| Capítulo 11 | Caia como a chuva que derrama para acabar com a dor
Fui envolvida por tonalidades harmônicas durante vinte e dois dias. Embora temporários, os momentos compartilhados aqueceram meus sentimentos, abastecendo-me de uma dose afetiva intensa.
Dois mil e quinze começou com desvios em meu caminho, marcados pela despedida de André na rodoviária. Acompanhada por minha mãe, estive ao lado dele desde a chegada até sua entrada no portão de embarque. Naquele momento, agarrei-me às memórias de tudo o que vivemos e à esperança de um reencontro, enquanto as cores ao meu redor começavam a desbotar.
Senti um aperto no peito e o abracei com toda a força que consegui reunir.
— Boa viagem, meu amor — murmurei. — Saiba que estou torcendo por você.
Nos soltamos e ele acariciou minha mão, desenhando pequenos círculos em meu pulso.
— Já estou com saudades — sussurrou, com a voz baixa.
Dei-lhe um sorriso suave.
— Não esqueça de mandar mensagens. Quero saber de tudo.
— Pode deixar, vou te contar cada detalhe.
Meus olhos se encheram de lágrimas, e a primeira escorreu lentamente pela minha bochecha. Com delicadeza, André passou o polegar em meu rosto, recolhendo a lágrima solitária.
— Vai dar tudo certo. Logo estarei de volta — disse ele, tentando me tranquilizar.
Funguei, tentando controlar o turbilhão de emoções.
A voz estridente do alto-falante ecoou, anunciando a chegada do ônibus com destino à capital paulista. André e sua mãe pegaram as bagagens, e com seu primeiro passo, ele iniciou a jornada que nos afastaria por algum tempo.
Ver aquela imagem de partida se formando diante de mim era como enfrentar uma barreira que obscurecia o horizonte. As boas lembranças permaneciam, mas as que viriam no futuro ficariam suspensas, esperando o momento certo para serem pintadas.
E até lá, eu seria a única com as paletas em mãos, na angústia de descobrir quais cores preencheriam meu presente.
Nos primeiros dias, recebi várias mensagens de André, desde sua chegada à capital paulista até o momento em que conheceu o centro de treinamento. Seu novo cronograma incluía intensas preparações e alguns passeios pela cidade nos momentos de folga.
Entretanto, ao chegar na segunda semana de janeiro, as respostas começaram a demorar. Eu mantinha o celular em mãos o tempo todo, na esperança de que André voltasse a ser o mesmo de antes. A apreensão, que antes me visitava esporadicamente, tornou-se uma presença constante, e quando percebi, já era tarde. Aquela sensação desconfortável havia se tornado parte do meu conjunto de tonalidades.
E não eram nada bonitas.
Por mais que eu tentasse me desvencilhar daquela angústia, falhava todas as vezes. Meu humor alterado era perceptível para todos ao meu redor, refletido em meu semblante, que expressava claramente o mau humor.
Preocupada com a situação, Flavia decidiu intervir, tentando criar momentos agradáveis sem a presença de André. Depois de muita insistência, acabei aceitando seu convite para um passeio no shopping, com direito a compras e lanches saborosos.
Após sairmos da loja, minha irmã sugeriu que fôssemos até a praça de alimentação e usássemos o cartão da nossa mãe para gastar com fast food. Concordei com a ideia.
— Procura uma mesa que eu fico na fila — ela disse.
Assenti com a cabeça.
— Vou querer o mesmo que você. Vou garantir que ninguém roube nossa mesa e as sacolas.
Afastei-me em busca de uma mesa livre. Meu olhar vagava de um lado para o outro até que, após alguns minutos, avistei uma próxima a um grande vaso de plantas. Depositei as sacolas sobre a cadeira, sinalizando que o lugar estava ocupado.
Sentei e, como de costume, peguei o celular. Nenhuma notificação de mensagem. Resolvi passar o tempo nas redes sociais, até que uma postagem de André no feed me chamou a atenção. Era uma foto dele com os outros jogadores, acompanhada de uma legenda agradecendo pela oportunidade. Antes que pudesse curtir ou comentar, algo me abalou: a publicação tinha sido feita há quinze minutos, enquanto minha mensagem aguardava há mais de duas horas sem resposta.
Aborrecida, bloqueei a tela e abaixei a cabeça.
