de segurança. — E como foi a prova?
— Acho que fui bem. A metodologia do colégio ajudou bastante — respondi, sincera.
Ela deu partida, engatou a ré e abaixou o freio de mão.
— Mal posso esperar para ver o resultado. Já estou até imaginando seu nome na lista dos aprovados — comentou, animada.
— E se eu não me der bem com o curso que escolhi? — as palavras escaparam antes que eu pudesse evitar. — Desde o primeiro ano, eu ouço vocês dizendo que é importante começar uma faculdade, mas parece tão difícil...
Ela virou à direita após sair pelo portão.
— Você vai gostar dessa área. Seu inglês é ótimo e você tem facilidade com outros idiomas. O que você está sentindo é só receio de começar a fase adulta. Isso é normal.
Reprimi qualquer resposta que pudesse revelar o que realmente se passava em mim. Cruzei os braços e concordei com a cabeça. Era hora de manter a postura e observar até onde esse novo caminho me levaria.
No final da primeira semana de novembro, precisei encarar outro desafio: a realização do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM). A prova é usada como critério de seleção para ingresso em universidades públicas e privadas, levando em conta a nota de corte, e também serve como ferramenta de avaliação da qualidade do ensino médio no Brasil.
A sexta-feira da segunda semana marcou o fim das aulas de orientação vocacional. Para celebrar essa etapa, organizamos uma confraternização na sala, com direito a doces, salgados e refrigerantes. Formamos uma roda de conversa, onde cada aluno revelaria sua escolha para o futuro. Fiquei impressionada com a decisão de Elisa, que prestaria vestibular no ano seguinte para Medicina Veterinária.
Quando chegou minha vez, aplausos vigorosos ecoaram pela sala, mas o som não trouxe alento. Mantive a imagem artificial enquanto ouvia as comemorações por um caminho que não era o meu.
A celebração estava perto do fim. Despedi-me de Elisa com um abraço, consolando-a de que ainda nos veríamos nos intervalos. Seu sorriso singelo amenizou o desânimo que moldava seu rosto, um sentimento que eu também compartilhava naquele momento.
Avisei que ficaria mais um tempo no colégio, pois queria conversar com Gael sobre a formatura. Após a partida de Elisa, voltei para a sala e o avistei conversando com outros colegas. Decidi me aproximar.
— Professor, preciso falar com você — pedi.
Ele se virou, assentiu com a cabeça e sorriu em resposta. Em seguida, me conduziu até sua mesa. Ficamos em pé ao lado dela.
Soltei os ombros e suspirei.
— Eu sei que comentei sobre a minha escolha, mas essa não é a minha vocação. Menti pra todos e agora preciso lidar com felicitações e expectativas... Às vezes me sinto uma inútil, porque frequentei todas as suas aulas incríveis, e no final me tornei essa decepção — confessei, com a voz trêmula.
— Alana, você não é obrigada a seguir esse caminho. E está tudo bem. É normal se sentir perdido quando se trata de escolher uma faculdade; é uma fase de dúvidas e incertezas. A pressão não deve definir suas escolhas para o resto da vida — aconselhou.
Cruzei os braços.
— Durante o terceiro ano, vi todos decididos, enquanto eu me sentia cada vez mais deslocada. Não quero ser uma fracassada sem futuro — admiti, com os olhos marejados.
— Não é o fim do mundo — ele disse, com um olhar comovido. — A vida é cheia de oportunidades, e a faculdade é apenas uma parte da sua jornada. O mais importante agora é se dar tempo para explorar seus verdadeiros interesses. Não tenha medo de mudar de curso.
Funguei e fechei os olhos, tentando conter as lágrimas.
— Eu quero desistir, mas o problema são meus pais. O que eles vão pensar de mim?
— Eles verão que a filha deles precisa de apoio. Experimente perguntar se eles também já tiveram dúvidas sobre o futuro e quantas vezes precisaram mudar de caminho porque não se identificaram com a escolha — sugeriu.
Fiquei pensativa por um momento. Suas palavras pesavam, mas atingiam a imagem indesejada que eu carregava.
— Eu também fui um jovem inseguro — ele continuou. — Fiz vestibular para Farmácia e fui aprovado na UFPR. Meus pais até fizeram um churrasco para comemorar, porque fui o primeiro da família a entrar numa universidade pública. Mas no segundo período, resolvi mudar para Letras. Foi uma decepção para eles, mas eu segui em frente, e logo entenderam que era minha verdadeira vocação.
Olhei para ele.
— E como descobriu?
— Sempre esteve na minha frente, e eu não percebia. — Riu suavemente. — Sempre gostei de literatura, de escrever poesias, de ajudar os outros... E, sinceramente? Vejo isso em você — confessou.
Franzi a testa.
— Não me vejo como professora — retruquei.
