Capítulo Trinta e Seis - Sebastian

Uma semana depois

EU ESTAVA DEBRUÇADO SOBRE A mesinha circular da sacada quando alguém tapou as lentes dos meus óculos. Sorri ao sentir o toque macio daquelas mãos nas minhas bochechas e me virei para Penelope.

"Está ficando muito bom o seu desenho", ela disse, se inclinando para observar a folha de papel em que eu trabalhava. Não resisti a vontade de esconder o rosto na dobra do seu pescoço, sentindo seu cheiro doce e familiar. Ela não podia ficar tão perto daquele jeito e esperar que eu não a tocasse.

"Você gostou?", murmurei.

"É lindo."

Lancei um olhar para a paisagem retratada no papel. Era uma visão parecida com a que eu tinha tido quando olhei pela janela do avião antes de me jogar de lá de cima. Aquilo tinha acontecido há algumas semanas, mas tanta coisa tinha acontecido desde então que mais parecia uma vida inteira.

"Decidi desenhar de uma vez antes que eu acabasse me esquecendo dos detalhes da paisagem estando lá em cima", contei para ela. "Quando olhei para baixo naquele dia achei que iria morrer, mas agora me lembrar de tudo traz uma paz esquisita."

"Eu me sinto mais ou menos assim também."

Ela puxou uma cadeira e se sentou perto de mim. Lá embaixo, nos jardins, vi Matilde Beverley andar de mãos dadas com o Sr. Hooper. Eles estavam bem próximos um do outro e ela riu de algo que ele disse. Estreitei mais os olhos e vi Margot estirada em um banco próximo, os espiando por cima de um livro aberto. Ela abaixou a capa um pouquinho e eu a vi soltar uma risada satisfeita, aparentemente muito feliz consigo mesma por ter sido a responsável por unir aqueles dois.

"Tia Matilde não vai voltar para Lyria no domingo", Penelope disse de repente ao perceber que eu estava olhando para o casal mais velho. "Parece que Thomas a convidou para uma viagem nas montanhas. Não é incrível? Nunca pensei que a veria apaixonada!"

"O amor chega para todos", comentei, puxando um traço de uma das nuvens do meu desenho. "Mais cedo ou mais tarde."

"Acho que você está certo. Seja como for, estou feliz por ela. Conversei com Thomas esses dias e ele pareceu ser um cara legal. Não que eu esperasse menos, para ser sincera. Tem de ser alguém muito especial para derreter toda a muralha de gelo que tia Matilde parece erguer em volta dela."

Eu não respondi, meus pensamentos já estavam longe.

O verão estava acabando e Penelope parecia estar partindo com ele. Ela tinha comentado há alguns dias que a data do seu voo seria no domingo, mas nós não tocamos mais no assunto desde então. Preferia ignorar o fato de que ela estava indo embora o máximo que pudesse, por mais que aquilo acabasse se mostrando inútil.

Eu olhei para ela e meu coração apertou. Seria muito estranho tê-la longe agora que tinha me acostumado tanto com a sua presença. Eu sabia que acabaria superando, que conseguiria me virar mais cedo ou mais tarde com aquele sentimento que parecia rasgar meu peito sempre que pensava em Penelope longe de mim, mas a verdade é que eu não queria nada daquilo.

Nos últimos dias Penelope e eu não nos preocupamos em esconder que estávamos juntos. E não foi como se alguém ficasse realmente surpreso com aquilo. Até Layla, que tinha ido embora há alguns dias com Steven e Eloise e costuma ser mais discreta, tinha desejado em alto e bom som que Penelope entrasse logo para a família. É claro que eu quis me esconder em um buraco quando ouvi aquilo, mas Penelope não pareceu nem um pouco envergonhada e deu de ombros diante da ideia, com um sorriso no rosto. Eu ainda não tinha perguntado a ela o que aquilo significara. Não tinha perguntado como as coisas seriam entre nós dali para frente.

"Penny", eu disse de repente, antes que perdesse a coragem. "Eu sei que esse é um assunto chato, mas eu queria... Bom, eu queria entender como as coisas vão funcionar entre nós depois que você for embora."

As palavras provocaram uma dor incômoda no meu peito. Olhei para o rosto de Penelope, para aquelas sardas que mais pareciam constelações e que agora estavam gravadas para sempre na minha memória. Olhei para aqueles olhos azuis que quando estavam voltados para mim me fazia sentir o cara mais sortudo do mundo. Talvez eu estivesse um pouco equivocado, mas não achava que pudesse existir alguém mais tolamente apaixonado que eu naquele momento.

