Capitulo 03 - Nem sempre um positivo é uma boa notícia

— Sam, você está aí? — Charlie bateu na porta do banheiro do apartamento que dividíamos.

Meu único desejo, era fingir que não existia até que aquilo se tornasse real. Eu me afundei um pouco mais na banheira vazia, buscando alguma proteção contra a realidade.

— Sam, Você sabe que se a gente se atrasar teremos que aguentar a Elle pegando no nosso pé! — sua batida se tornou insistente — vamos, serão apenas dois shows hoje.

— A porta está aberta — Eu murmurei, abrindo a terceira barra de chocolate que provavelmente me transformaria em uma porca.

Bem, eu ficaria do tamanho de uma mais cedo ou mais tarde de qualquer maneira.

Charlie abriu a porta, arregalando os olhos ao me encontrar deitada na banheira vazia, cercada de embalagens das mais diversas guloseimas que meu pagamento pelo show da noite anterior havia sido capaz de comprar.

— Mas que porra é essa?

Ela se aproximou com cuidado da banheira, enquanto eu mordiscava sem vontade a barra de chocolate. Minha amiga se abaixou, pegando do chão o motivo do meu desespero nas últimas horas.

Quatro testes de gravidez, todos com resultado positivo.

— Minha vida acabou — Eu funguei.

— Sam, eu... Isso é sério? — ela balbuciou, parecendo abobada.

Eu confirmei com a cabeça sem me preocupar em olhá-la.

— Mas...

— Eu fiz o exame de sangue, o resultado sai ainda hoje, mas eu não aguentei esperar — Expliquei, me ajeitando no pouco espaço que eu tinha.

— Quem é o pai? Já faz algum tempo que você terminou com o Jack.

Suspirei ao pensar em meu ex namorado. Seria bem mais fácil se fosse ele, eu o conhecia, nós tivemos um relacionamento que durou mais de um ano. Mas não, eu tinha que dificultar um pouco as coisas.

— Não é do Jack. Você não o conhece.

Ela pareceu confusa com a resposta. Eu sempre fiz questão de apresentar todos os meus envolvimentos românticos para Charlie, com exceção de Theon.

Ela sabia que eu tinha me envolvido com alguém algumas semanas atrás e que era algo passageiro, já que ele estava apenas na cidade a passeio. A única que realmente o conheceu foi Elle, e foi incrível aproveitar sua companhia.

Eu só não esperava que um descuido tão bobo como o que tivemos, resultaria em algo assim.

— Sam, de quem estamos falando? — ela se sentou ao meu lado, pegando um pacote de jujubas que estava em cima da minha barriga.

— Aquele cara que conheci no bar no dia que saímos juntas — eu expliquei.

— Acho que entendo o motivo de tantos doces.

— Se dependesse de mim, eu estaria rodeada de tequila, mas aparentemente eu não posso mais.

Passamos alguns segundos ali em silêncio, apenas absorvendo a novidade, mas, cedo demais, Charlie o quebrou.

— Sei que você está surtando, mas precisamos ir.

Apesar de me sentir relutante, eu me forcei a tomar um banho e me vestir para o trabalho. Eu precisava trabalhar, pelo menos enquanto ainda consigo dançar sem ter uma barriga enorme me atrapalhando.

Charlie e eu pegamos um táxi até o hotel onde seria nossa primeira apresentação. Depois nós iríamos a um restaurante árabe, onde aparentemente não se importavam com a etnia de suas dançarinas contando que soubessem dança do ventre e se vestissem em trajes apropriados.

Eu estava no camarim separando as roupas que usaria na apresentação quando Charlie entrou, se sentando em um sofá já vestida para a apresentação, aproveitando que havíamos sido as primeiras a chegar.

— Você está de quanto tempo? — ela perguntou.

— Eu não sei — suspirei me sentando ao seu lado — faz algumas semanas que o Theo foi embora, então não pode ser mais que isso. Mas acho que preciso ir a um médico ou algo assim. Eu sabia que tinha algo errado, mas não queria ceder.

— Eu percebi que você estava estranha, mas pensei que você tinha pego a gripe da Milly — ela me observou.

