Capítulo 23 Ciúmes

Omar

Eu só queria comprar um sorvete. Nada de mais. Um minuto de distração e, quando olho de volta, vejo um sujeito desconhecido brincando com Heitor. O homem ri, faz caretas, toca as mãozinhas do meu filho. Pior que isso, está ao lado de Emanuelle, conversando, se aproximando demais.

Meu sangue ferve na hora. Seguro o sorvete com força, quase esmagando o copinho. Não gosto disso. Não gosto nada disso. Acelero o passo, sentindo a raiva crescer com cada passada. O cara parece confortável demais ali, como se tivesse alguma intimidade com eles.

— Tá se divertindo, filhão? — digo, chegando perto e deixando minha voz pesar.

O homem ergue o olhar, surpreso. Ele não esperava que alguém chegasse assim, interrompendo.

— Ah, ele é seu filho? — pergunta o cara, ainda sorrindo.

— É, ele é meu filho. — reforço, colocando a mão no carrinho de Heitor. — Emanuelle, tudo bem?

Minha fala não tem sutileza nenhuma. O jeito como olho para ele deixa claro que estou estabelecendo território.

O sorriso do cara some. Ele passa a mão na nuca, parecendo desconfortável.

— Foi mal, cara. Só tava brincando com o garotão aqui.

— Já brincou o suficiente. — corto, seco.

O sujeito entende a indireta e se afasta. Ele nem se despede direito, só joga um "foi um prazer" meio sem graça antes de sumir no meio da praça de alimentação.

Me viro para Emanuelle, esperando um mínimo de reconhecimento, um "obrigada", talvez. Só que não. O olhar dela é de fúria.

— O que foi isso, Omar?! — ela fala baixo, mas seu tom é afiado como uma lâmina.

— O que foi isso? Eu que pergunto! Você deixa qualquer um chegar perto do nosso filho?

— Nosso filho? — ela ri, debochada. — O filho é meu. Você só tá aqui porque eu deixo.

Isso me atinge mais do que deveria, mas finjo que não dói.

— Você sabe que não é assim.

— Sei muito bem como é! — ela cruza os braços, irritada. — Você acha que pode chegar do nada e marcar território, como se eu fosse sua? Como se Heitor fosse um troféu seu?

— Eu só não quero homem estranho se metendo!

— Você não tem direito de decidir isso!

A raiva dela só cresce. Heitor, alheio à tensão, chupa os dedinhos, inocente.

— Você esqueceu que eu só deixei você ficar na minha casa porque preciso de proteção contra a sua mãe? — ela dá um passo para trás. — Só por isso! Não significa nada, além disso, Omar.

Fico em silêncio por um segundo, tentando conter a onda de frustração que sobe no meu peito.

— Você fala como se eu não me importasse.

— E você age como se eu fosse sua propriedade!

— Eu tô protegendo vocês!

— E quem vai me proteger de você, Omar? — ela me encara, firme.

Isso me paralisa.

— Eu nunca te machucaria, Emanuelle.

Ela suspira, massageando a testa. O cansaço é evidente no rosto dela.

— Você tem que entender que não existe "nós", Omar. Você não manda em mim.

Engulo em seco. As palavras dela são duras, cortam fundo.

Ela solta o ar devagar e ajeita o cobertor sobre Heitor.

— Vou pra casa. Vem se quiser.

Então ela se afasta, sem olhar para trás.

Fico ali, parado no meio do shopping, com o copinho de sorvete derretendo na minha mão e um nó na garganta.

Eu não sabia o que fazer. A raiva ainda borbulhava dentro de mim, mas não tinha onde mais despejá-la. Olhei para o lado, vi algumas pessoas caminhando, outras rindo, e me senti completamente deslocado. Como é que ela podia falar aquilo? Como ela podia dizer que eu não significava nada?

Dava para ouvir os passos dela se afastando, mas não me movia. Não sabia se ia atrás ou se ficava ali, tentando entender o que estava acontecendo. Eu só sabia que não gostava de como as coisas estavam indo.

Decidi seguir. Coloquei o copinho no lixo e comecei a andar atrás dela, a passos largos, enquanto minha mente girava, tentando montar um quebra-cabeça que parecia ter peças faltando. Eu tinha a sensação de que ela não via a coisa toda como eu via. E isso me machucava.

