Capítulo Trinta e Cinco - Penelope
"PENELOPE!" EU ME MEXI DE leve, ouvindo meu nome ser chamado do que parecia ser um poço muito, muito profundo. "Penny, eu... Mas que merda é essa?!"
Me sentei na cama em um pulo, piscando depressa para tentar me adaptar à claridade do quarto. Olhei para a porta e vi um Sam muito incrédulo parado como uma estátua, os olhos fixos em um ponto à minha direita. O meu irmão mais velho estava mesmo no palácio, ou eu só estava mergulhada em um sonho esquisito?
"Mas o quê...", uma voz rouca disse ao meu lado, e naquele instante eu quis morrer. Não era um sonho. Estava mais para pesadelo.
"Sam!", exclamei, olhando do meu irmão para Sebastian que ainda estava deitado do meu lado na cama, parecendo atordoado. Graças a todos os anjos e santos do céu nós dois estávamos vestidos. "Sam, some daqui!"
Meu irmão não precisou ouvir duas vezes. Ele girou nos calcanhares e fechou a porta, mas não sem antes lançar um olhar mortífero para Sebastian, que tateava a mesa de cabeceira em busca de seus óculos.
"Estou te esperando aqui fora!", eu o ouvi dizer, e não soube se estava se referindo a mim ou a Sebastian. "Você tem cinco minutos."
Eu apenas revirei os olhos e me virei para Sebastian, tentando me situar.
Ele tinha vindo para o meu quarto na noite anterior, depois de eu ter tido uma conversa com o rei e Margot e acalmado os nervos de tia Matilde, que estava perdida e não fazia ideia do que acontecera na casa da colina. Eu própria me sentia confusa, embora àquela altura já tivesse certeza de pelo menos uma coisa: meu ex-namorado maluco estava bem longe agora e eu acreditava que nunca mais precisaria vê-lo na vida.
"Eu vou ser assassinado pelo seu irmão", ouvi Sebastian sussurrar de repente, enquanto se sentava e tentava abotoar a camisa aberta. "Nunca pensei que morreria desse jeito. É ridículo."
Apesar do constrangimento do que tinha acabado de acontecer, eu soltei uma risada baixa. Era mesmo ridículo.
"Mas poderia ser pior", falei com um sorriso, olhando para o rosto de Sebastian e desejando ficar ali com ele por mais um bom tempo.
"Às vezes eu não gosto do seu otimismo."
Eu pulei da cama e fui até a janela, observando a pequena comoção de criados que parecia ter se acumulado perto de uma limusine do palácio. Pelo jeito minha família tinha acabado de chegar.
Sebastian estava se transferindo para a cadeira de rodas naquele momento. Assim que se acomodou ele olhou para mim com atenção.
"Como você está?"
"Bem melhor agora", disse com franqueza, dando a volta na cama para ficar perto dele. "Obrigada por... ter ficado aqui comigo."
Sebastian abriu um meio sorriso e coçou a cabeça. Ele estava tão lindo com o cabelo bagunçado e com a maior cara de sono que meu coração disparou.
"Não foi um grande esforço."
Eu nem corei, ao invés disso me inclinei e lhe dei um beijinho na bochecha. Sebastian começou a me puxar para mais perto, mas naquele instante a porta do meu quarto tremeu com as batidas insistentes de Sam.
"Estou esperando!"
Eu me afastei de Sebastian e vi a expressão desanimada no rosto dele.
"Sabe, eu conheço cada passagem secreta desse castelo. É uma pena que não tenha nenhuma aqui no seu quarto que possa me levar em segurança para o outro lado do mundo."
"Sam não é ameaçador, só tem pose de bravo."
"E ele não é capaz de socar um cara em uma cadeira de rodas, certo?"
"Provavelmente não."
"Nada é perfeito." Ele disse com um suspiro pesaroso, se dirigindo para a porta do quarto. Então ele parou e olhou para mim por sobre o ombro: "Te vejo mais tarde. Se precisar de qualquer coisa, pode me chamar."
Eu assenti, mas assim que ele saiu me senti um tanto insegura. Eu tinha muitas coisas para fazer naquele dia, coisas que eu já devia ter feito há séculos, e não sabia muito bem se conseguiria sozinha.