— Eu não fico doente — funguei — mas considerei a gripe também, apesar de estar com a menstruação atrasada há alguns dias.

— Negação?

— Pode ser — admiti — eu senti cólica, então pensava que era apenas isso, um atraso.

— Mas não era.

Balancei a cabeça, me deitando em seu colo. Eu me sentia solitária, era no mínimo irônico pensar nisso, já que tecnicamente, eu estaria sempre acompanhada de agora em diante.

— O que você pretende fazer? — ela perguntou.

— Bem, eu vou tentar dançar a noite toda sem vomitar em ninguém, e depois comer o resto dos meus doces.

— Sam... — ela suspirou.

— E quem sabe ligar para o Theon e falar "Oi, se lembra de mim? Então... espero que você goste de crianças, porque vamos ter um filho" — Eu me encolhi em seu colo — Terei sorte se ele não desaparecer.

— Ele não vai desaparecer — ela garantiu mexendo em meu cabelo — e se ele fizer isso, nós daremos um jeito, você sempre pode pedir pro seu pai caçar ele e fazer ele pagar a pensão.

— Se eu pedir para meu pai caçá-lo, ele vai levar a sério, sabe que caçar é seu passatempo favorito. A última coisa que eu vou receber será a pensão — eu ironizei, sentindo um novo terror crescer em mim.

Como eu contaria aquilo para os meus pais? Eu teria que contar para eles em algum momento!

— Sam, você está chorando!? Por quê? — Charlie arregalou os olhos enquanto eu me levantava de seu colo, tentando enxugar as lágrimas teimosas que insistiam em aparecer.

— Eu não sei, posso culpar os hormônios? — eu forcei um sorriso, tentando mudar de assunto ao ouvir vozes se aproximando da porta — não conte a elas, por favor.

Eu não queria mais falar sobre o quão aterrorizada eu estava com aquela situação. Queria apenas tentar manter uma rotina normal. Ela me envolveu em um abraço desajeitado tentando me confortar, mas aquilo parecia impossível para mim naquele momento.

Um bebê!

— Vamos, você precisa de maquiagem — Charlie declarou, me levando até o espelho — vamos te deixar apresentável.

Ela trabalhou em mim enquanto as garotas estavam animadas ao meu redor, sem se dar conta do caos que invadiu meu interior.

A primeira parte da noite ocorreu sem incidentes. As rotinas eram simples e a atração principal era um cover de Elvis que estava se apresentando. Devido ao cronograma apertado, não tive tempo para checar o resultado do exame, apesar de já saber qual seria. Quando chegamos ao restaurante, não existia nenhum lugar apropriado para que nos arrumássemos para a apresentação, então nos revezamos no escritório do gerente.

Eu fui a última a me arrumar, me sentando na cadeira, apanhando o celular para confirmar o resultado do exame.

É isso... Eu vou ter um bebê, filho de um cara que eu nem conheço direito!

O que eu sei sobre ele? Ele é grego, mora no Colorado, e o primo dele vai se casar. Na verdade, já deve ter se casado. Já faz um mês desde que Theon partiu.

— Aquela droga de despedida — eu praguejei, jogando o celular em cima da mesa e escondendo o rosto em ambas as mãos.

Uma batida na porta fez com que eu erguesse o rosto a tempo de ver Elle entrando com um olhar preocupado no rosto.

— Desculpe a demora Elle, eu já vou...

— Sam, você está bem? — ela se aproximou.

Eu estava bem? Eu acabei de ter certeza de que me meti na maior enrascada da minha vida.

— Claro — eu menti, forçando um sorriso — algum problema?

— O dono do restaurante te viu mais cedo e bem, ele tem alguns planos especiais pra você — ela comentou me avaliando — você não tem que aceitar.

— Quais planos? — eu franzi o cenho.

— Qual é a sua experiência com cobras? — ela fez uma careta.

Eu pisquei atordoada diante daquela frase.

Cobras? Por que eu teria experiência com cobras?

— Você está falando de que tipo de cobra?

— Que é nojenta e rasteja por aí.