Era estranho o modo como aquilo já não tinha mais a capacidade de me assustar.

Penelope acariciou minha bochecha e afastou uma mecha do meu cabelo dos olhos. Ela estava sorrindo, como se não estivesse nem um pouco preocupada com o que eu tinha acabado de dizer.

"Você acha que a distância mudaria algo entre a gente?"

Eu engoli em seco sem saber o que falar, mas então algo me ocorreu e eu segurei com força os braços da minha cadeira. "Então você...", eu hesitei, "você gostaria que continuássemos juntos?"

Penny soltou uma risada e revirou os olhos.

"Eu pensei que nós já estávamos em um relacionamento desde o dia em que te beijei depois de pular de um avião."

"Eu também", falei me sentindo nervoso e patético, mexendo nos óculos sem parar daquele jeito. Não conseguia evitar. "Eu só... Só pensei que..."

"Não precisa falar nada. Eu entendo."

Eu soltei um suspiro, apreciando o alívio que me invadiu de repente.

Nunca esperei que a partir do momento que Penelope entrasse em um avião tudo o que tinha acontecido entre a gente ficasse no passado, só como algo que tinha acontecido no verão. Não. Eu sabia que ela não era daquele jeito e confiava o bastante nos nossos sentimentos para saber que aquilo que tínhamos era muito mais do que algo passageiro.

Penelope tinha me tirado de um lugar muito ruim, um lugar para onde eu não queria voltar, e eu não podia me sentir mais grato por ela.

Sua chegada mudou tanta coisa que eu nem sei se um dia serei capaz de explicar com palavras o quanto ela transformou quem eu era. Depois de Giulia eu pensei que nunca mais confiaria no meu próprio coração e julgamento para me apaixonar de novo. Pensei que não merecia nada daquilo e que ninguém nunca iria me querer de verdade sendo quem eu era. Então Penelope chegou de surpresa, afastou meus medos sem se preocupar e derrubou todas as defesas que eu tinha erguido em uma tentativa falha de me proteger. Ela me olhou sem pena ou compaixão. Penelope tinha me feito ter fé no mundo e nas pessoas de novo.

Aquela garota tinha me salvado de mim mesmo e me tornara mais forte. Por isso sabia que se ela fosse embora, que se o que havia entre nós desvanecesse, eu ficaria mal, mas não a ponto de desmoronar por sua causa.

Se havia uma coisa que Penelope tinha me ensinado, essa coisa era que eu não devia me afogar em autopiedade. Minha cadeira de rodas não dizia quase nada sobre mim e eu não precisava viver de migalhas. Eu merecia muito, mas só não sabia se a merecia também. Mas não que isso fosse um problema só meu. Sempre achei Penelope boa demais para o resto do mundo.

"Sebastian, por mim a distância não mudaria nada entre a gente", ela disse naquele momento, chamando a minha atenção. "Eu gosto demais de você pare deixar com que alguns quilômetros estraguem isso."

"Então..."

"Mas", ela continuou, colocando um dedo sobre os meus lábios para que eu ficasse em silêncio. Penelope sorriu para mim. "Acho que não vamos ter que ficar supondo como seria se eu fosse mesmo voltar permanentemente para Lyria no domingo."

Eu pisquei, tentando entender o que ela tinha dito. Como assim se ela fosse voltar? O que aquilo...

"Sabe, agora eu já ia te deixar falar", ela brincou.

"Você vai ficar?!", eu disse, e senti meu rosto corar com o tom meio histérico da minha voz. Pigarreei. "O que eu quero dizer é..."

"Eu andei pensando muito nos últimos dias", ela disse, antes que eu terminasse. "Sobre o que eu quero para a minha vida, sobre o que eu quero deixar para o mundo..." Ela encolheu os ombros e pareceu meio envergonhada. "Na verdade esse era um dos motivos pelos quais eu vim para Arthenia a princípio. Estava procurando um caminho."

"E você o encontrou?"

Penny ergueu os olhos azuis para mim e sorriu de lado.

