Capítulo 13 Heitor adoece
O hospital tinha aquele cheiro frio de álcool e remédios. A luz branca, impessoal, tornava tudo mais sufocante. Meu coração pulsava descompassado enquanto eu olhava para o bercinho onde meu bebê, tão pequeno, lutava contra a febre que consumia seu corpinho.
Heitor adoeceu tão repentinamente que a primeira coisa que fiz foi levá-lo para o hospital.
O médico ajeitou os óculos e olhou para mim com expressão neutra.
— A febre está alta, mas estamos controlando. Fizemos exames, ainda aguardamos alguns resultados, mas parece uma infecção viral.
Fechei os olhos por um instante, tentando segurar o peso da culpa que esmagava meu peito. Eu deveria ter protegido meu filho. Como deixei que isso acontecesse?
Antes que eu pudesse perguntar mais alguma coisa, a porta se abriu. Meu corpo travou quando Omar entrou, o rosto tenso, os olhos varrendo o quarto até pousarem no bebê. Ele estava pálido, a mandíbula trincada, as mãos fechadas em punhos ao lado do corpo.
— O que aconteceu com ele? — sua voz saiu baixa, mas cheia de uma urgência que me fez estremecer.
Como ele tinha descoberto? Ah, claro, ele vivia mandando capachos me vigiar!
O médico, sem perceber a tensão no ar, virou-se para nós dois e sorriu de leve.
— Os pais sempre ficam preocupados, é normal. Mas fiquem tranquilos, estamos fazendo o possível.
Engoli em seco. Meu estômago deu um nó. Omar não era um homem qualquer, ele era o pai biológico do meu filho. Mas essa era uma verdade que eu ainda não estava pronta para encarar em público.
— Ele vai ficar bem? — Omar deu um passo à frente, a voz mais firme agora. Seus olhos estavam cheios de algo que eu não queria nomear.
— Como eu disse, os exames ainda não chegaram. Mas a febre está sendo controlada, e isso já é um bom sinal. O importante é que ele receba carinho e suporte emocional dos pais.
"Pais." O médico disse "pais".
Olhei para Omar e vi que ele também tinha notado. Seu maxilar tensionou ainda mais, mas ele não corrigiu o médico. E eu... eu não consegui dizer nada.
— Ele estava bem. Como ficou assim? — Omar desviou os olhos de mim e olhou para o médico, como se eu não fosse capaz de dar uma resposta.
— Algumas infecções podem evoluir rapidamente. — o médico se limitou a responder. — Mas ele está respondendo bem ao tratamento.
— Quero vê-lo de perto. — Omar não esperou permissão. Se aproximou do bercinho e, com um cuidado que me desarmou, passou os dedos pelo rostinho do bebê. — Ele está quente.
— A febre ainda não baixou completamente, mas está estável. — o médico verificou o prontuário antes de olhar para mim. — Você quer ficar aqui com ele essa noite?
Assenti imediatamente.
— Sim. Claro.
Omar pigarreou ao meu lado.
— Eu também fico.
Virei-me para ele, surpresa.
— Não precisa.
Ele me encarou, os olhos escuros carregando uma determinação inabalável.
— Ele é meu filho. Eu não vou sair daqui enquanto ele estiver assim.
O médico sorriu de novo, satisfeito com o que interpretou como uma família unida em um momento difícil.
— Isso é ótimo. O apoio dos pais faz toda a diferença. Se precisarem de algo, falem com a enfermagem.
Assim que ele saiu, o silêncio se instalou entre nós. Omar continuou olhando para o bebê, seu rosto uma tempestade de emoções contidas.
Eu não sabia o que dizer. Queria gritar, expulsá-lo do quarto, afinal eu que tinha legalmente a guarda do Heitor, não ele. Mas não consegui. Porque, apesar de tudo, ele estava ali. E sua preocupação era genuína.
Suspirei, cruzando os braços.
— Você não precisava vir.
Ele soltou uma risada baixa, sem humor.
— Você acha que eu não viria quando descobrisse que meu filho estava doente?
Engoli em seco.
— Ele é meu filho.
— Nosso. — ele me corrigiu, firme.
O peso daquela palavra caiu entre nós como uma âncora. Eu queria negar, mas não podia. E ele sabia disso.
O bebê se mexeu no bercinho, resmungando baixinho. Ambos nos inclinamos ao mesmo tempo, nossas mãos quase se tocando. Recuei primeiro, sentindo o calor subir pelo meu rosto.
O tempo dentro do hospital parecia correr de um jeito diferente. Como se o mundo lá fora tivesse parado, e só existisse aquele quarto, aquele bebê, e nós dois.
Omar não saía do lado do bercinho. Nem por um segundo. Eu esperava que ele tentasse discutir, que falasse sobre a guarda, que jogasse na minha cara que aquele bebê era dele. Mas ele não disse nada.
E talvez fosse isso que mais me perturbava.
Ele apenas ficou ali.
— Ele se mexe muito quando dorme. — murmurei, observando o pequeno franzir a testa, inquieto.
— Igual a mim quando era bebê. — Omar respondeu, quase num sussurro.
Virei o rosto para encará-lo. Ele não olhava para mim, somente para o filho, os dedos percorrendo de leve a manta que o cobria.
Fiquei em silêncio, observando. Ele fazia aquilo de um jeito tão natural. Como se já tivesse passado noites inteiras velando o sono do nosso filho.
"Nosso."
Eu nem devia pensar assim. Não quando sabia que ele estava ali só porque queria tirá-lo de mim. Mas, por um instante, deixei essa verdade de lado.
— Você pode descansar um pouco. — ele disse, sem me olhar.
— Não quero dormir.
— Não precisa ficar de guarda. Estou aqui.
Isso me pegou de surpresa. Porque, de alguma forma, ele tinha percebido. Eu estava sempre alerta. Sempre pronta para proteger o meu bebê.
Omar ajeitou a cadeira, ficando mais perto. O calor do corpo dele chegou até mim, e um arrepio percorreu minha pele.
— Ele vai ficar bem. — ele murmurou, mais para si mesmo do que para mim.
O que eu podia dizer? Que eu tinha medo? Medo que ele de uma hora pra outra raptasse Heitor? Eu não queria confiar em Omar.
Suspirei, passando as mãos pelo rosto.
Omar me observava. Eu podia sentir.
— Você está bem? — ele perguntou, baixinho.
Quase ri. Era irônico ele perguntar isso, quando tudo que eu fazia era lutar contra ele para manter o meu filho comigo. Mas, ali, naquela noite, cercados pelo cheiro de álcool e pelo bip ritmado das máquinas, parecia que éramos só dois pais preocupados.
E isso era perigoso.
— Só estou cansada.
Ele assentiu, sem insistir.
O bebê resmungou no bercinho, e nós dois nos inclinamos ao mesmo tempo. De novo, nossas mãos quase se tocaram. Recuei primeiro, sentindo o coração disparar com o contato que não chegou a acontecer.
Omar não pareceu notar ou, se notou, não demonstrou. Ele colocou a palma grande sobre a barriguinha do bebê, murmurando algo baixinho, algo que não consegui entender.
Meu peito apertou.
Aquela cena não deveria me afetar. Não deveria me fazer sentir algo além de desconfiança e resistência. Mas fez.
Porque, pela primeira vez, vi Omar como um pai. Não como um adversário. Não como alguém que queria tirar meu filho de mim. Mas como um homem que amava aquele bebê tanto quanto eu.
E isso me aterrorizava mais do que qualquer ameaça que ele pudesse fazer.
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