Aquela informação fez meu estômago revirar, me obrigando a correr para o banheiro. Elle me acompanhou de perto, segurando meus cabelos na tentativa de me confortar.

— Eu sinto muito, você não tem que chegar perto de nenhuma cobra — ela garantiu ao ouvir um pequeno soluço incontido meu.

— Não é esse o problema — eu garanti, secando as lágrimas que tinham escapado.

Eu vou conseguir parar de chorar em algum momento?

— Então você vai dançar com a cobra no pescoço? — ela franziu o cenho.

— De jeito nenhum! — ergui a voz me levantando e indo até à pia.

— Sam, você está estranha desde que nos encontramos — ela suspirou, parando ao meu lado e me olhando de maneira desconfiada.

Eu desviei o olhar, sem saber ao certo o que dizer a seguir.

— Sam...

— Eu estou grávida — soltei de uma vez.

— Como é? — ela devolveu quase imediatamente, me encarando boquiaberta.

Um silêncio desconfortável recaiu sobre nós duas, eu não queria que essa história se espalhasse tão rápido, mas acho que não seria tão fácil esconder.

— Quem é o pai? — ela se aproximou gentilmente.

— Theon — desviei o olhar sem ter coragem de encará-la — sabe, o cara grego.

— Mas que merda, Sam! — ela praguejou.

Parece que ela também acha que eu consegui piorar uma situação que já era péssima.

— O que eu faço? — eu implorei por uma solução mágica.

— O quê? Não sei, Sam. Você vai levar a gravidez adiante? — ela foi direto ao ponto.

— Sim, eu não poderia fazer outra coisa — eu funguei.

Apesar do pavor que a situação criava em mim, em momento nenhum eu pensei em abortar aquele bebê.

— Então você precisa falar com ele. Vocês têm algum contato?

— Tenho o número dele, mas o que eu vou dizer? Eu não posso ligar para alguém de uma hora para outra e contar que vamos ter um filho!

— E você tem outra opção, Samantha? — ela revirou os olhos.

— Não, mas...

— Olha, é melhor você tirar o resto da noite de folga. Eu acho que a May vai aceitar a questão da cobra, e não será bom se você vomitar em algum cliente — ela suspirou — depois nós podemos ver juntas o que você precisa.

— Eu ainda vou poder dançar? — eu sequei os olhos.

— Eu não sei, eu nunca estive nessa situação — ela admitiu — acho que até você passar com um médico é melhor dar um tempo.

— É tanta coisa.

— Eu sei, mas você vai ter que resolver — ela me cortou — vá pra casa e tente dormir um pouco, nós podemos conversar depois.

Eu pensei no que ela falou e fazia sentido. Eu poderia cair, vomitar, desmaiar, qualquer coisa. Fora que em breve eu não ficaria nem um pouco atraente para usar qualquer roupa que me dessem, mas o que eu poderia fazer? Um bebê precisa de dinheiro!

E ainda tinha a questão do Theon, eu precisava avisar ele. Mas como?

Eu estou muito ferrada!

~~**~~

— Você está ansiosa? — Elle perguntou sentada ao meu lado na sala de espera da clínica.

— É claro que ela está ansiosa, não sei como conseguiu esperar uma semana por essa consulta — Charlie revirou os olhos — eu já teria batido na porta de todos os médicos disponíveis de Vegas até que alguém me atendesse!

Não pude evitar rir diante de seu entusiasmo. Eu me sentia nervosa pelo que me aguardava atrás da porta fechada do consultório, mas não queria demonstrar isso. Eu podia lidar com um pouco de ansiedade.

— Na verdade, eu passei a última semana me acostumando com a ideia — dei de ombros — acho que eu precisava desse tempo.

— E como está sendo? — Elle se interessou.

Eu me movi desconfortável na poltrona, pensando em minha resposta.

— Bem, eu tenho que me adaptar. No começo eu estava perdida e sem saber o que fazer — eu admiti — mas agora, sei que tenho que continuar, apenas não sei como contar para Theon.

— Ainda não ligou pra ele? — Charlie me observou.