Quando Sebastian saiu, eu me troquei às pressas. Peguei qualquer coisa que encontrei no guarda-roupa e me vesti, passando rápido no banheiro para escovar os dentes e prender meu cabelo. Assim que sai do quarto, vi Sam escorado em uma das paredes do corredor.
Nem sinal de Sebastian.
Eu olhei para o meu irmão e cruzei os braços.
"Espero que você não o tenha espantado."
Sam deu de ombros, examinando as unhas com um ar entediado.
"Só fiz o meu trabalho de irmão mais velho."
"O de ser um completo paspalhão?"
"Paspalhão? Você não tem um xingamento melhor?"
"Não quando já usei todos os outros para te descrever pelo menos uma vez na vida."
"Sabe, eu senti a sua falta."
Eu dei de ombros.
"É. Eu também."
Nós nos olhamos e em poucos segundos Sam tinha atravessado a pequena distância que nos separava, me envolvendo em um abraço apertado.
"Eu vou matar Damien Hall", o ouvi sussurrar no meu ouvido, a voz tomada por um ódio mortal. "Juro que vou, Penny."
Eu apenas balancei a cabeça, lutando para não desmoronar de uma vez. Era muito bom estar perto de Sam de novo. Em seus braços, eu sentia como se nada pudesse me atingir.
"Não vale a pena", eu disse com a voz embargada. "Ele vai ter o que merece."
No dia anterior, depois que acalmei tia Matilde, o rei teve uma breve conversa comigo em seu escritório. Ele disse que tomaria todas as providências para fazer com que Damien não só pagasse pela invasão e todo o estrago que causou e que poderia ter causado na casa da colina, mas também pelo que eu poderia contar dele. E eu contei. Falei sobre as perseguições e o modo como ele estava me espionando há tempos. Carl Arthenia disse que precisaria que eu conversasse com um advogado e com mais algumas outras pessoas depois, e por mais que o que eu quisesse mesmo fosse deixar toda aquela história para trás, também queria justiça.
E eu a teria. Lutaria com unhas e dentes por aquilo não só por mim, mas pelas outras garotas que talvez um dia cruzassem o caminho de Damien se ele continuasse impune.
Sam então se afastou um pouquinho de mim, acariciando meu rosto de leve enquanto me olhava com atenção.
"Tanta coisa aconteceu enquanto você esteve aqui, Penny. Toda a situação com a sua mãe..." Ele suspirou e balançou a cabeça com força. "Não ache que eu não fiquei zangado com papai quando ele me contou tudo, porque eu fiquei. Quis vir direto para cá quando soube, mas ele estava preso no trabalho e queria que viéssemos juntos. Eu sinto muito por tudo o que teve de passar sozinha."
"Mas eu não estava sozinha", eu disse com veemência. "Tive muitas pessoas, Sam. Margot, Layla, Alexia..." Eu sorri ao me lembrar da prima da princesa. Ela e Lilian tinham partido no dia em que Sebastian e eu chegamos do litoral, e eu sabia que as duas já me consideravam uma boa amiga, assim como eu as considerava. "E tem Sebastian também..."
Sam ergueu uma sobrancelha para mim, mas havia um sorriso em seu rosto.
"É claro que tem."
Eu lhe dei um empurrãozinho e ele riu.
"Papai quer falar com você. Ele está lá embaixo conversando com o príncipe herdeiro e a esposa."
Eu assenti e engoli em seco, tentando não ficar nervosa. Era só o meu pai. Não devia ficar ansiosa só pela possibilidade de falar com ele. "Vou esperá-lo na biblioteca."
Sam assentiu e nós descemos um lance de escadas juntos, até seguirmos por caminhos diferentes um instante depois. Na biblioteca, eu me sentei ereta e tentei não pensar demais. Muita coisa tinha acontecido desde que eu deixara Lyria. De certa forma eu até me sentia como uma pessoa diferente. Me perguntei se meu pai perceberia aquilo, se ele pediria desculpas por tudo o que tinha acontecido sobre a minha mãe ou se...
Antes que eu conseguisse concluir meus pensamentos, as portas da biblioteca foram abertas e meu pai entrou apressado. Assim que olhei para ele percebi o quanto parecia cansado e abatido, com olheiras profundas embaixo dos olhos.