— Lana, aqui está o lanche — minha irmã anunciou, colocando a bandeja no centro da mesa e se sentando.
Peguei o hambúrguer, desembrulhei e dei algumas mordidas, mas minha curiosidade não me deixou em paz. Peguei o celular novamente, vasculhando o feed.
— Ei, está tudo bem? Meu Deus, você não larga esse celular — Flavia reclamou. — Deveria aproveitar as férias, em vez de ficar com essa cara amarrada.
— Só estou vendo se tem mensagem dele. Vai que ele responde agora.
— Pra você responder na hora e ele te dar mais vácuo? — retrucou.
Ergui a cabeça e fiz uma careta de desgosto.
— Você não sabe de nada, então nem vem com essas opiniões idiotas.
Flavia bufou e afundou uma batata frita na maionese.
— Tá bom, mas depois não diga que eu não te avisei.
— Por que você não cala a boca? Que saco! — esbravejei.
Levantei bruscamente, arrastei a cadeira e saí de lá. Parei perto de um quiosque de macarons e respirei fundo. Não queria ter agido de maneira tão grosseira.
A tensão acumulada dos últimos dias afetou meu equilíbrio emocional. Ao visitar o espaço afetivo que antes me confortava, percebi que ele não era mais o mesmo. Aquilo me abalou profundamente.
Nossa construção, antes sólida, começava a mostrar as primeiras fissuras, anunciando o risco de um desmoronamento.
E eu já tinha ruínas suficientes. Não queria mais destroços. Não suportaria outro colapso impossível de reconstruir.
Tentei ao máximo aproveitar meus momentos livres, embora a vivacidade não fosse a mesma de antes. Ainda carregada pela aflição, consegui arrancar poucos momentos alegres durante o período das férias. O que realmente acendia minhas expectativas era o fim daqueles dias monótonos, aproximando-se cada vez mais o retorno de André.
Finalmente, eu estaria livre da angústia, pronta para resgatar o que nos pertencia e despertar o brilho de um céu apaixonado.
Na primeira semana de fevereiro, minhas emoções faiscavam ao avistar o ônibus chegando ao ponto de desembarque. Aguardava ansiosamente, enquanto os passageiros desciam um a um. Não demorou para que sua imagem provocasse o resgate de cores dentro de mim, agitadas pelo espírito jovem e romântico.
Nosso reencontro aliviou a saudade de quase um mês, mas, ao contrário do que eu esperava, ele me recebeu com um abraço rápido e um selinho. Aquilo me pegou de surpresa.
— E então, como foi lá? — perguntei, tentando manter a animação.
— Ah, foi incrível. Os treinos, os passeios, o pessoal do time... era tudo o que eu precisava.
Entrelaçamos os dedos e começamos a caminhar vagarosamente em direção ao estacionamento.
— Que bom que se divertiu. Senti muito a sua falta — confessei.
— Eu também... E desculpa pela demora em responder suas mensagens, minha rotina era muito agitada.
Por um momento, minha garganta preparou a pergunta que eu queria fazer: por que ele havia se distanciado tanto? Sabia que ele não cumpriu a promessa de manter contato, mas não queria iniciar uma discussão ali, em meio a tantas pessoas. Então, engoli as palavras e deixei o assunto morrer.
Nos dias que se seguiram, o incômodo persistiu. Uma mudança drástica parecia invadir nosso relacionamento, e mesmo que eu tentasse ignorá-la, ela não ia embora. Queria sentar e conversar, mas sempre recebia a mesma resposta: "Está tudo bem entre nós". Então, me restou uma única saída — acreditar que era apenas minha imaginação e continuar vivendo no mundo passional que construí.
Era o único pilar que ainda me sustentava.
O retorno às aulas trouxe uma nova etapa, já que eu começaria o segundo ano do ensino médio. Para minha sorte, o alívio veio quando vi que Luciana e Marcelo estavam na mesma turma que eu. Nosso encontro no corredor foi marcado por entusiasmo e, naquele momento, reacendi a esperança de dias melhores.
— Que bom ver vocês de novo! — exclamou Lu, contente.
Ela e Marcelo me envolveram num abraço conjunto e momentâneo.
— Confesso que não queria o fim das férias — admitiu Marcelo.
— Também, né? Depois de uma viagem às praias paradisíacas do Nordeste, quem iria querer voltar? — Lu riu.
