Capítulo Trinta e Dois - Sebastian
EU NÃO TINHA IDEIA DO que fazer.
Quarenta e oito horas depois de tudo o que tinha acontecido em Arthenia, Penelope ainda estava no quarto e se recusava a falar com qualquer um.
Apesar de estar preocupado com ela, de querer colocar aquela porta abaixo e fazer qualquer coisa para deixá-la feliz de novo, a verdade é que eu não sabia se estava pronto para encará-la.
Quanto mais pensava em tudo o que tinha acontecido, mais inacreditável toda a situação parecia.
Penelope era meia-irmã de Giulia, da garota que até pouco tempo atrás tinha tornado a minha vida um inferno e que levou um tempo excruciantemente logo para sair da minha cabeça e do meu coração. Aquilo não tinha que significar nada para mim. Não devia significar. Mas, então, por que eu não sabia como agir? Por que não conseguia ir até lá e falar com Penelope?
"Sebastian?", ergui os olhos do livro que tentava ler sem sucesso. Pelas minhas contas, devia ser a décima vez que relia o mesmo parágrafo e não entendia nada. Vi meu pai entrar na biblioteca devagar, me olhando com as sobrancelhas franzidas.
Naquele instante experimentei um déjà-vu que me deixou tonto.
Aquela cena era muito parecida com uma de semanas atrás, quando meu pai apareceu de repente para avisar que teríamos visitantes no castelo depois de bastante tempo.
Tanta coisa tinha mudado desde então... Às vezes sentia como se eu também tivesse mudado de certa maneira.
"Estou preocupado com Penelope", meu pai disse sem rodeios. Ele se sentou num sofá de frente para mim e cruzou as mãos. "Charles me ligou e disse que está vindo para cá amanhã. Falou que queria ter chegado ontem, mas que não conseguiu cancelar alguns compromissos importantes. Você sabe o que aconteceu?"
Eu engoli em seco e deixei o livro de lado, sem saber ao certo o que dizer.
"Problemas familiares", disse por fim. "Não tem a ver com a gente."
"Então por que você parece tão preocupado?"
Eu olhei para o meu pai e reprimi um suspiro pesado.
Ele vinha ficando muito bom naquela coisa de entender como as pessoas se sentem.
"É que eu... Bom, na verdade eu meio que estou envolvido na história." Desviei os olhos e tive que me segurar para não soltar uma risada irônica. Sério que de todas as garotas do mundo, eu tinha mesmo que ter me envolvido com a irmã de Penelope? É claro que eu não tinha como saber na época, nem mesmo quando nos conhecemos, mas mesmo assim não dava para não ficar um pouco encabulado com o senso de humor cruel do destino.
"É mesmo?", ouvi meu pai dizer.
"É." Mexi nos meus óculos e suspirei, exasperado. "E eu também estou preocupado com ela. Com Penelope. Ela não sai do quarto e não fala com ninguém. Isso está me deixando maluco."
Ninguém disse mais nada. A biblioteca mergulhou em silêncio por tanto tempo que não aguentei e tive de olhar para ele. Meu pai me encarava com serenidade.
"Já tentou falar com ela?"
Eu já ia abrir a boca para dizer que sim, mas fiquei quieto.
Aquilo não era verdade.
Eu não tinha tentado falar com Penelope porque... Bem, porque estava com medo.
E sim, talvez eu fosse um covarde por causa daquilo. Um dos grandes. Mas toda vez que pensava nela eu me lembrava de que Giulia era sua irmã, e de que meu relacionamento com Giulia tinha seguido por um caminho destrutivo demais.
E eu sabia que Penelope não era como a irmã. Nunca, nem em mil anos, elas seriam parecidas. Mas também não conseguia deixar de me perguntar que se as coisas entre Penelope e eu se tornassem sérias em algum momento, no futuro ela não acabaria percebendo que talvez estar comigo não a satisfaria por completo.
Me arrependi dos pensamentos assim que eles vieram, mas já era tarde demais.
Apesar de aquela mesma preocupação ter me ocorrido no litoral, quando Penelope e eu passávamos juntos o que sem sombra de dúvidas seriam os melhores dias da minha vida em muito tempo, aquele medo parecia ter se tornado mais forte quando descobri sobre a ligação dela com Giulia.
E aquilo não era certo. Não podia ser.
Eu devo ter suspirado de novo, porque ouvi meu pai dizer:
"Relacionamentos, em sua maioria, dão muita dor de cabeça, não é?"