"Penny..." Ele me tomou em seus braços sem que eu nem percebesse. Por mais que eu estivesse cautelosa e sem saber direito como agir, cedi um pouquinho. Aqueles mesmos braços tinham sido o meu porto-seguro a minha vida inteira. "Me desculpe", ele disse de uma vez. "Por tudo."
Devagar nós nos sentamos no sofá. Percebi que meu pai estava com os olhos marejados, me encarando como se temesse que eu fosse uma miragem prestes a desaparecer diante de seus olhos.
"E-eu nem sei por onde começar", ele gaguejou, suas mãos tremiam no colo. "Ontem quando Carl me ligou eu quis vir no mesmo instante, mas ele me convenceu a esperar você se acalmar antes de aparecer aqui de repente. Eu já devia ter vindo antes por toda a situação com a sua... Você sabe. Eu..."
"Está tudo bem", eu disse de uma vez para tranquilizá-lo. "O importante é que o senhor veio."
Ele assentiu, então engoliu em seco e pareceu tentar se recompor. Quando voltou a me olhar, percebi que parecia furioso.
"Se depender de mim, Damien Hall passará muito tempo atrás das grades", ele disse. "Aquele moleque... Eu pensei que ele era um bom rapaz."
Eu neguei com a cabeça, soltando um suspiro pesado.
"Ele nunca foi. Pai..." Eu procurei pelas palavras certas, mas percebi que não conseguiria encontrá-las. Não naquela situação. Já tinha adiado aquela conversa por tempo demais, talvez fosse melhor só falar de uma vez. "Damien vem me perseguindo desde que nós terminamos. Enquanto estávamos juntos percebi o quanto ele era abusivo e controlador, mas mesmo depois que acabei com tudo ele não me deixou em paz." Engoli em seco. "Por isso que troquei meu número de celular tantas vezes nos últimos meses, por isso que não saia mais da nossa casa em Lyria. Damien estava em todo canto, me vigiando e tentando falar comigo. Eu estava muito assustada."
Meu pai me olhou sem piscar, parecendo chocado demais para dizer qualquer coisa. Ele tentou se recompor e segurou minhas mãos com força.
"Penny, eu não sabia. Não fazia ideia." Ele baixou os olhos e massageou a ponte do nariz, parecendo muito consternado. "Estive tão ocupado no trabalho, tão concentrado no meu próprio umbigo que..."
"Não", apressei-me a dizer. "Pai, eu não quis que o senhor percebesse. Me esforcei para esconder os sinais de todo mundo, tentei me convencer que tudo logo iria passar e que Damien me esqueceria. Não queria que o senhor soubesse."
"Mas... por quê?"
Ele tinha voltado a olhar para mim agora, os olhos claros um poço de confusão e incerteza.
"Porque não queria trazer nenhum problema para a sua vida. Não queria ser... um peso." Eu fechei os olhos por um instante. "Acabei percebendo que sempre me senti assim, pai, a vida toda. Nunca quis incomodar, nunca quis trazer problemas para o senhor ou para Sam. E agora, olhando para trás, acho que isso tem a ver com o fato de que sempre me senti abandonada pela minha mãe. Por isso nunca quis causar dor de cabeça."
"Filha, você nunca seria um peso para mim. A simples ideia de você sofrendo tanto sozinha acaba comigo."
Eu enxuguei uma lágrima que rolou pela minha bochecha e assenti. Quem me dera se eu tivesse me dado conta daquilo muito antes...
"Foi por tudo isso que eu também nunca contei sobre a vontade de conhecer a minha mãe. Eu via o quanto o senhor parecia incomodado ao falar dela, então quando cheguei a Arthenia decidi procurá-la por conta própria. Não queria machucar seus sentimentos."
"A situação com Amélia é minha culpa, Penny. Sou o responsável por tudo isso", meu pai disse, de repente parecendo muito mais velho e cansado. "Eu estava tão desesperado para te proteger que nem percebi que talvez aquilo só estivesse te machucando mais. Amélia... Bom, ela nunca quis te conhecer, e eu também não queria que você a visse. Acho que agora consegue imaginar o motivo. Ela sempre foi uma mulher fria e interesseira, durante todos esses anos eu quis esquecê-la e fingir que nunca houvesse existido, mas com isso acabei te privando do seu direito de conhecê-la."