— Achei melhor esperar pela consulta — dei de ombros.

— Srtª Hurst, a Drª está pronta para você — a recepcionista me avisou.

Nós três nos levantamos e entramos no consultório, para surpresa da médica, ela nos cumprimentou sem saber ao certo como reagir.

— Srtª Hurst? — ela alternou o olhar entre nós três.

— Sou eu — estendi a mão — eu sei que isso deve ser incomum, mas é que nós estamos em uma situação especial, e...

Uma expressão de compreensão passou por seu rosto, e ela assumiu o tom mais natural possível, estendendo a mão para minhas amigas, sorrindo de maneira cordial.

— Ohh sim, entendo. Vocês são companheiras da Srtª Hurst? Eu sou a Drª Miller.

Eu arregalei os olhos diante de sua conclusão, fazendo Elle gargalhar.

— Ohh não, não é esse tipo de situação especial — ela garantiu — nós não estamos envolvidas romanticamente.

— Não, não — eu garanti — elas são minhas amigas, estão aqui para me apoiar, isso tudo é novidade pra mim e o pai do bebe foi embora há algumas semanas.

— Ahh sim — seu sorriso se tornou compreensivo — sentem-se, por favor. Srtª Hurst, eu compreendo que esse pode ser um momento delicado e assustador, mas te garanto que você será capaz de lidar com isso, e eu estou aqui para tirar qualquer dúvida que você possa ter.

— Obrigada — retribui seu sorriso sem muito entusiasmo.

Por mais que ela afirme que me compreende, eu duvido que ela saiba o que está se passando dentro de mim nesse momento. Na parte emocional, quero dizer, suponho que ela deve saber das outras partes.

Eu entreguei meus exames para a médica e aguardei enquanto ela avaliava tudo com atenção.

— Bom, eu vou te examinar, pedir mais alguns exames e nós podemos conversar depois, tudo bem? — ela sorriu me encorajando.

Eu tentei manter a naturalidade enquanto era examinada, apesar de odiar cada segundo daqueles exames, a médica por si só tentou amenizar o desconforto de todas as formas.

— Então, você está tendo muito enjoo matinal, Sam? — ela perguntou com um sorriso.

— Ela enjoa à noite, isso é normal? — Charlie respondeu por mim, enquanto a médica preparava o aparelho de ultrassom.

Ela riu enquanto me colocava na posição adequada para fazer o exame.

O que isso quer dizer? É normal ou não é?

— Os enjoos são resultado do aumento de hormônios, a grande maioria das mulheres os sente pela manhã, mas não existe nenhum problema em sentir a noite — ela garantiu — estão prontas para conhecer o bebê?

— Por favor! — Elle sorriu se colocando ao meu lado, as duas olhavam com ansiedade para o aparelho enquanto eu não sabia ao certo o que esperar.

Algumas manchas surgiram na tela, até que tudo entrou em foco e uma pequena figura surgiu em meio a um espaço vazio. O pequeno ser se movia freneticamente, me fascinando.

Sim, essa era a palavra. Eu não me sentia emocionada nem nada do tipo, eu me sentia fascinada por ele, não conseguia desviar o olhar um segundo sequer.

— Esse aqui é o feto. Olha como ele se move. Ele mede um centímetro e meio.

Quando pensei que não poderia melhorar, um som abafado encheu o ambiente, fazendo com que eu olhasse assustada para a doutora.

— O que é isso?

— É o coração dele — ela explicou sorrindo.

As garotas ao meu lado vibravam enquanto eu piscava atordoada, voltando a encarar a tela.

— Mas ele não tem nem dois centímetros, como pode ter coração!? — eu soltei, fazendo a doutora rir.

— O coração é a primeira coisa que se desenvolve — ela explicou.

— Sam, isso é incrível — Charlie segurou minha mão.

Elle dizia alguma coisa, também me apoiando, mas no fim, eu conseguia apenas me concentrar na imagem. Aquilo era aterrorizante e incrível. Eu não conseguia acreditar no que estava acontecendo, mas de certa forma, eu me sentia bem.

E eu sabia que nós ficaríamos bem.

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