Capítulo 33 Desistir por amor

A sala de estar da casa de Emanuelle tinha aquela luz suave do fim da tarde, as cortinas filtravam o sol e criavam um ambiente quase intocado, como se o mundo lá fora não pudesse interferir no que estava prestes a acontecer. O silêncio era quase palpável, o som baixo do relógio na parede marcava o tempo que parecia se arrastar.

Eu estava sentado no sofá, os cotovelos apoiados nos joelhos e as mãos unidas à frente do rosto. Emanuelle estava de pé, a alguns passos de distância, o seu jeito de ser me encantava tanto.

— Emanuelle... — comecei, a voz baixa, mas firme. — Eu pensei muito.

Ela não respondeu de imediato, só descruzou os braços e respirou fundo.

— Sobre o quê, Omar?

— Sobre o que é melhor para o Heitor.

Os olhos dela brilharam, um misto de esperança e medo.

— E o que você quer dizer com isso agora?

Eu me levantei devagar, tentando manter cada movimento controlado, como se qualquer gesto brusco pudesse desfazer a coragem que reuni até ali.

— Eu vou desistir da guarda.

O silêncio tomou conta da sala. A respiração dela ficou presa no peito, e, por um momento, pensei que ela não fosse conseguir falar.

— O quê?

— Eu não posso fazer isso com o Heitor. Não posso arrancá-lo de você. — minhas palavras saíam com o peso da decisão, cada sílaba uma pedra deixada para trás. — Você é a mãe dele, Emanuelle. Não importa o que o papel diga. Mesmo que você convivesse com ele, não seria o mesmo de morar com ele.

Ela levou as mãos à boca, e as lágrimas que ela vinha segurando finalmente caíram.

— Eu... Eu não sei o que dizer.

— Não precisa dizer nada. — dei um passo em direção a ela, mas parei. Não queria invadir o espaço dela. — Desde o começo, eu pensei que lutar por ele era o certo. Que, como pai biológico, eu tinha essa obrigação. Mas... estar perto de vocês me mostrou outra coisa.

Emanuelle limpou o rosto, mas o choro parecia interminável.

— O quê?

— Que ser pai e mãe vai muito além do sangue. — senti minha voz embargar, mas continuei. — Você é quem esteve lá em dias de choro, cada sorriso, cada noite sem dormir. Você é quem ele conhece como mãe. E seria cruel tirá-lo de você só para satisfazer meu ego ou minha culpa.

Ela deu um passo à frente, os olhos presos aos meus.

— Omar, eu não quero afastá-lo de você.

— Eu sei. E eu agradeço por isso. — respirei fundo, sentindo o ar pesado como se não fosse o suficiente. — Mas o que percebi é que o melhor para o Heitor é ter estabilidade, segurança. E isso ele tem com você.

Emanuelle levou as mãos ao peito, como se tentasse segurar o coração que batia forte demais.

— Você está fazendo isso... por mim?

— Não. — balancei a cabeça. — Estou fazendo isso por ele. E, de certa forma, por mim também. Porque o certo é o certo. E o certo é ele ficar com você.

Ela fechou os olhos, deixando que mais lágrimas caíssem, mas havia um sorriso tímido em meio ao choro.

— Eu nunca pensei que ouviria isso de você.

— Nem pensei que diria. 

Ela deu mais um passo, e, dessa vez, eu não me afastei. Quando Emanuelle segurou minhas mãos, o toque era quente, quase como um pedido de perdão e uma promessa ao mesmo tempo.

— Omar, eu prometo que o Heitor vai continuar sendo muito amado por mim. E você sempre fará parte da vida dele.

— Eu confio em você. — e, naquele momento, era verdade.

Ficamos assim, por alguns instantes, apenas respirando o mesmo ar, compartilhando a mesma dor e a mesma esperança.