— Desde que você foi minha aluna, suas notas em língua portuguesa e redação sempre foram excelentes, e sua poesia sobre o Paraná arrancou elogios dos outros professores. Você demonstra segurança nas suas apresentações. É algo para se pensar — disse ele, sorrindo e piscando.
— É até legal, mas sinto que minha área é outra. Tenho alguns hobbies, incluindo esses que você mencionou, mas acho que ainda procuro algo... que não descobri — confessei.
Ele colocou a mão no meu ombro, num gesto de apoio.
— Apenas siga em frente. Sua vocação ainda vai se revelar, e o caminho para encontrá-la será cheio de descobertas. Lembre-se: você pode mudar de rumo, adaptar seus planos e buscar algo que realmente te inspire. Confie em seu potencial e dê a si mesma o tempo necessário para encontrar o que realmente procura... E eu sei que você vai conseguir — incentivou.
Fechei os olhos por um momento e assenti.
— Obrigada pelo conselho — agradeci.
— Quando descobrir sua vocação, me mande uma mensagem. — Sorriu.
Curvei os lábios num leve sorriso, encerrando a conversa. Despedi-me e saí da sala.
As palavras de Gael soavam como uma brisa leve, tentando dissipar a névoa que tanto me atormentava. Cada frase reverberava em meu interior, trazendo um alento que eu nem sabia que era possível. Ao menos, alguém entendia o dilema que eu vivia. Mas, apesar do conforto, a revelação para meus pais tornava a névoa ainda mais densa.
Respirei fundo. Precisava guardar aquela brisa e estimulá-la, até que fosse forte o bastante para afastar a aflição e abrir caminho para que, finalmente, a luz me encontrasse.
Na última sexta-feira de novembro, partimos de trem naquela manhã clara, rumo a Morretes. A estação, localizada na rodoferroviária de Curitiba, parecia um portal para uma aventura que nos esperava, com um céu azul prometendo novas memórias.
O passeio cênico seguia a uma velocidade amena, permitindo que os passageiros desfrutassem da paisagem urbana antes de subir a serra. O vagão especial Boutique Bove, reservado para as turmas do terceiro ano, exibia uma decoração temática que realçava sua elegância. As janelas panorâmicas e a varanda ofereciam vistas esplêndidas, enquanto o conforto dos sofás pretos à esquerda e das poltronas verde-oliva à direita, acompanhados de uma pequena mesa de centro com pés de ferro fixados no chão, tornavam a experiência ainda mais agradável.
Nós, amigos, nos acomodamos no estofado escuro, nossas vozes se misturando em meio à euforia ao redor. Mesmo que Lu não estivesse em sintonia com nossas emoções devido ao recente término do relacionamento, fazíamos questão de compartilhar nossa alegria, esperando aquecer seu coração no clima gélido que a envolvia.
— Amiga, quer um café? Isso vai te ajudar — sugeriu Marcelo, preocupado.
— Por mim, tudo bem. — Lu deu de ombros. — Eu precisava fazer isso. Era algo que não iria para frente. Foi melhor assim.
Coloquei minha mão em seu ombro, num gesto de consolo.
— Você fez a escolha certa. Términos são sempre terríveis, mas superáveis. E você vai entrar na faculdade ano que vem, quem sabe não surge outro namorado? — incentivei.
— Pode até ser, mas, por enquanto, quero ficar sozinha — ela concluiu.
Marcelo sinalizou o serviço de bordo e um dos atendentes trouxe os pedidos. Além dos lanches tradicionais, o vagão oferecia um cardápio diferenciado com várias opções de bebidas à vontade — exceto alcoólicas, já que éramos menores de idade.
Durante o trajeto, observava a paisagem que passava em um ritmo constante. As montanhas verdes ofereciam um espetáculo natural que cativava meu olhar. Na varanda, admirava as árvores e a diversidade do ecossistema.
Era o começo de algo novo, e eu estava preparada para acolher cada instante.
A viagem durou cerca de quatro horas. Após desembarcar, o cronograma se desdobrava, desde nossa visita a um restaurante famoso para saborear o barreado até a exploração dos pontos turísticos de Morretes, com suas construções históricas conservadas e fotos que registravam o momento. O andar pelo centro histórico revelava novas descobertas. A Ponte de Ferro pacificou minhas emoções; era deslumbrante. O Rio Nhundiaquara, com suas águas cristalinas, corria suavemente abaixo, refletindo o céu e a vegetação exuberante das margens. Parecia um espelho natural, duplicando as imagens das árvores e das montanhas que se erguiam ao fundo. A brisa fresca, carregada com o aroma revigorante da mata atlântica, trazia uma sensação de renovação. Observar a cidade era como viajar no tempo, com suas construções coloniais e ruas de pedra contando histórias silenciosas de um passado distante.
Retomamos o percurso em direção à Rua do Comércio. Senti-me inserida em um cenário autêntico de um filme histórico. As pedras desgastadas sob meus pés adicionavam uma textura única ao passeio, enquanto os estabelecimentos e barracas de feira exibiam uma personalidade própria, oferecendo produtos artesanais que refletiam a cultura local.
