Capítulo 7 Expectativas familiares
Omar
O dia estava quente, abafado. O sol parecia pesar ainda mais em cima de mim enquanto eu seguia Emanuelle pelas ruas movimentadas de São Paulo. Ela andava apressada, os cabelos presos em um coque que balançava conforme os passos decididos. Tentava manter distância suficiente para não ser notado, mas próximo o bastante para não perdê-la de vista. A verdade é que eu ainda não sabia como me aproximar dela sem causar alarde. Meu coração acelerava mais a cada curva que ela fazia, como se algo me dissesse que o tempo estava contra mim.
Eu queria falar com ela, explicar tudo, mas sabia que qualquer palavra dita fora de contexto poderia afastá-la ainda mais. Ela parou em frente a uma banca de jornal e olhou as capas rapidamente, mas não comprou nada. Aproveitei o momento para me esconder atrás de um poste. Meu telefone vibrou no bolso e, por um instante, considerei ignorar. Contudo, era a chamada de minha mãe, e ignorá-la nunca era uma opção.
Atendi enquanto olhava de longe Emanuelle se afastando.
— Alô.
— Omar! — a voz dela, alta e firme, invadiu meus ouvidos antes mesmo que eu pudesse responder. — Já está com meu neto em posse?
Engoli em seco. Cada palavra dela vinha carregada de expectativa e cobrança, como se eu fosse apenas um soldado cumprindo ordens. Respirei fundo antes de responder.
— Ainda não.
— Como assim, ainda não? — o tom dela ficou ainda mais afiado. — Você está há semanas aí no Brasil e não conseguiu nada? Ela não é a mãe biológica dele, não tem direito nenhum de estar com meu neto! Você nem era pra ter engravidado aquela mulherzinha sem coração que abandonou o filho de vocês e em outro país..
— Não é tão simples, mãe. Emanuelle é cuidadosa, não quer que ninguém se aproxime. Eu...
— Não quero desculpas, Omar! — a interrupção foi ríspida, deixando claro que paciência não era algo que ela tinha naquele momento. — Esse menino não pode ser criado aí, nesse país. Essa cultura ocidental vai destruí-lo!
Fechei os olhos por um instante, tentando manter a calma. Aquele discurso dela já era familiar, e eu sabia que qualquer tentativa de argumentar seria inútil. Minha mãe sempre teve um domínio muito grande em mim depois que o papai faleceu.
— Entendo o que você está dizendo, mas isso não depende só de mim. Eu preciso de tempo.
— Tempo? — ela quase gritou do outro lado da linha. — Você acha que temos tempo? Enquanto você fica aí enrolando, meu neto está crescendo longe de nossas tradições, aprendendo valores que não são nossos. Isso é inaceitável, Omar!
A voz dela parecia ecoar dentro de mim, misturada com a culpa que eu já sentia. Não era como se eu estivesse confortável com a situação. Pelo contrário, cada segundo sem resolver aquilo parecia um peso a mais nas minhas costas.
— Estou fazendo o melhor que posso, mãe.
— O melhor não é suficiente! — ela respirou fundo antes de continuar, em um tom mais baixo, porém igualmente cortante. — Esse menino pertence à nossa família, à nossa cultura. Você sabe o quanto isso é importante.
Olhei ao redor, tentando me certificar de que ninguém estava ouvindo. Apesar da multidão, senti como se estivesse exposto, como se cada pessoa ao meu redor pudesse ouvir a conversa e julgar a situação. Vi Emanuelle dobrar outra esquina e apertei o passo, tentando manter o foco.
— Eu sei, mãe. Sei da importância disso. Só peço que confie em mim. Vou resolver.
— Resolver? — ela soltou uma risada seca. — Só acredito nisso quando meu neto estiver aqui, ao meu lado, onde ele pertence. Você é o pai, Omar. É sua responsabilidade garantir que ele tenha o futuro que merece.
— Eu entendi, mãe. Já disse que estou trabalhando nisso.
— Trabalhando nisso... — ela repetiu com desdém. — Não me decepcione, Omar. Não quero ter que ir pessoalmente buscar meu neto, mas farei isso se for necessário.
— Não será necessário.
Ela ficou em silêncio por alguns segundos, e eu soube que estava avaliando minhas palavras.
— Espero que não. — e desligou sem se despedir.
Fiquei parado por alguns instantes, segurando o celular na mão. A ligação deixou um gosto amargo na minha boca, um peso ainda maior no meu peito. Emanuelle já estava longe, fora do meu campo de visão, mas eu sabia que não podia desistir agora. Cada passo que dava nessa jornada parecia mais complicado, como se o chão estivesse sempre prestes a desabar.
Comecei a caminhar novamente, pensando nas palavras de minha mãe. Ela não entendia. Para ela, era tudo preto e branco. O certo e o errado estavam claramente definidos. Porém, para mim, tudo parecia um borrão. Eu sabia o que era esperado de mim, sabia o que minha família queria, mas a realidade era bem diferente.
No fundo, eu também queria que ele tivesse um pedaço da nossa cultura, que entendesse nossas raízes, mas a vida não era tão simples quanto minha mãe acreditava. Emanuelle não era uma mulher fácil de convencer, isso eu já tinha percebido. Ela tinha seus próprios valores, sua própria visão de mundo, e eu sabia que ela lutaria até o fim para proteger o filho dela, mesmo sendo seu filho adotivo.
A noite começou a cair, e as luzes da cidade começaram a se acender. Continuei andando pelas ruas, pensando em como abordar Emanuelle sem assustá-la, em como convencê-la de que meu filho deveria conhecer sua família biológica. O bebê deveria ficar comigo que era o pai biológico e não com uma desconhecida de uma cultura diferente da minha.
Quando finalmente cheguei ao hotel, joguei-me na cama, exausto. O peso da responsabilidade parecia maior do que nunca, e a voz da minha mãe continuava ecoando na minha mente.
— Ele não pode ser criado aí, nesse país.
Fechei os olhos, tentando apagar o som das palavras dela, mas elas continuavam, martelando sem piedade. Sabia que não podia falhar. Não por mim, mas pelo futuro do meu filho. Porém, sabia também que qualquer passo em falso poderia destruir tudo.
E naquele momento, deitado no escuro, percebi que a verdadeira batalha ainda estava por vir.
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