Cheguei perto dela, bem no momento em que ela atravessava as portas automáticas do shopping, indo para o estacionamento. O ar estava mais gelado lá fora, e a luz do sol começava a diminuir, jogando sombras longas no chão. Não estava mais quente nem acolhedor como antes.

— Emanuelle... — falei, tentando encontrar um tom que não fosse agressivo.

Ela não parou. Seguiu caminhando, sem nem olhar para trás.

— Emanuelle, me escuta!

Ela diminuiu o passo, mas não virou o rosto. Os ombros dela estavam tensos, e eu pude ver que a batalha dentro dela não estava fácil. Como se ela estivesse tentando decidir entre gritar ou simplesmente desistir de tudo.

— Eu não entendo você, Omar. Você age como se fosse dono de tudo — disse ela, a voz embargada, mas firme. — Eu não sou sua, nunca fui. Não estou aqui porque te devo alguma coisa. Só quero fazer as coisas do meu jeito.

Parei um pouco atrás, me sentindo pequeno. Ela estava certa sobre uma coisa: eu estava tratando as coisas de um jeito possessivo, como se tivesse o direito de controlar a situação. Mas a verdade é que, no fundo, eu não sabia o que fazer. Aquelas palavras, "eu não sou sua", estavam me apertando o peito de um jeito que eu não conseguia explicar. O que era isso que eu sentia? Talvez fosse medo, ou talvez fosse algo mais profundo, algo que eu tinha medo de admitir.

— Emanuelle... eu... — não sabia nem o que dizer. Ficava claro que o que eu fazia não ajudava.

Ela se virou, me encarando diretamente, como se estivesse esperando alguma coisa de mim. Um pedido de desculpas? Uma justificativa? Eu não tinha nada de bom para dizer.

— Você nunca vai entender, vai? — ela olhou para o chão, respirando fundo. — Eu só estou tentando proteger o Heitor. Só ele importa. Só eu sei o que ele precisa, Omar. Não sou uma princesa em um castelo esperando alguém me salvar. Não sou isso.

Aquilo me pegou de surpresa, e eu me senti como se tivesse levado um soco.

Ela continuou, sem esperar que eu interrompesse.

— Você não sabe o medo que sinto todos os dias, Omar. Sua mãe quer tirar meu filho de mim, e você quer a guarda de Heitor também. Tem ideia do quanto isso pesa pra mim?

Eu estava sem palavras. Tentei entender o que ela estava dizendo, mas não conseguia me colocar completamente no lugar dela. Não conseguia entender o medo que ela carregava. A angústia, a insegurança. Eu só via o meu lado da história, essa era a verdade.

— Eu não sou a sua fuga, Omar. Você quer estar aqui, mas não entende o que significa estar aqui. Você não entende o peso disso. Não entende o que isso está me custando.

Eu sentia o peso das palavras dela. Era como se ela tivesse me mostrado uma realidade que eu não estava vendo.

— Então, o que você quer de mim? — perguntei, minha voz baixa, quase inaudível.

Ela olhou para o horizonte, seu rosto suavizando por um instante, mas ainda havia uma tensão visível em seus olhos.

— Quero que você me entenda, Omar. Eu só quero que você me respeite e me deixe ser quem sou, sem tentar me moldar para o que você acha que eu deveria ser.

Era tudo tão claro para ela, enquanto para mim era um labirinto de emoções, medo e frustração. Eu queria proteger, queria ser parte da vida dela, mas, ao mesmo tempo, não sabia como fazer isso sem ultrapassar as fronteiras que ela havia colocado.

Ela deu um suspiro profundo, como se fosse se afastar. Antes de virar, ela falou algo baixo, quase como se fosse um lembrete para ela mesma.

— E você, Omar, precisa entender que não somos nada um do outro. Só isso. Não somos.

E então ela se foi. Deixou-me parado ali, na mesma esquina do estacionamento, com o vento frio batendo no meu rosto, sem saber o que fazer com tudo o que ela tinha dito. Eu ainda queria dar uma desculpa, explicar tudo, mas ela não queria ouvir. E o pior de tudo era que talvez eu não tivesse as palavras certas para isso.

E eu fiquei ali, com a dor da realidade me apertando, enquanto ela se afastava, levando Heitor para longe de mim.

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