Eu assenti e apertei o braço do meu pai. Eu entendia seus motivos. No fim das contas ele só quis me proteger e eu apreciava isso, por mais que não concordasse totalmente.
"E também tem toda a questão com a sua meia-irmã..." Meu pai se virou para mim. "Sou culpado por isso também, Penny. A garota, Giulia, nasceu pouco depois de você. Quando eu soube que Amélia tinha se casado com Chris Armfield e estava grávida, pensei que ela não exigiria mais o dinheiro e eu poderia cortar qualquer laço com ela, mas estava errado. Estive errado desde então, te escondendo tudo isso."
"Já passou", falei tranquila, sentindo um enorme peso sair do meu coração. "É melhor deixar tudo para trás. Agora que sei quem ela é, acho que posso fazer isso."
Meu pai assentiu, então pareceu se lembrar de algo e disse:
"Eu fiquei sabendo sobre a morte de Cora Gordon. Juro que nunca soube sobre a existência dela até poucos dias atrás, quando você me ligou depois de ir até Amélia. Para ser sincero, eu nunca soube quase nada sobre a vida da sua mãe. Nós dois... Você já deve saber. Nosso relacionamento foi muito breve."
"Eu sei", disse, poupando-o de ter que dar os detalhes que agora eu já conhecia. "Estou triste por toda a situação com Cora, mas pelo menos tive a oportunidade de vê-la uma vez antes que falecesse. Ela parecia ser uma pessoa bem melhor que a filha."
Um silêncio tranquilo caiu sobre nós. Meu pai mal se mexia, apenas segurava minhas mãos com força junto às suas. De súbito, o abracei, todas as mágoas que estava guardando deixadas para trás de vez.
"Te amo, pai", sussurrei. "Eu entendo o motivo pelo qual o senhor fez tudo o que fez e sei que só queria meu bem. Mas agora acabou e eu estou feliz por isso. Não quero que o senhor dê dinheiro para Amélia, ela não precisa dele e só estava se aproveitando da situação por todo esse tempo. Não quero que tenhamos nada a ver com ela."
"Mas e se ela...", ele hesitou por um momento, "fizer um escândalo?"
"Duvido muito", eu disse. "Talvez ela tenha se aproveitado disso na época, antes de se casar com Armfield, mas se envolver em uma confusão dessas agora não faria bem para a sua preciosa imagem." Eu balancei a cabeça, me sentindo um tanto quanto decepcionada. "Não vamos mais nos preocupar com ela."
"Certo."
Depois de algum tempo eu me levantei do sofá, me sentindo muito mais leve e decidida a fazer aquilo que estava rondando a minha mente sem parar. Estava na hora de resolver algumas coisas e deixar outras para trás permanentemente.
"Preciso ir", eu disse para o meu pai. "Mas volto logo para ficar com o senhor e com Sam. Pretende ficar aqui alguns dias?"
"Não posso ficar muito, querida, você sabe. Mas conversei com tia Matilde e ela pareceu relutante em ir embora do palácio antes do previsto. Se quiser, pode ficar com ela pelo restante do verão."
Eu mordi o lábio inferior, pensando um pouco a respeito.
A data para a minha partida de Arthenia estava mesmo chegando. Logo o verão acabaria e eu teria de voltar para Lyria. Só de pensar naquilo o meu coração apertava...
"É. Acho que vou ficar por mais um tempo."
"Como quiser. Algo me diz que você tem muitos motivos para isso..."
Eu senti o meu rosto corar e olhei para o meu pai, que exibia um sorrisinho sarcástico. Será que ele sabia sobre Sebastian? Bom, devia ser bastante óbvio afinal, principalmente levando em conta que Sam tinha nos pegado em uma situação bem comprometedora antes.
Eu só esperava que meu pai não ficasse de cochicho com o rei, falando de nós dois pelas costas como dois velhinhos fofoqueiros.
Eu me despedi dele bem rápido depois daquilo, saindo da biblioteca e indo em direção aos jardins do palácio. Acabei me encontrando com Layla pelo caminho e perguntei se ela poderia me ajudar a pegar um dos carros do palácio emprestado. Eu precisava dar um pulinho na cidade.
Depois que ela me deixou no estacionamento e eu me acomodei no carro, respirei fundo e liguei o rádio em uma estação de rock clássico. Senti a coragem se espalhar por cada célula do meu corpo e segurei o volante com força.