Por fim, o café colonial selou nossa excursão. Fui envolvida por uma mistura irresistível de aromas e sabores, disponíveis no buffet livre. A atmosfera tranquila do local, com vista para a natureza exuberante, parecia desacelerar o tempo.
O entardecer se aproximava e a chegada dos micro-ônibus anunciava o retorno a Curitiba. Sentei ao lado de Lu, enquanto Marcelo ficou na frente. Os momentos vividos repetiam-se na minha memória, trazendo uma sensação de contentamento.
— Eu disse que essa viagem ia ser incrível? — Marcelo avisou, erguendo-se em seu assento.
Interrompi meus devaneios e o encarei.
— Vou ter que concordar, foi uma experiência maravilhosa — admiti.
— Confesso que o passeio me animou. Obrigada por me fazer mudar de ideia, amigo — Lu disse, com um sorriso tímido.
— E também por ter pagado para nós — completei.
Ele ajeitou os cabelos loiros.
— Eu só queria criar memórias inesquecíveis, já que estamos quase terminando o ensino médio. — Ele suspirou, como se reunisse palavras. — Porque ano que vem eu não vou estar no Brasil.
Fiquei boquiaberta com a revelação.
— Pera aí! — Lu protestou. — Então você vai para...
— Sim, Lu. Vou fazer faculdade de Música em Portugal. Já comprei a passagem e embarco em janeiro.
Eu e minha amiga nos entreolhamos, um nó se instalando na minha garganta. Imobilizei qualquer reação entristecida que ousasse escapar.
— Isso é demais! Já estou desejando muita sorte na sua nova etapa — falei, tentando disfarçar a emoção.
— Sei que você queria isso faz muito tempo. Estou feliz pela sua conquista. Você vai arrasar, amigo! — Lu disse, entusiasmada.
Nós três sorrimos simultaneamente. Marcelo precisou se acomodar novamente, pois a professora o advertiu.
— As mudanças já estão acontecendo — Lu comentou, a voz um pouco embargada.
Olhei para o lado e vi que seu semblante refletia a sensação que eu tentava esconder.
— Vai ficar tudo bem. — Segurei a mão dela, que repousava sobre o colo.
Ela fungou, tentando conter as lágrimas que ameaçavam escorregar.
— Eu sei que ainda vamos nos falar, mas não vai ser como antes... Estamos deixando de ser um trio — confessou, entristecida.
Lu apoiou a cabeça em meu ombro. Não quis dar continuidade ao assunto, respeitando suas emoções vulneráveis. Para algo tão repleto de fissuras, o amparo soava como fragilidade.
Depois que arrumei minhas coisas no quarto, segui em direção à cozinha. Minha mãe preparava o jantar, enquanto minha irmã a auxiliava com tarefas menores. Assim que entrei no cômodo, arrastei vagarosamente a cadeira.
— Agora conta — pediu minha irmã, curiosa.
Acomodei-me no assento, corrigi a postura e comecei a falar, preenchendo o ambiente com a novidade, em forma de uma narração detalhada. Descrevi com emoção cada paisagem explorada, resultado de recordações que se eternizaram.
O sorriso se espalhou por nossas feições. Nosso entusiasmo conjunto era como uma sinfonia, tocando as mesmas notas.
Em certo momento, o ruído da porta da sala despertou a atenção da minha mãe. Ela virou-se e secou as mãos com o pano de prato. A presença do meu pai, que chegava mais cedo, provocou uma sensação de surpresa.
— Chegou mais cedo hoje — comentou minha mãe, arqueando as sobrancelhas. Virei para trás.
— Na verdade, não fui eu que precisei sair mais cedo... foi a empresa que determinou — respondeu ele, com um tom de voz entristecido.
Ela puxou a cadeira da frente e sentou-se.
— O que aconteceu? — perguntou, preocupada.
Meu pai tirou a mochila do ombro e a depositou sobre a mesa.
— Aqui dentro estão minhas coisas que estavam no escritório. — Ele suspirou, desanimado. — Eu já tinha comentado com você que a empresa está passando por dificuldades financeiras e precisaram fazer cortes. Isso atingiu todos os setores, e eu fui um deles — revelou.
Os traços que moldavam nossa euforia se desmancharam. Uma inesperada sensação de perplexidade e desesperança dissipou a harmonia, até que não restassem mais vestígios. Meu peito apertou-se com um peso denso e gélido, como se a realidade tivesse se despido de sua leveza. Então me vi imersa em um cenário de desamparo, onde o futuro se estendia incerto e melancólico.
Notas da autora: Que passeio incrível! Gosto muito de destacar as belezas do estado do Paraná (acho que vocês já perceberam).
Essa viagem de formatura selou o terceiro ano em grande estilo.
E a alegria de Alana e sua família infelizmente duraram pouco...
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