Capítulo 20 Dúvidas e proteção
A casa, que antes era meu refúgio, agora parecia menor, sufocante. Cada canto trazia lembranças do que poderia ter acontecido com Heitor se eu não tivesse agido rápido. Aquele homem, que agora dividia o mesmo teto comigo, era uma ameaça silenciosa à paz que eu tentava desesperadamente manter. Omar, o pai biológico do meu filho adotivo, agora era minha sombra, meu protetor forçado. Aceitei sua presença por necessidade, mas cada fibra do meu ser gritava que aquilo era um erro.
Eu me mantinha ocupada, arrumando os brinquedos de Heitor espalhados pela sala, tentando ignorar a presença firme e imponente de Omar. Ele estava ali, sentado no sofá, observando tudo com aquele olhar afiado, como se tentasse antecipar qualquer novo perigo. A tensão entre nós era palpável.
— Você está muito quieta. — ele comentou, rompendo o silêncio.
Seu tom era tranquilo, porém carregado de algo que eu não conseguia decifrar.
— Estou apenas cansada. — respondi sem olhá-lo, colocando um ursinho de pelúcia na prateleira.
— Ainda não tem confiança em mim?
Parei por um instante, sentindo o peso daquela pergunta. Respirei fundo antes de virar para encará-lo.
— A questão não é confiar ou não. Te aceitei na minha casa, mesmo sabendo que você é um perigo em potencial para mim. Como espera que eu me sinta?
Omar inclinou-se para frente, apoiando os cotovelos nos joelhos. Seu olhar penetrante encontrou o meu, e eu senti um arrepio subir pela espinha.
— Quero que você se sinta segura. E pare de pensar que sou um perigo em potencial.
Segurança. Uma palavra que parecia distante da minha realidade. Desde a tentativa de sequestro, eu dormia pouco, acordava sobressaltada no meio da noite para checar se Heitor ainda estava no berço. Meus nervos estavam à flor da pele, e Omar só aumentava essa inquietação.
— Você espera demais de mim. — murmurei, cruzando os braços.
— Não espero nada além do que é justo. Heitor é meu filho também.
Aquilo me atingiu como um soco no estômago. Ele falava como se tivesse algum direito sobre meu bebê, como se pudesse simplesmente reivindicar um papel na vida dele.
— Heitor é meu filho. — minha voz saiu firme, carregada de toda a convicção que eu sentia. — Eu o adotei. Cuidei dele desde sempre e todos os dias luto para que ele seja feliz. Você não tem ideia do que significa ser pai.
A expressão de Omar endureceu. Ele se levantou devagar, seu corpo alto e forte criando uma sombra sobre mim.
— E você acha que eu não me importo?
Eu não sabia o que responder. Claro que ele se importava, ou não estaria ali. Porém, o medo de perdê-lo para ele era real.
Antes que eu pudesse falar, um choro suave ecoou pelo monitor de bebê ao meu lado. Meu coração disparou.
— Vou buscá-lo. — disse rapidamente.
— Eu vou com você.
— Não precisa.
Caminhei apressada, querendo evitar mais uma interação desconfortável. Ao entrar no quarto de Heitor, vi meu pequeno se remexendo no berço, com os olhinhos marejados de sono. Meu coração se acalmou um pouco ao pegá-lo no colo, sentindo seu cheirinho doce.
— Está tudo bem, meu amor. — sussurrei, balançando-o levemente.
Atrás de mim, a porta se abriu sem fazer barulho. Eu sabia que era Omar antes mesmo de virar para confirmar.
— Você devia descansar. — ele sugeriu, encostando-se ao batente.
— E como você espera que eu descanse? — suspirei, sentando-me na poltrona com Heitor aninhado em meu peito.
Omar não respondeu de imediato. Só ficou ali, observando-nos com uma expressão indecifrável. Algo nele me irritava e me acalmava ao mesmo tempo. Um paradoxo perigoso.
