Capítulo 1

O sol, preguiçoso, dava tréguas à única corajosa que decidira atravessar o deserto àquelas horas da manhã. Não obstante sua força interior, Priya não negava o cansaço que lhe espicaçava os músculos. Ela sabia que a moradia remota da família real, agora reduzida a um único membro, era estratégica. As casas altas e modernas do povo circundavam-na num longo raio, escudando o núcleo do reino de possíveis invasões. O clima árido servia apenas como mais um obstáculo a acrescentar às câmeras de vigilância e ao muro de guardas em torno do reino. A segurança de Hazelash era o maior orgulho de um povo que se regia pelas leis da ciência.

Por um segundo, Priya permitiu-se apreciar a beleza única da mansão revestida a ouro que deixara, há muito, de ser apenas um ponto insignificante no horizonte. O cenário seria quase idílico, não fossem os guardas munidos de armas até aos dentes a se meterem no meio do caminho. Uma verdadeira infestação de formigas tontas! Da direita para a esquerda. Da esquerda para a direita. Ainda assim, eles não foram um problema, cedendo passagem à primeira candidata a assessora do rei. 

Raiden deslizava os ficheiros no ecrã tátil. O sorriso no rosto e o corpo afundado confortavelmente na poltrona denunciavam a leveza do espírito. Por três dias, ele tivera o aborrecido conselho científico de Hazelash lhe calcando os pés. Porém, a partir daquele momento, a tortura teria um fim.

‒ Seja bem-vinda ‒ declarou o rei assim que dois olhos escuros espreitaram por entre a fresta da porta deslizante.

‒ Agradecida, majestade.

Priya curvou o corpo numa vénia subtil. Os longos cabelos escorregaram como seda na frente do rosto, encobrindo-o parcialmente. Ainda assim, seus traços delicados, pincelados num tom de amêndoa, sobressaiam na moldura escura.

‒ Qual o seu nome?

‒ Priya ‒ falou decidida. Os olhos aguçados pelo traçado negro fixavam o soberano. ‒ Estou aqui para me candidatar à vaga...

‒ Está contratada ‒ declarou Raiden, interrompendo a moça.

‒ Mas... ‒ Priya hesitou, analisando o rei por um momento. O jovem parecia calmo, como se tivesse acabado de decidir o que tomar para o café da manhã. ‒ Você não vai perguntar nada? Você não quer nem que dance para você ou que pisque o olho? ‒ ironizou, sem conseguir esconder a indignação que sentia. Ela gostava de desafios e aquilo estava a ser demasiado fácil.

‒ Dançar. Isso!

O rei fechou as mãos uma na outra, alicerçando os cotovelos na superfície dura da mesa. Por muito que Priya quisesse acreditar que ele estava zombando dela, não havia margem para dúvida. O soberano estava aguardando a prometida dança. E, se ele queria que ela dançasse, ela dançaria.

De queixo erguido no ar, sem se deixar intimidar, Priya começou ondulando os braços na frente do rosto segundo a batida de uma música silenciosa. O resto do corpo seguiu facilmente o exemplo, sem movimentos expansivos. Era o balançar de uma brisa num dia radioso de sol. A adolescente, quase a roçar a idade adulta, transbordava de uma sensualidade inegável.

‒ Viu, a escolha perfeita ‒ disse Raiden. 

O monarca desviou o olhar, fingindo um súbito interesse no ecrã plasma à sua frente. Não estava arrependido, ele nunca ficava. Mas a situação caricata não era fácil de engolir para alguém que não estava muito habituado a lidar com pessoas. Máquinas, era isso a que ele estava acostumado. Até os criados que o serviam se tratavam de robots. Altamente competentes, mas, ainda assim, robots.

‒ Imagina se você me tivesse visto cantando ‒ Priya gracejou, mas logo enrijeceu no lugar ao se recordar com quem estava falando.

‒ Algo me diz que nos vamos dar bem.

Os dois adolescentes sorriram cúmplices. Para o bem ou para o mal, eles fariam aquela travessia juntos a partir de então. 


635 palavras

Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top