O medo tinha ficado para trás.
"Olá Martin", eu disse com um sorriso para o mesmo mordomo que havia atendido Sebastian e eu da primeira vez em que aparecemos na casa Armfield. "Por acaso Giulia está?"
Ele pareceu nervoso e se embolou com as palavras, mas antes que conseguisse formular uma frase completa, uma mulher ruiva de cara amarrada surgiu atrás dele.
"Você de novo", Amélia disse com desprezo, mas eu não me deixei abalar. "Por que não me deixa em paz?"
"Não vim aqui para falar com você", disse, olhando para ela. "Estou procurando por Giulia."
"Será que não consegue meter o nariz em..."
"Você quer falar comigo?", outra voz surgiu, e vi Giulia aparecer no corredor. No mesmo instante Martin escapuliu, deixando nós três sozinhas.
Eu olhei para Giulia, percebendo quase no mesmo instante como ela parecia abatida. Seu rosto estava pálido e os olhos estavam vermelhos. Não havia nenhum sorrisinho prepotente em seus lábios dessa vez.
"Sim", eu disse, tentando reunir cada pedacinho de determinação dentro de mim.
Giulia veio até mim. Amélia tentou protestar, mas a filha simplesmente passou por ela e fechou a porta, me encarando no hall de entrada com os gritinhos indignados de Amélia do outro lado.
"O que você quer?", Giulia me perguntou, cruzando os braços e parecendo tentar se endireitar no lugar.
"Só não consigo pensar em seguir com a minha vida sabendo que tem uma questão mal resolvida entre a gente", eu disse de uma vez, me forçando a olhá-la nos olhos. "Eu não sei como foi a sua vida com Amélia, Giulia, mas ela ocultou muitas coisas de você, assim como o meu pai fez comigo. A diferença é que ao contrário dele, não acho que Amélia tenha feito tudo o que fez com boas intenções." Eu suspirei quando vi o lábio inferior de Giulia tremer um pouco. Talvez aquilo fosse mais difícil do que eu tinha imaginado. "Não estou dizendo que temos de manter uma relação próxima, até porque mal nos conhecemos. Além disso..."
"Eu sei", ela me interrompeu. "Tem Sebastian no meio."
"Sim, tem isso. Você o magoou muito e eu sei que ele ficaria muito grato se nunca mais voltasse a olhar para a sua cara de novo."
Giulia deu de ombros, mas me senti aliviada por perceber que pelo menos ela parecia um pouco envergonhada.
"Por mim tudo bem. Não vou atrapalhar o relacionamento de vocês." Ela então passou as palmas das mãos pela saia que vestia. "Além do mais, estou saindo de Arthenia, então..."
"Você está indo embora?"
Giulia assentiu.
"Não quero mais ficar nessa casa com a minha mãe. Já queria fazer isso há algum tempo, mas, sei lá, acho que não tinha coragem. Eu tenho dinheiro o suficiente para me sustentar e meu pai vai me ajudar. Vou para uma cidade próxima, onde consegui uma ótima oferta de emprego como modelo da Street."
Eu conhecia a Street. Era só uma das maiores revistas de moda do país.
"Eu te desejo sorte", disse com sinceridade.
Giulia bufou baixinho e revirou os olhos.
"Como se eu precisasse disso."
Decidi deixar aquela passar. Tirei do meu bolso um papelzinho dobrado e estendi para ela.
"Esse é meu número de telefone, caso algum dia precise falar comigo."
Giulia olhou para o papel e vi seus ombros se curvarem um pouquinho. Então ela me olhou e disse:
"Obrigada."
A palavra parecia ter rasgado a sua garganta ao sair, mas tudo bem. A vida é mesmo feita de pequenos progressos.
"Acho que vai te fazer bem ficar longe de Amélia", comentei. "Talvez assim consiga aprender muitas coisas e se tornar mais... sensível, eu acho. Eu ficaria muito feliz em saber que você não está mais quebrando corações por aí."
Eu sabia que as palavras eram duras, mas algo me dizia que Giulia precisava ouvi-las. Não queria que ela humilhasse e destruísse uma pessoa como tinha feito com Sebastian. Apesar de todos os pesares, ela era a minha irmã e talvez eu me importasse um pouquinho com ela.