— Sei que você não gosta da minha presença aqui. — ele finalmente disse. — Mas não estou indo a lugar nenhum.
— Não posso impedir você, não é?
— Não.
Silêncio. Somente o som da respiração leve de Heitor, que já estava voltando a dormir.
— Só quero o melhor para ele, Emanuelle. — a voz dele saiu mais suave dessa vez.
Eu o encarei por um longo momento, tentando encontrar alguma mentira naquelas palavras, mas tudo o que vi foi sinceridade. Isso tornava tudo ainda mais complicado.
— Então me ajude a protegê-lo sem bagunçar ainda mais a nossa vida.
Omar assentiu lentamente.
— Vou tentar.
Era o máximo que eu podia pedir.
O tempo passou, e a tensão entre mim e Omar começou a ceder, mesmo que de forma sutil. Eu ainda estava em alerta, ainda ponderava se tinha feito a escolha certa ao permitir que ele ficasse, mas precisava admitir que sua presença trazia uma sensação de segurança que eu não conseguia ignorar.
Naquela noite, a casa estava mais tranquila. Heitor dormia no berço, e eu finalmente me permitia um momento de normalidade. Enquanto mexia a panela no fogão, sentia o aroma do tempero se espalhando pelo ambiente. Atrás de mim, o som da água correndo na pia e da louça tilintando indicava que Omar estava ajudando, algo que eu jamais imaginei que veria.
— Nunca pensei que você fosse do tipo que lava-louça. — comentei sem olhar para ele, focada em misturar o molho.
— E eu nunca pensei que cozinharia em uma casa que não fosse a minha. — ele retrucou, com um tom leve.
Não pude evitar um sorriso discreto. Era estranho, mas por um instante, tudo parecia... normal. Como se fôssemos só dois adultos compartilhando as responsabilidades do dia a dia, e não duas pessoas presas em uma situação complicada.
— Isso significa que você sabe cozinhar? — perguntei, levantando uma sobrancelha.
— O básico para não morrer de fome. — ele respondeu, enxaguando um prato. — Mas nada comparado a esse cheiro. O que você está fazendo?
— Um molho caseiro para a massa. Receita da minha avó.
— Parece bom.
Continuei mexendo a panela, sentindo um calor diferente no peito. Não era desconforto, nem medo. Era uma estranha sensação de familiaridade.
— Como foi seu dia? Quero saber o que fez na minha ausência, afinal de contas, deixar seguranças do lado de fora para manter você e Heitor seguros não significa que sei o que fez do lado de dentro. — ele perguntou depois de um tempo.
A pergunta me pegou de surpresa. Não porque fosse incomum, mas porque ele parecia genuinamente interessado.
— Cansativo. — suspirei. — Heitor está começando a engatinhar mais rápido, e eu quase tive que correr atrás dele o tempo todo.
— Ele é forte. E esperto.
— Sim, e inquieto. — ri baixinho. — Se continuar assim, logo vai estar correndo pela casa.
Omar se encostou à pia, cruzando os braços, já tendo terminado a louça. Ele me observava de um jeito diferente, menos defensivo.
— Fico feliz que ele tenha você.
Parei por um instante, deixando o silêncio preencher o espaço. Era raro ouvir algo tão sincero vindo dele, sem camadas de tensão ou disputa.
— Eu também fico feliz por tê-lo. — admiti baixinho.
Nossos olhares se encontraram, e por um breve segundo, o peso da nossa relação complicada pareceu desaparecer. Não éramos inimigos, nem desconhecidos tentando coexistir. Éramos duas pessoas que amavam o mesmo menino e, de alguma forma, precisavam aprender a caminhar juntas.
— O jantar está quase pronto. — avisei, quebrando o momento.
— Então vou arrumar a mesa.
E, pela primeira vez, não havia resistência entre nós. Apenas um entendimento silencioso.
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