— Eu vi as fotos no Face, estavam incríveis — comentei. — E também vi as fotos da Lu em Porto Alegre.
— Ô viagem chata, viu? — reclamou ela. — Gostei dos pontos turísticos, mas ir pra lá só para visitar os parentes da minha mãe... insuportável.
— Nem reclama, pelo menos você viajou. Pior fui eu, que fiquei aqui sem fazer nada.
— Conseguiu aproveitar alguma coisa, né? — Marcelo perguntou.
— Mais ou menos — respondi, desanimada. — Meu namorado ficou o mês inteiro em São Paulo, então fiquei sozinha. Aproveitei bem pouco.
— Sozinha, não. Com sua melhor companhia: você mesma — rebateu Lu.
Cruzei os braços. Não queria debater no primeiro dia de aula.
— Pelo menos ficaremos na mesma sala este ano! — avisei, tentando mudar o rumo da conversa.
Os dois se entreolharam, e sorrisos se espalharam em seus rostos.
— Já senti firmeza. Vem, segundo ano! — Marcelo gritou, empolgado.
Aquele primeiro momento provocou uma onda de expectativa, e nossos gritos ressoaram pelos corredores, celebrando o início de um novo ciclo.
Até pensei que essa nova fase me traria mais conforto, mas estava enganada. Era constantemente perseguida por uma aflição inquieta, a cada dia que se passava, em todos os lugares. Aos poucos, meu cenário mudou drasticamente, e eu já não tinha mais forças para impedir.
Meus sinais eram claros: falta de apetite, alterações de humor e até mais acnes. Havia perdido o controle do meu emocional, e novas fissuras percorriam meu espaço afetivo.
Por mais que eu tentasse me segurar naquela estrutura que ameaçava desmoronar, minhas tentativas eram insuficientes.
O acúmulo de aborrecimento foi tanto que, na terceira semana de aula, eu já não era mais a mesma pessoa — aquela Alana apaixonada e eufórica havia desaparecido. Minha imagem era um reflexo de total desânimo, visível para os meus amigos. Afinal, chegou o momento em que era impossível esconder o que eu sentia.
Mais uma vez, desbloqueei a tela do celular para ver se havia alguma mensagem de André, mas a notificação continuava vazia. Olhei para o teto da sala de aula e suspirei, entristecida.
Instantaneamente, fui surpreendida pelo vibrar do aparelho. Liguei a tela e vi que era uma mensagem da Lu.
Lu: Lana, eu sei que você não está bem. Quer sair da sala para conversar?
Deduzi que ela tinha ouvido meu suspiro. Digitei uma resposta.
Alana: Não precisa, é só uma fase, logo vai passar.
Lu: Isso já está acontecendo há muito tempo. Eu e o Marcelo estamos preocupados.
Lu: Cadê a Alana que conhecíamos?
Não consegui conter a melancolia que distorceu minha visão. Logo, todo aquele sentimento transbordou, escorrendo vagarosamente pela minha bochecha. Funguei para tentar conter as lágrimas antes que todos os colegas me vissem naquele estado.
Lu virou-se para trás e, ao ver meu rosto, não pensou duas vezes antes de se levantar.
— Vamos sair daqui. — Gesticulou para que eu a seguisse.
Levantei-me, e Lu pediu ao professor de história para sair da sala. Com sua permissão, saímos do cômodo e caminhamos em direção ao refeitório.
— Espera aí! — ouvi Marcelo gritar de longe.
Interrompemos os passos e ele se juntou a nós.
— Menti para o professor. Falei que precisava ligar para a minha mãe, porque era urgente — explicou.
— Que bom que conseguiu sair. A Lana está precisando de ajuda — disse Lu.
Assim que chegamos ao refeitório, me sentei na primeira cadeira que vi. Suspirei frustrada e enterrei a cabeça nas mãos.
— Tá tudo péssimo! Onde foi que eu errei? — lamentei com a voz embargada.
— Amiga, a culpa não é sua. Ele que é um imaturo sem-vergonha.
— Ela precisa de um chá de camomila. Já volto — disse Marcelo, saindo rapidamente.
Levantei a cabeça, permitindo que Lu encarasse meus olhos marejados.
— Eu não entendo. Nosso namoro estava indo tão bem, e do nada ele age diferente comigo. Sempre pergunto se algo aconteceu, mas ele diz que não. Não sei mais o que fazer — desabafei.
