Capítulo 3 - Levando um choque de realidade

— E então... Lucas, não é? O que estava fazendo por essas bandas do litoral? - perguntou o único motorista que parou para me ajudar após ficar horas à beira da estrada esperando por algum motorista que pudesse me dar carona até a cidade.

Eu estava um tanto disperso, pois havíamos acabado de entrar na cidade, a cidade onde eu moro - ou costumava morar -, e isso estava me fazendo sentir umas sensações esquisitas. Estava tudo tão diferente mas ao mesmo tempo ainda tinha um quê de familiaridade ainda. Como por exemplo, os prédios que ficavam logo na entrada da cidade, que eram rodeados de uma área verde, mas agora, no lugar da área verde, haviam sido construído mais prédios. Prédios mais modernos, bem mais altos, imponentes. Isso me levava a questão a qual eu realmente precisava saber:

— Em que ano estamos? - perguntei ignorando totalmente as perguntas do senhor de barba branca e cumprida, ao meu lado.

Ele por um instante pareceu realmente confuso, mas ainda assim, respondeu em tom amistoso, sem parar de olhar para a estrada.

— Estamos no futuro, meu jovem - deu um sorriso de canto de boca. — Também conhecido como ano de dois mil e trinta e dois!

(...)

Após chegarmos ao centro da cidade, agradeci pela carona que o senhor barbudo e gente boa me deu e só então pude perceber que eu realmente estava no futuro!

Por todos os lados haviam prédios e mais prédios. Todos muito modernos, extremamente altos, e quando alguns raios de sol batiam em seus vidros espelhados na parte mais alta, seu reflexo fazia parecer que existia um segundo sol ali. Até mesmo os carros pareciam ter evoluído, com designers mais modernos e mais bonitos. Parecia ter muito mais pessoas transitando pelas ruas, pelas faixas de pedestres. Muitas coisas haviam mudado. Mas eu realmente não estava interessado naquilo naquele momento, apesar de eu ter feito uma coisa que ninguém na história da humidade tenha feito - viajar no tempo -, eu só conseguia pensar em uma coisa. Uma pessoa na verdade. Por isso, puxei da memória como chegar à minha casa, pois meus pais deviam estar loucos.

Pensei em pegar um táxi ou um ônibus até minha casa, mas só aí percebi que eu estava absolutamente sem nenhum dinheiro. Ou será que se eu dissesse que eu vim do passado, através de uma máquina do tempo, me levariam até meu destino sem precisar cobrar? Acho que não... Por isso, tive muito tempo para pensar na Laís enquanto ia caminhando até minha casa.

Eu havia viajado seis anos à frente no tempo. Isso significava que a Laís estava com vinte anos. A Laís agora estava mais velha que eu. Isso soa até meio irônico, já que eu tive de viajar no tempo por ser "muito velho para ela", e agora ela estava mais velha que eu. Irônico!

Enquanto caminhava por entre as ruas e avenidas da minha "nova" cidade, não parava de me questionar se a Laís ainda lembrava da promessa que tinha feito de me amar para sempre. Será que é possível amar alguém para sempre?

E se a minha ausência por todos esses anos a tivesse feito me esquecer?

E se ela tivesse conhecido alguém que permaneceu presente?

Ou pior...

Alguém que fosse capaz de fazê-la me esquecer?

Meu coração apertava só de pensar na hipótese de perdê-la para outro alguém,  adiantei os passos para tentar obter respostas o mais rápido possível. Só torcia para que aquela sensação ruim dentro de mim fosse apenas fome.

Depois de aproximadamente cinquenta minutos andando, entrei numa rua arborizada, uma rua que eu lembrava perfeitamente, uma rua que continuava a mesma depois de seis anos, eu finalmente encontrei a rua onde morava.

Corri em busca da casa de número duzentos e quinze com um misto de saudade, receio, curiosidade, lágrimas nos olhos e com a sensação de que meu coração iria explodir a qualquer momento.

Senti a grama do gramado da faixada por entre meus dedos dos pés descalços e fui acometido por várias lembranças da minha infância.

Àquela altura já não era mais possível segurar a emoção, que só foi contida quando uma senhora de cabelos ameaçando a ficar grisalhos e início de rugas dando sinais de aparição em sua face abrir a porta.

— Meu filho?

— Mãe?

E nada além disso foi dito. Nos abraçamos e permanecemos assim por muito tempo, mas pouco tempo para matar a saudade que nos matava.

Choramos. Nos olhamos. Voltamos a chorar. Nos olhamos mais.