"Certo", Giulia disse apenas, para a minha surpresa. "Agora se você não se importa, estou cheia de coisas para fazer", e antes de voltar a entrar na casa, ela se virou para mim e disse: "Acho que posso me acostumar com o fato de você ser a minha meia-irmã, Penelope. Podia ser bem pior."
"Nossa, valeu."
Eu podia jurar que vi um meio sorriso surgir em seu rosto, mas antes que tivesse certeza Giulia sumiu para o interior da casa. Eu também já estava prestes a ir embora quando Amélia surgiu, se colocando na minha frente.
"É sua culpa que ela está indo embora, sabia disso?", ela disse, me fuzilando com o olhar. "Se você não tivesse aparecido, Giulia ainda estaria bastante satisfeita aqui."
"Será mesmo?" Eu não me encolhi diante de seu olhar de raiva. Não recuei um passo. "Quer saber de uma coisa, Amélia? Durante toda a minha vida eu só quis uma mãe que talvez me amasse um pouquinho. Enquanto te procurava e descobria o quanto você parecia ser uma pessoa detestável, eu ainda tinha alguma esperança que você nutrisse um pouco de afeto por mim, mas já sei que não é assim." Eu respirei fundo, me forçando a ficar ereta e não vacilar. "E quer saber? Tudo bem. Eu não preciso de você e acho que logo, logo Giulia vai perceber o mesmo."
"Você..."
"Eu não terminei", disse. Agora que estava ali, me sentia pronta para jogar tudo para fora e em seguida sumir da vida de Amélia de uma vez por todas. "Sabe, eu tenho um monte de pessoas na minha vida que eu amo e que me amam também, e isso é mais do que eu poderia pedir. Meu pai me criou muito bem. Ele me deu todo o amor que eu precisava e agora que sei quem você é me sinto ainda mais grata por tê-lo na minha vida. Se você soubesse o valor da família, talvez tivesse passado mais tempo com Cora e aprendido uma ou duas coisas importantes com ela. Você tinha vergonha da sua mãe, vergonha de onde tinham vindo, mas foi essa mesma vergonha que te fez perder as melhores coisas da vida. Não tenho raiva de você, nem estou triste por não ter a mãe que quis tanto até pouco tempo. Quando olho para você, só consigo sentir pena."
Por um segundo eu achei que Amélia me daria um tapa, mas ela fechou as mãos em punhos e sussurrou para mim:
"Você não sabe de nada, garota."
Eu balancei a cabeça. Suas palavras cheias de veneno não podiam mais me atingir.
"Eu não vou voltar a te procurar, Amélia, e espero que você também não venha atrás de mim. Meu pai sempre teve razão. Minha vida é muito melhor sem você nela." Eu estava prestes a me virar e ir embora, mas então parei e lancei um último olhar para ela. "Antes que eu me esqueça, você não deve esperar mais um centavo do meu pai. Suas chantagens acabaram. Espero que seja feliz nessa vida que construiu para você." Ela parece bem solitária, complementei mentalmente, mas não disse mais nada.
Quando deixei aquela casa, fui até o cemitério onde Nelly tinha me dito que Cora estava enterrada e depositei algumas flores que tinha comprado no caminho para a casa de Amélia em seu túmulo. Ainda era cedo e o cemitério estava praticamente vazio. Quando olhei para cima vi o vento balançar de leve as folhas das árvores e os pássaros cantarem baixinho.
Ali, ajoelhada na grama, eu pensei no que tinha deixado para trás e no que me aguardava no futuro, mas estranhamente nada daquilo me assustou. Eu não precisava ter medo. Na dúvida, sempre teria a mim mesma.
O vento soprou e eu me despedi do túmulo de Cora, sabendo que nunca tinha me sentido tão em paz em toda a minha vida.
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Música do capítulo:
Não acredito que esse livro está mesmo chegando ao fim... Agora só falta o último capítulo e o epílogo que vão vir ainda essa semana. Até domingo o livro vai estar completinho para vocês!
Mas até lá, me falem o que acharam desse penúltimo capítulo!! Estou muito curiosa para saber se vocês esperavam que essas coisas iriam acontecer.
Fiquem bem aí do outro lado da telinha! Em breve volto com o último capítulo de UPPP!
Mil beijos,
Ceci.
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