— Você precisa parar de se contentar com o mínimo. Tá na cara que ele não quer mais continuar. Não faz bem você ficar num relacionamento frustrado. Já deu, Lana. É hora de colocar um ponto final — aconselhou Lu.
Marcelo retornou e colocou uma xícara na minha frente. Agradeci com um sorriso fraco. Assoprei o chá para dissipar o vapor.
— O amor é tão simples, mas algumas pessoas adoram complicar — comentou Marcelo.
Dei um gole e coloquei a xícara sobre a mesa, segurando-a com as mãos para sentir o calor.
— Eu disse para ela que é melhor terminar. Vai doer, mas é melhor isso do que continuar nessa incerteza e sofrer por falta de amor.
— É difícil. Não quero perdê-lo.
— Lana, você precisa desapegar dessa ideia de que precisa ter alguém para ser feliz. Ficar sozinha não é sinônimo de infelicidade. E, sinceramente, nunca confiei muito nesse piá.
— Curtir sua própria companhia é necessário. Eu mesmo tive que aprender isso, por mais que não quisesse — confessou Marcelo.
Terminei o chá e coloquei a xícara vazia de volta na mesa. Naquele momento, senti que uma parte do meu emocional havia se estabilizado.
— Eu pensei que as coisas tinham dado certo com aquele rapaz do encontro — falei.
Marcelo balançou a cabeça, negando.
— Ele disse que não estava pronto para um relacionamento sério e pediu para ficarmos só na amizade — revelou, chateado. — Aquilo destruiu minhas expectativas, mas agora vejo que foi melhor assim.
— Viu só? A maioria de nós já teve essa experiência de coração partido — disse Lu, segurando minha mão em um gesto de apoio. — E é algo que vai passar.
Curvei os lábios em um leve sorriso. As palavras dela começaram a penetrar no meu interior, me convencendo de que era hora de soltar o pilar que eu tanto me agarrava.
O fato de começar a reunir forças para o desapego se tornou uma tarefa árdua. Ao mesmo tempo que eu tentava largar a apreensão que tanto me abatia, minhas memórias afetivas insistiam em se defender, me induzindo a permanecer no mesmo lugar.
Na sexta-feira à noite, reuni o resto de disposição que me restava e decidi dar uma última chance, na esperança de suspender as fissuras que percorriam em meu coração. Assim que disquei seu número, aguardei ser atendida, e a contagem dos segundos se tornou angustiante.
Não demorou muito até que sua voz surgisse do outro lado da linha, iniciando nossa conversa.
— Fiquei surpreso com sua ligação.
— Só queria conversar com você hoje. E aí, como foi sua semana?
— Bem agitada, como sempre. Desde que voltei para Curitiba, todos na escolinha me perguntam daquela viagem. Até mostrei algumas técnicas que aprendi lá e meu treinador disse que estou pronto.
— Que legal... Mas pronto pra quê?
De repente, o silêncio se instalou entre nós.
— É que... bem, depois do meu teste, recebi a resposta de que fui aprovado.
— Disso eu já sabia — interrompi.
— Não foi só isso... O técnico de lá pediu para eu entrar no time. Desde então, fiquei na dúvida sobre me mudar para São Paulo.
— Então foi por isso que você ficou estranho comigo?
— Eu não fiquei estranho, isso é coisa da sua cabeça. Só estava confuso, nada demais.
— Desde que voltou, você tem agido diferente no nosso relacionamento.
— Você não entende. É uma decisão que vai mudar minha vida.
— Nossa vida, você quis dizer, né?
— Lana, eu conversei muito com a minha mãe, e ela disse que sou jovem e preciso aproveitar as oportunidades. E quer saber? Ela está certa.
Por um instante, um vazio tomou conta da minha voz, e percebi que eu não fazia parte dos seus planos.
— E a gente? — perguntei, com a voz trêmula.
Mais uma vez, o silêncio se fez presente. Respirei fundo, esperando sua resposta.
— Nossa, deixa de drama. Parece que você não fica feliz com as minhas conquistas.
Estremeci por dentro.
— Eu sempre te apoiei em tudo! — rebati, irritada.
— Quer saber? De uns tempos pra cá, percebi quem realmente dá valor ao que eu faço. E cheguei à conclusão de que esse apoio de verdade veio só da minha família.