"Penelope e eu...", tentei negar, mas meu pai já tinha se levantado, como se nem tivesse me ouvido.
"Sabe, Sebastian, eu dei um conselho parecido para Steven uma vez. Pensei que não precisaria passar por uma situação dessas de novo, mas vejo que meus filhos têm um gosto peculiar pelo sofrimento quando é plenamente possível acabar com ele de uma vez." Então ele se virou para mim, os olhos claros que eu não tinha herdado cintilando. "Eu não sei qual é a situação entre vocês, mas se você se importa com ela, não a deixe sofrer sozinha. E pare de negar para si mesmo todas as coisas boas que merece. Se você a quer, por Cristo, faça alguma coisa."
"É complicado", foi tudo o que consegui dizer. "A situação entre a gente..." Eu engoli em seco e tentei mascarar a vergonha. "Eu gosto dela. Gosto muito. E acho que, talvez, ela sinta o mesmo por mim. Quero dizer isso a ela. Quero que tornemos tudo isso sério se ela quiser também. Mas eu... O senhor sabe. E se ela acabar se arrependendo? E se perceber que eu não sou o suficiente?"
E se ela for embora pelo mesmo motivo que Giulia foi? A última pergunta ecoou na minha mente.
Odiei ver a tristeza que surgiu nos olhos do meu pai. Era a mesma tristeza que me acometia certas vezes. Por isso não gostava de me lamentar para ele ou qualquer outra pessoa. Odiava saber que poderia causar qualquer sentimento ruim na minha família.
Porém, antes que meu pai respondesse qualquer coisa, ouvi um baque e gritinhos muito finos e estridentes soarem nos meus ouvidos.
Quando olhei na direção das grandes portas duplas da sala, vi um amontoado de pernas e braços no chão da biblioteca.
"Margot, eu disse para você não se apoiar na maçaneta!", Isabel resmungou, enquanto tentava tirar a perna da minha irmã de cima da sua barriga.
"Como você queria que eu ouvisse alguma coisa se você estava ocupado quase o espaço todo? Precisei chegar mais perto!"
Eu olhei para as duas, encabulado. Meu pai que estava obviamente se divertindo com a situação tossiu e tentou disfarçar.
"Vocês não têm nada da vida para fazer, não?", perguntei quando Margot e minha fisioterapeuta se ergueram do chão. Isabel pelo menos pareceu ficar envergonhada.
"Ou escutamos atrás da porta ou você não nos conta nada!", Margot disse cruzando os braços na frente do peito e olhando irritada para mim. "Eu queria saber o que estava acontecendo com Penelope e Isabel queria saber por que você dispensou a sessão de fisioterapia de hoje e pareceu tão chateado ao telefone. Então nós nos unimos em prol de um objetivo em comum."
Eu estreitei os olhos para elas e me voltei para o meu pai.
"Você sabia que elas estavam espiando?"
"Não fazia ideia."
Não acreditei nem em meia palavra dele.
"Bom, mas agora que já estamos aqui mesmo..." Isabel afastou um cacho do cabelo afro da testa e veio na minha direção, os olhos gentis que eu conhecia há tantos anos me analisando com cuidado. "Seb, eu ouvi o que você disse sobre Penelope e acho que está sendo ridículo."
"Em primeiro lugar", interviu Margot, se aproximando também e me olhando de soslaio. "Agora que todo mundo já sabe oficialmente que você e Penny gostam um do outro, tenho permissão para te encher o saco?"
Tanto Isabel quanto eu lançamos um olhar mortífero para ela, que apenas deu de ombros e fez um bico.
"Tá bom, não tá mais aqui quem falou."
Pelo canto do olho vi meu pai se esgueirar para fora da biblioteca.
Ele não podia estar pensando em me deixar sozinho ali com aquelas duas!
Mas então ele fez uma coisa bem atípica dele. Sorriu de lado para mim e assentiu levemente com a cabeça. Soube então que o que ele precisava dizer para mim já tinha sido dito. Pelo jeito ele só estava esperando para ver se eu iria escutá-lo ou não.
Naquele instante ouvi Margot sussurrar alguma coisa e se ajoelhar ao meu lado. Isabel fez o mesmo, segurando meu braço em um gesto reconfortante.
"Escuta, cabeção", minha irmã disse em um tom sério, que tornava impossível não prestar atenção nela. "Você não devia ter esses medos em relação à Penelope. Ela não é assim. Eu sei disso."
