Capítulo 32 Declaração e reação tensa

Omar

Eu me lembro exatamente daquele momento. Estávamos na sala, a luz do fim da tarde entrando pela janela e tingindo tudo com aquele tom dourado e meio nostálgico. Emanuelle estava sentada no sofá, as pernas cruzadas, os olhos atentos no Heitor, que brincava no tapete com seus brinquedos coloridos. Ela sempre teve essa calma que me desconcerta — aquele jeito de estar presente, mas, ao mesmo tempo, parecer inalcançável.

Respirei fundo. Meu coração batia mais rápido do que eu gostaria de admitir. Eu sabia que precisava falar, que aquele sentimento preso na garganta não me daria trégua até que fosse dito. Então, as palavras simplesmente escaparam:

— Eu amo tanto o Heitor quanto amo você, Emanuelle.

O silêncio que se seguiu foi quase palpável. Parecia que até os brinquedos do Heitor tinham parado de fazer barulho. Emanuelle não olhou para mim. Continuou encarando o menino, os olhos um pouco mais fixos, as mãos apertando suavemente a almofada ao seu lado.

Eu queria que ela dissesse algo, qualquer coisa. Um riso nervoso, uma palavra de alívio, até mesmo uma bronca. Mas nada. Apenas o silêncio, cortado só pelo balbuciar despreocupado de Heitor.

Ela inclinou o corpo para frente, pegou um brinquedo caído e o entregou ao bebê. Sua voz saiu baixa, quase um sussurro:

— Olha só, Heitor, seu carrinho estava aqui.

Eu podia ver como sua mão tremia, como o pescoço ficou um pouco mais vermelho, uma reação sutil, mas inegável. Ela estava desconfortável. E eu era o motivo.

— Emanuelle... — tentei novamente, minha voz carregando todo o peso daquele instante.

Ela finalmente se levantou, os movimentos fluidos, mas apressados.

— Vou preparar um lanche. Você deve estar com fome, né?

E, antes que eu pudesse responder, ela já estava na cozinha. Fiquei ali, no meio da sala, com Heitor me olhando como se entendesse mais do que deveria. A inocência dele era quase cruel naquele momento. Eu me sentei no chão ao lado dele, passando a mão pelo seu cabelo macio, tentando buscar algum tipo de ancoragem.

— É, pequeno... Acho que seu pai falou demais.

A cozinha produzia sons mínimos: o abrir de portas, o estalar de potes, a faca cortando algo. Mas nenhum som parecia natural. Era como se tudo estivesse sendo executado somente para preencher o vazio da nossa conversa interrompida.

Levantei-me devagar, os joelhos, ainda meio trêmulos, e fui até o batente da cozinha. Emanuelle estava de costas para mim, cortando frutas com uma precisão cirúrgica, cada fatia idêntica à outra. Era quase obsessivo.

— Emanuelle, você vai fingir que eu não disse nada? — minha voz saiu mais rouca do que eu esperava.

Ela parou, a faca suspensa no ar, mas não se virou.

— Não sei o que você quer que eu diga, Omar. — sua voz tinha uma firmeza forçada, uma tentativa clara de manter o controle.

— Quero que diga a verdade. Qualquer verdade. Que está assustada, que não sente o mesmo... Ou que sente. Mas, por favor, não me deixe nessa dúvida.

Ela suspirou, largou a faca e apoiou as mãos na pia. Ficamos assim por alguns segundos — eu, esperando; ela, tentando juntar os cacos do que eu havia quebrado.

Finalmente, ela se virou. Seus olhos estavam marejados, mas seu rosto mantinha aquela expressão serena, quase estoica.

— Eu não sei o que dizer, Omar. Eu não sei... — ela passou a mão pelos cabelos, os dedos tremendo. — As coisas estão tão... confusas. Você, o Heitor, eu... Eu só quero que tudo continue bem. Que ele seja feliz.

— E ele é. Porque você está aqui. Porque nos estamos aqui.

Ela balançou a cabeça, os lábios comprimidos.

— Não é tão simples.

— Talvez não seja. Mas também não precisa ser tão complicado.

Ela fechou os olhos, como se minhas palavras fossem uma luz forte demais. Quando os abriu novamente, havia algo diferente ali — uma mistura de medo e esperança.

— Eu preciso de tempo. Preciso entender o que sinto, sem pressão.

— Eu espero. — a resposta saiu imediata, sem hesitação.

Ela soltou um pequeno riso, nervoso, quase um soluço.

— Você sempre foi assim... Intenso.

— E você sempre foi assim... Esquiva.

Um silêncio mais leve se acomodou entre nós. Emanuelle voltou a cortar as frutas, mas agora os movimentos eram mais suaves, menos mecânicos. Eu me aproximei, ficando ao seu lado, pegando uma maçã para ajudar. Nossos braços se encostaram de leve, e ela não recuou.

Ficamos ali, cortando frutas, dividindo o mesmo espaço, sem mais palavras. Mas, pela primeira vez, parecia que estávamos realmente dividindo o mesmo momento. E isso, para mim, já era um começo.

Aos poucos, o som ritmado das facas no corte das frutas tornou-se quase um diálogo. Cada fatia era uma pausa, cada respiração era uma resposta. A proximidade entre nós parecia carregar uma eletricidade silenciosa, algo que se escondia nas pequenas trocas de olhares, nos toques sutis e não intencionais.

Heitor engatinhou até a entrada da cozinha, balbuciando palavras que só faziam sentido para ele. Emanuelle largou a faca e se agachou, abrindo os braços. O sorriso dela era uma explosão de luz, tão verdadeiro e puro que quase doía.

— Vem, meu amor! — a voz dela era doce, e Heitor foi até ela com aquela confiança absoluta que só os bebês têm.

Ela o pegou no colo, e eu não pude deixar de admirar a cena. Havia algo de tão natural na forma como ela segurava o menino, como o aconchegava contra o peito, como se aquela fosse sua posição no mundo. E talvez fosse.

— Ele te adora. — comentei, tentando manter a voz leve, mas sabendo que cada palavra era mais profunda do que parecia.

— E eu adoro ele... — ela respondeu, sem me olhar, os olhos fixos em Heitor, que agora mexia nos seus cabelos.

— E quanto a mim?

Emanuelle me olhou. Dessa vez, não havia como escapar. Seu rosto estava nu, sem máscaras, sem subterfúgios. Eu via nela a mulher que amava o Heitor, mas também via a mulher que, talvez, tivesse medo de me amar.

— Eu não sei, Omar... — a voz dela saiu baixa, um pouco rouca. 

— Emanuelle... — dei um passo à frente, ficando mais próximo. — Eu não quero te pressionar, mas quero que saiba que estou aqui.

Heitor, alheio à tensão, soltou uma risada gostosa, jogando a cabeça para trás. Era quase cômico como aquele som infantil cortava o clima pesado entre nós. Emanuelle riu também, como se o bebê tivesse dado permissão para que ela respirasse.

E não era daquela vez que conseguiria arrancar de Emanuelle o que ela sentia realmente por mim.

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