Meus olhos se encheram de lágrimas. Fechei as pálpebras, tentando conter qualquer uma que ousasse cair.
— Ah, é? Então fique com o apoio da sua família! — debochei. — Fique com essa ideia idiota e com sua ingratidão! E nem pense que eu vou te ver nesse fim de semana, porque eu não vou! — esbravejei.
— Tá bom, nem ligo se você vai me ver ou não.
Antes que qualquer palavra de baixo calão escapasse da minha boca, encerrei a ligação. A discussão, inesperada e dolorosa, afetou profundamente meu emocional.
Naquele instante, percebi que nosso lugar afetivo não era mais como antes.
As rupturas voltaram, desta vez mais profundas e de difícil reparação. O sentimento de decepção desbotava as cores que antes eram tão vivas. E as flores, outrora enraizadas nos escombros do passado, começaram a murchar.
Diante daquele cenário, o desânimo surgiu em forma de nuvens escuras e permiti que o desencanto despencasse suas gotas, provocando uma tempestade que só eu podia sentir.
Logo após tudo o que aconteceu, ainda permanecia envolvida na ideia de rejeição ao desabamento definitivo. Os sinais podiam ecoar e o estrago era visível, mas só pelo fato de ver a estrutura erguida, já era o suficiente para eu me conformar. Por mais que a discussão desagradável tivesse arruinado boa parte, ainda assim eu estava no relacionamento.
No entanto, minha imagem não saiu ilesa. Afinal, meu semblante se tornou o reflexo daquela fase turbulenta, o que foi impossível esconder da pessoa que mais percebia meus indícios: minha mãe.
Preferi passar o sábado todo no meu quarto, ocupando o tempo livre assistindo séries ou ouvindo minha playlist de músicas melancólicas. Naquele momento, estava tão entretida no episódio que nem reparei quando a porta emitiu um ruído, anunciando a entrada da minha mãe no cômodo.
— Vim ver se estava tudo bem — ela disse. Ouvi isso de maneira abafada, visto que o volume do episódio ocupava boa parte da minha audição.
Pausei a série e tirei o headphone.
— Nem percebi que você chegou.
Ela deu alguns passos em direção à minha cama. Em seguida, sentou-se na beirada do colchão e suspirou.
— Filha, estou preocupada. Percebi que você mudou alguns hábitos e sua empolgação já não é mais a mesma. É esse namoro que está te afetando, né?
Ajeitei minha postura na cabeceira e fiquei cabisbaixa.
— Aconteceu tanta coisa depois que ele voltou. Sei lá, tudo ficou diferente. Não recebo mais atenção, tomo vácuo nas mensagens, ele não me marca mais em postagens fofas e, para piorar, nós brigamos ontem.
— É, deu para ouvir seus gritos lá da cozinha — comentou. Reprimi uma risada. — Mas eu não quis interferir, era uma conversa entre vocês dois.
— Não aguento mais essa falta de interesse dele. Até recebi um conselho absurdo dos meus amigos, mas eu não aceito isso.
— E qual era esse conselho?
— De terminar o namoro e ficar sozinha.
Ela ficou boquiaberta.
— E por acaso estão errados? Sério, isso foi bem maduro da parte deles.
— Eles falam isso como se fosse a coisa mais fácil do mundo. Mas a realidade é outra. Estamos prestes a completar um ano de namoro; não posso deixar que tudo isso vá para o ralo.
— Filha, só você não percebeu — ela disse. — Até quando você vai ficar nessa destruição? André já caiu fora faz tempo e só você fica nessa de correr atrás.
A encarei.
— Tenho medo de perdê-lo — resmunguei, aborrecida.
— Você teria que ter medo de se perder. Está na hora de se priorizar e não ficar aceitando migalhas da parte dele.
— Seguir em frente é um saco, tá bom? E outra, juntar meus pedaços é uma tarefa difícil; não vou conseguir.
Ela segurou minhas mãos, num ato de amparo.
— Não é preciso juntar os pedaços e sim fazer uma reforma... dentro de você. E não se preocupe, você terá ajuda para isso. — Piscou repentinamente. Não consegui captar o que ela quis dizer nessa última frase.
— Enquanto eu estiver com ele, não vai ter entulhos. Então prefiro assim.