Quando finalmente nos soltamos, a sensação era de que algo havia mudado. Como se uma página tivesse sido virada, e, mesmo sem saber o que o futuro reservava, eu me sentia em paz.

Eu sabia que ainda haveria dias difíceis. E eu estava preparado para o que viesse.

Mais tarde, a casa estava mergulhada em uma tranquilidade quase surreal. Heitor já tinha adormecido de novo após a mamadeira da noite, e Emanuelle circulava pela cozinha, guardando as últimas louças, enquanto eu tomava um banho rápido no quarto de hóspedes. 

A água quente ajudou a aliviar a tensão dos meus músculos, mas minha mente ainda estava presa no turbilhão de emoções. Desistir da guarda de Heitor era a decisão certa, mas o peso disso ainda caía sobre mim como uma nuvem densa.

Terminei o banho, enrolei a toalha na cintura e, sem pensar muito, abri a porta do banheiro. Estava perdido em meus próprios pensamentos quando me deparei com Emanuelle parada no corredor, bem na minha frente, segurando um cesto de roupas limpas.

Seus olhos se arregalaram, e o rosto dela ficou imediatamente corado.

— Ai, meu Deus! — ela deu um passo para trás, quase derrubando o cesto.

Eu também congelei, minhas mãos segurando a toalha na cintura com mais força. Era a primeira vez que isso havia acontecido desde que estava morando junto com ela e Heitor.

— Desculpa! Eu... achei que você estivesse na cozinha. — minha voz saiu rouca, e eu senti o calor subir pelo meu rosto.

— Eu... eu só vim trazer toalhas limpas. — ela apontou para o cesto, como se precisasse provar a própria inocência.

O silêncio que se seguiu foi quase ensurdecedor. A luz do corredor era suave, mas suficiente para que eu percebesse o quanto ela estava sem jeito.

— Eu já vou me trocar. — Tentei me mover para o quarto, mas o corredor estreito nos deixou mais próximos do que deveria.

Emanuelle recuou de novo, mas bateu as costas na parede, e o cesto balançou em suas mãos. Algumas roupas caíram no chão, incluindo uma pequena manta do Heitor.

— Ah, droga... — ela se abaixou rapidamente para pegar as peças, e eu fiz o mesmo, o que só tornou tudo ainda mais desajeitado.

Nossas mãos se encontraram ao tentar pegar a mesma peça de roupa. O toque foi breve, mas fez o ar parecer mais denso. Nossos olhos se cruzaram, e, por um instante, o mundo além daquele corredor pareceu deixar de existir.

— Desculpa... — ela sussurrou, sem afastar a mão.

— Não precisa se desculpar. Foi minha culpa.

O jeito que ela mordeu o lábio inferior, como se tentasse conter o constrangimento — ou algo mais —, me fez prender a respiração. Eu sabia que devia me afastar, que devia quebrar aquele contato e seguir para o quarto, mas minhas pernas pareciam enraizadas ali.

— Omar... — a voz dela saiu baixa, quase um pedido.

— Sim?

— Nada... Eu só... Foi um dia longo.

Ela se levantou de repente, recolhendo as roupas com pressa e se afastando antes que eu pudesse reagir.

— Vou... vou terminar de guardar isso. Boa noite.

— Boa noite.

Emanuelle desapareceu no corredor, e eu fiquei ali, ainda ajoelhado, segurando a pequena manta azul de Heitor nas mãos.

Levantei-me devagar e entrei no quarto, fechando a porta atrás de mim. Meu coração batia acelerado.

Eu me vesti rapidamente e me deitei na cama, mas o sono parecia impossível. Cada vez que fechava os olhos, a imagem de Emanuelle corada e sem jeito voltava à minha mente.

A decisão de abrir mão da guarda de Heitor havia sido tomada, mas o que eu faria com os meus sentimentos que começavam a crescer dentro de mim, isso ainda era um mistério. Eu nem sabia se ela sentia o mesmo, pois ela estava mantendo isso em segredo.

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