"Ainda não sei muito bem, mas depois de tudo o que aconteceu com Damien, eu comecei a pensar em todas as outras mulheres que assim como eu viveram ou estão vivendo um relacionamento abusivo. Eu tive toda a ajuda do mundo quando Damien foi pego na casa da colina, Sebastian. Agora ele está proibido de se aproximar de mim, mas até mesmo antes disso eu tive a oportunidade de sair da minha casa e tentar me refugiar do outro lado do país! Mas e quanto as outras mulheres que não têm oportunidades parecidas? Aquelas que têm suas vozes caladas todos os dias por um tapa ou coisa pior?" Penelope estremeceu e eu desejei puxá-la para um abraço, determinado a gastar todo o tempo do mundo para afastar aquela tristeza dos olhos dela. "Eu pesquisei muito nesses últimos dias, conversei com uma porção de pessoas e acho que sei o que eu quero fazer. Essa ideia... Não consigo tirá-la por nada da minha cabeça e sei que daria meu sangue para fazer isso dar certo."

"E o que é?", perguntei.

"Quero construir abrigos para onde mulheres que estão sendo perseguidas ou que são vítimas de violência doméstica podem ir e ficarem protegidas", ela disse, e naquele momento vi seus olhos brilharem com um furor impressionante. "Muitas mulheres continuam nas casas dos maridos ou dos parceiros porque não têm condições para fugir disso ou não possuem um lugar seguro para onde ir. Por isso elas continuam ao lado deles, por simplesmente não terem escolha a não ser aguentar tudo quietas e sendo ameaçadas. Pensei em começar aqui, em Arthenia. Seria uma casa enorme, segura e confortável, para onde qualquer mulher desamparada poderia correr e pedir asilo. Assim que elas estivessem a salvo, nós acionaríamos a polícia e garantiríamos que o caso fosse tratado com a atenção que merece." Penelope parou por um instante, olhando para mim como se procurasse sinais do que eu estava achando de tudo aquilo no meu rosto. "O que você acha? Entendo se pensar que estou sendo fantasiosa demais e que isso não vai dar certo. Eu mesma fiquei surpresa quando cheguei à conclusão que..."

"Sabe o que eu estou pensando, Penelope?", falei, a interrompendo sem culpa. "Que você é uma pessoa maravilhosa demais para ser verdade. Quando penso que não pode ser mais perfeita, você vai lá e prova o contrário."

Penelope soltou uma risada e balançou a cabeça, as bochechas coradas de um jeito que só a deixava mais linda.

"Eu não sou perfeita. Ninguém é."

Eu sabia que aquilo era verdade, mas no momento não me importava nem um pouco. Para mim ela era perfeita e ponto.

"Estou muito orgulhoso de você, Penny", eu disse. "Essa é uma ideia maravilhosa e ajudaria tantas pessoas... Se precisar de ajuda, qualquer que seja, pode contar comigo."

Ela não disse nada, ao invés disso jogou os braços ao redor do meu pescoço e me beijou de um jeito que me fez desaprender a respirar por alguns segundos. Quando ela se afastou rindo, seu rosto estava iluminado como a luz do sol.

"Eu vou para Lyria por alguns dias só para ajeitar umas coisas e depois volto para Arthenia. Meu pai e Sam me apoiaram completamente nessa ideia e eu pretendo alugar um apartamento para mim na cidade. Já pensei em tudo, Seb! Vou dar aulas de piano para conseguir um dinheirinho só meu enquanto o abrigo não fica pronto. Daqui a duas semanas vou olhar alguns terrenos e decidir mais algumas coisas, mas meu pai me disse que até o início do ano que vem já vou poder receber muitas pessoas. Eu estou tão animada! Acho que nunca me senti assim antes. Sempre que penso sobre isso é como se eu não conseguisse mais falar de outra coisa e..." Ela olhou para mim e abriu um sorrisinho brincalhão. "Acho que você já deve ter percebido isso, né?"

"Posso te escutar falando pelo resto da vida sem ficar cansado, Penny", disse. "Eu amo a sua capacidade de despejar tantas palavras sem perder o ar."

"E eu amo você."

Eu a segurei nos meus braços com mais força, de repente sentindo como se o mundo congelasse e nada pudesse ser ouvido além das nossas respirações entrelaçadas no ar.

Penny me olhou com uma intensidade que me desarmou por completo. E então eu soube... Soube que minha vida nunca mais seria a mesma. Porque Penelope Beverley me amava e aquela devia ser uma das melhores coisas que já tinham me acontecido.

"Eu te amo", disse em resposta, e vi quando Penny relaxou nos meus braços. O que ela pensava? Que eu não fosse dizer também? "Eu te amo muito e não poderia ser mais grato ao meu pai por ter te convidado a passar o verão aqui quando tudo o que eu queria era um pouco de paz e sossego."