A decepção tomou conta do seu semblante. Vagarosamente, largou minhas mãos e se levantou. Caminhou em direção à porta e a abriu. Antes que saísse por completo, ela virou-se para trás.
— Às vezes fico me perguntando quando é que você vai aprender a se amar.
Por mais que houvesse tentativas, o barulho estridente anunciava que o desabamento estava prestes a acontecer. Àquela altura, minha força já não era mais suficiente. Eu e André até voltamos a nos falar, porém os estigmas permaneceram em nosso meio, evidenciando sua contribuição para adoecer ainda mais o nosso lugar afetivo.
No final de março, após horas de dedicação ao meu trabalho teórico de biologia, finalmente completei a última página com as referências. Assim que salvei o arquivo, fechei as janelas do navegador e desliguei a tela do notebook. Pude me espreguiçar tranquilamente ao me levantar da cadeira.
Flavia havia ido passar a noite na casa de uma amiga, pois no dia seguinte seu grupo iria gravar um curta-metragem para o trabalho do colégio. Portanto, eu teria o quarto só para mim durante o final de semana.
Com a louça limpa após o jantar, vesti meu pijama e fazia os últimos preparativos para ter uma noite de sono agradável. Até que o vibrar do celular despertou meu anseio. Quando alcancei meu celular, vi que era uma ligação de André. Aquilo me surpreendeu.
Arrastei o dedo na tela para iniciar a chamada. O pouco de esperança que ainda restava se apagou subitamente quando seu tom de voz desanimado chegou aos meus ouvidos.
— Lana, nem sei por onde começar. Nesses últimos meses, eu pensei muito sobre o que aconteceu e tomei uma decisão. Saiba que eu só tenho a agradecer por todos os momentos bons que passamos juntos... mas a partir de hoje, não dá mais.
Um aperto se instalou no meu peito. O momento que eu tanto rejeitava sentenciou o que já estava comprometido.
— Como assim você vai desistir de tudo?!
— É que eu deixei de dar atenção e sinto que não sou a pessoa certa para você. Não somos mais aqueles jovens de antes, e nossas escolhas mudaram.
— Eu não vejo o porquê de nós rompermos — insisti, com a voz trêmula.
— Como não? Nossa relação já esfriou há um tempo, e parece que só você não percebeu. Poxa, também não está sendo fácil para mim colocar um ponto final... mas é necessário — admitiu.
Meu corpo ficou estremecido e o desespero invadiu meu semblante. Foi tanto acúmulo de mágoa que provocou um borrão nos meus olhos.
— Não é justo o que você está fazendo comigo — murmurei.
— Pera aí, não é justo o que você está fazendo comigo! — retrucou. — Eu não quero te encher de planos e sonhos, pois sei que nada disso vai acontecer.
Não suportei o peso dessas palavras e desatei a chorar. Ele ficou em silêncio, esperando que eu me acalmasse.
— Se você quer assim, então tudo bem. — Funguei e limpei meus olhos com a manga do pijama.
— É o melhor para nós dois, assim não ficamos machucados. — Ele suspirou. — Enfim, foi bom enquanto durou. Saiba que te desejo tudo de bom... eu só quero te ver feliz.
Reuni o resto de força que tinha nas cordas vocais.
— Obrigada por esses dez meses, eu fui muito feliz ao seu lado. E sucesso na nova fase da sua vida — respondi com a voz embargada.
Pelo ritmo da sua respiração, percebi que ele também estava imerso na nossa tempestade. Sem sucesso de retomar a conversa, o som da ligação desconectada manifestou os abalos ininterruptos da minha estrutura enfraquecida.
Os segundos terminavam de torturar a única parte intacta. E quando não havia mais sustento, tudo foi ao chão. E o que eu mais temia aconteceu. A destruição. Após as nuvens de poeira abaixarem, pude contemplar o enorme estrago: nossas promessas despedaçadas, os momentos retorcidos e as expectativas desbotadas. No mesmo instante, meu coração aquietou a sinfonia romântica, dando lugar ao silêncio melancólico.
E aquela imagem se tornou o meu maior pesadelo. Os escombros.
Notas da autora: É, Alana, o desapego dói.
Ah, essa fase do coração partido. Confesso que fiquei entristecida de escrever esse capítulo.
Nossa protagonista vai precisar de muita ajuda.
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