"Margot está certa, Sebastian", reforçou Isabel. "Você tem que parar de se sentir tão inferior às outras pessoas. Você não é melhor nem pior do que ninguém por estar em uma cadeira de rodas."
Eu abri a boca para falar, mas Margot me interrompeu antes que eu tivesse a chance.
"E nós sabemos que nem todas as pessoas pensam do mesmo jeito", ela disse, como se lesse os meus pensamentos. Àquela altura eu já devia ter me acostumado com aquilo, mas mesmo depois de tantos anos eu não deixava de me espantar com a facilidade com que Margot e eu conseguíamos ler um ao outro. "Mas, Sebastian, essas pessoas não valem a pena. Simples assim. Por isso não deve se sentir mal por causa delas."
"A vida é curta demais para sentir pena de si mesmo. E você não tem motivo nenhum para isso", Isabel falou.
Eu engoli em seco, absorvendo as palavras.
Elas estavam certas. Certas sobre Penelope, sobre como eu devia me sentir e a respeito de tudo praticamente. Talvez se os homens ouvissem mais as mulheres, o mundo fosse um lugar bem melhor àquela altura do campeonato.
Eu olhei para elas, grato pelas palavras. Mas ainda assim tinha toda a questão com Giulia.
"Olha, Sebastian, Penelope está passando por algum momento muito difícil", ouvi Margot dizer, e as palavras fizeram com que um nó se instalasse na minha garganta. "Eu não sei o que é e acho que não posso ajudar, mas você pode. Então, pelo amor de Deus, vá falar com ela. Já parou para pensar que talvez ela esteja se sentindo abandonada por você agora?"
"Eu... Não quero piorar tudo."
Minha irmã bufou e Isabel revirou os olhos.
"Só de ficar aqui parado, você já está piorando", minha fisioterapeuta disse. "O que é que os garotos têm na cabeça, hein?"
"Seja o que for que tenha acontecido, fique ao lado dela. Ou pelo menos se ofereça para isso", Margot continuou. "Não seja insensível."
Eu fiquei em silêncio, pensando.
Talvez fosse difícil encarar Penelope depois do que tinha acontecido, depois do que ela tinha descoberto, mas eu precisava tentar.
Não podia me esconder dela para sempre. E também não era como se eu conseguisse fazer aquilo, de todo modo. Toda vez que ela invadia os meus pensamentos – o que acontecia com certa frequência, tenho de admitir – eu me sentia como um menino apaixonado da sexta série de novo.
O que não era pouca coisa.
Aquela garota tinha me feito tão feliz... Tinha me feito questionar tanta coisa e me entregar de um jeito que nunca tinha imaginado ser capaz.
E eu não queria que tudo aquilo acabasse. Nem por Giulia, nem por ninguém.
Devagar, mas com firmeza, eu assenti. No mesmo instante meu coração disparou no peito.
Eu era mesmo um bobalhão apaixonado. E não estava nem aí.
"Vou falar com ela", anunciei, e Margot abriu um sorriso convencido enquanto Isabel batia palmas, me abraçando por um breve momento.
"Não faz mais que a sua obrigação", ouvi minha irmã gêmea sussurrar, e a cutuquei com o cotovelo.
Então eu guiei minha cadeira na direção das portas da biblioteca, mas antes de atravessá-las me virei para Margot e Isabel.
"Obrigado", murmurei meio sem graça.
As duas trocaram um olhar cúmplice e reviraram os olhos no mesmo instante, mas estavam sorrindo para mim.
"O que seria de você sem nós, não é?", Margot falou, soltando um bocejo.
"Vai logo!", Isabel exclamou, impaciente.
Então eu saí da biblioteca, sentindo minha barriga gelada provocar uma sensação bem parecida com aquela que tinha experimentado quando pulei do avião, seguindo Penelope em um voo inesquecível.
Eu só esperava que elaquisesse falar comigo. E que, acima de tudo, me deixasse ajudá-la da melhor maneira que pudesse.
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Oii gente!
Não estava planejando postar esse capítulo hoje, mas graças ao clube de escrita lá do Telegram ele acabou saindo <3 (inclusive quem for escritor e quiser entrar é só me avisar!)
Mas então, o que vocês acharam? O livro está na reta final e falta quatro capítulos mais o epílogo para a história finalizar, então fiquem ligados para não perder nenhuma atualização!
Muitos beijos e até breve,
Ceci.
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