Penny riu e ergueu as sobrancelhas para mim.

"E eu não te dei isso, não é?"

"Por Deus, nem por um segundo." Ela gargalhou e eu segurei seu rosto com as duas mãos, afastando uma mecha de cabelo ruivo. "E nada no mundo poderia me deixar mais feliz, Penny."

Eu a beijei e soube no mesmo instante que tudo estava bem. Naquele momento éramos imortais e estávamos no controle de tudo. Eu sabia que a vida não era fácil e que provavelmente ela me derrubaria mais um punhado de vezes, mas eu também sabia que com as pessoas certas ao meu lado, com Penny ao meu lado, seria bem mais fácil me levantar.

Penelope pulou para o meu colo e sorriu para mim daquele jeito travesso enquanto balançava as pernas no ar.

"Você ainda não me levou para dar uma voltinha na sua cadeira."

"A gente pode dar um jeito nisso agora mesmo."

Ela riu e eu depositei um beijo em sua testa.

Era bom não ter mais raiva de mim pelas coisas que eu não podia controlar. Quem diria que amar outra pessoa acabaria me fazendo amar a mim mesmo também? Olhei para Penny e soube que não havia limites para nós dois. Não havia limites para mim.

Levei Penelope para dentro do castelo e meu desenho ficou em cima da mesinha, onde acabei buscando-o mais tarde. Quando olhei para as nuvens de traços suaves e para a paisagem dos campos lá embaixo, percebi que a sensação que tinha experimentado quando pulei do avião era muito parecida com a sensação de ter alguém como Penelope ao meu lado.

Um pouco assustador, sem sombra de dúvidas excitante, mas muito mais que isso: libertador.

Sábado

Pai,

Sei que ninguém escreve cartas hoje em dia, mas eu não queria te mandar uma mensagem e sei que não vou me encontrar com o senhor antes do voo para Lyria amanhã de manhã, então vai ter que ser assim mesmo.

Só queria que o senhor soubesse que seu plano deu mais que certo (não que essa seja uma grande novidade). Se sua intenção era que Penelope Beverley alegrasse meu espírito e me desse um pouquinho da vontade de viver que me faltava meses antes, posso dizer que conseguiu muito mais que isso. Talvez o eu do início de junho torcesse o nariz para a ideia de admitir que o senhor estava certo o tempo todo, mas o que eu posso fazer? Devia ter confiado na sua sabedoria e não ter me zangado tanto com os seus... esquemas, por assim dizer.

Sinto muito por toda a preocupação que devo ter te feito passar nos meses depois do meu término com Giulia. A situação entre nós dois foi muito conturbada, mas agora tudo isso pertence ao passado. Só queria que o senhor soubesse que me sinto muito grato por tê-lo como pai e posso dizer que Steven e Margot sentem o mesmo.

Sei que os dois anos depois do meu acidente foram complicados para o senhor e que não ficamos tão próximos durante aquele tempo, mas pai, você vem compensando isso a cada dia desde então. Penelope me fez perceber muitas coisas, uma delas – e acho que a mais importante – é sobre como eu não mereço menos de ninguém por estar em uma cadeira de rodas. Sei que o senhor e meus irmãos tentaram me convencer disso a vida toda, mas acho que eu precisava de uma ajudinha externa para abrir os olhos.

Obrigado por nunca desistir de mim. Sei que não falo isso o tempo todo, mas eu te amo e tenho certeza que onde quer que a mamãe esteja ela está muito orgulhosa de tudo o que o senhor tem feito por mim e pelos meus irmãos.

Até semana que vem,

Sebastian.

P.S:. Peça para Margot ficar longe do meu quarto enquanto eu estiver fora. Ela vive estragando o meu material de desenho.

______________________❤️__________________


Não sei se meu coração está doendo ou pulsando de alegria. Estou um pouco emocionada e acho que satisfeita por toda a jornada do livro ter trazido os personagens até esse ponto.

Tô emotiva, fazer o quê?

Por favor, me falem o que acharam do livro e do capítulo!! Estou muito ansiosa e não via a hora de finalmente liberar o último capítulo para vocês.

Espero do fundo do coração que tenham gostado. O mais breve possível eu posto o epílogo, por isso segurem o coração.

Muitos beijos e obrigada por tudo.

Com amor,
Ceci.

Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top