E ficamos assim por um longo período de tempo. Era como se pra ela aquilo não estivesse acontecendo, que era apenas um sonho, pois minha mãe não parecia acreditar ser verdade quando eu finalmente consegui dizer em um sussuro, com a voz embargada "Agora eu tô aqui, mãe".

Reparei em seu rosto, e realmente minha mãe parecia ter envelhecido muito mais que apenas seis anos. Seus olhos estavam fundos e ao redor escuros, como se não tivesse dormido uma noite sequer após eu ter viajado no tempo; seu sorriso que era sempre tão alegre, parecia ter morrido; seus cabelos de que ela tanto se orgulhava, já não era mais o mesmo; ela aparentava estar muito mais magra, pálida e principalmente solitária. Vê-la daquele jeito estava me matando por dentro, pois eu sabia que a culpa dela ter ficado naquele estado era minha.

— Você está com fome? Quer que eu prepare alguma coisa para você comer? - ela disse depressa já do lado de dentro, preocupada, como se a qualquer momento eu fosse sumir. De novo.

— Estou sim, mãe. Quero. Estou sem comer há não sei quanto tempo.

E então ela disparou para a cozinha para  preparar alguma coisa para eu comer.

A sala de estar ainda era absolutamente a mesma, com o nosso velho sofá de couro, cor de creme, fotos nossas espalhadas ao redor da sala, sobre os móveis. Até que senti um desconforto onde estava sentado. Eu havia sentado em cima de um papel. Um papel com uma foto minha. Com uma legenda escrita: "DESAPARECIDO".

Aquilo me assustou, pois em momento nenhum eu pensei nas consequências que viajar no tempo traria. E agora eu via o quanto fui imprudente e egoísta.

Será que amar significa ser egoísta com as outras pessoas?

Quando minha mãe voltou da cozinha com uma bandeja de comida nas mãos, ela me viu com o papel que tinha meu rosto estampado e sua expressão que até tinha melhorado um pouquinho, novamente se entristeceu.

Eu fiquei sem reação e apenas fiquei a olhando, até que, ela começou a falar...

— Quando você sumiu, eu e seu pai mobilizamos toda a vizinhança, chamamos a polícia, e colocamos cartazes com seu rosto em todos os lugares. Mas de nada adiantou. Ninguém conseguiu te encontrar - algumas lágrimas ameaçaram cair de seus olhos, mas ela foi forte e continuou falando. — Dois dias depois o pai daquela sua namoradinha veio aqui em casa, falar comigo e com seu pai. E ele contou uma história de filme de ficção, dizendo que seguiu vocês, indo sozinhos, até a nossa antiga casa de praia e que ficou louco por ter visto vocês dois juntos, mesmo após nós termos proibido de vocês de se encontrarem - agora na voz dela havia algo mais além de tristeza, parecia haver raiva também. — E que travou uma luta com você. Quando eu pensei em gritar que ele era um assassino, que você ter sumido era culpa dele, ele negou e começou a contar que você tinha entrado dentro de uma máquina, que em seguida saiu um clarão que o deixou cego temporariamente e que quando finalmente voltou a enxergar, você tinha sumido. Lógico que eu não acreditei em nenhuma palavra que ele disse e jurei que iria fazê-lo ir preso. Mas ao contrário de mim, que permaneci focada em colocá-lo atrás das grades, seu pai cada vez mais falava menos, permanecia com aquela expressão vazia, com cara de culpa. Os meses foram passando, e seu pai foi ficando doente. Ficou em depressão, talvez pelo seu desaparecimento. Tinha noites que ele acordava no meio da noite, chorando, pedindo desculpas. Mas eu não entendia o que estava acontecendo. Então resolvi interna-lo - só então minha mãe parou de segurar o choro e se permitiu chorar, mas não parou de falar. — Um ano e seis meses depois seu pai ainda estava internado, e continuava piorando, acordando no meio da noite pedindo desculpas. Em uma noite muito chuvosa, fui visitá-lo onde ele estava internado, e então ele me contou. Ele me contou que aquilo que o pai da Laís havia contado era verdade. Ele me contou do seu projeto de criar uma máquina do tempo e que a escondeu na nossa antiga casa de praia, e que a culpa de você ter sumido, era dele! Logo eu voltei pra casa, achando que a depressão dele havia alterado sua sanidade - ela fez uma pausa em sua fala e se permitiu chorar mais um pouco, desta vez eu também me permitir chorar, ciente da besteira que eu havia feito. — Mas naquela mesma noite, ligaram da clínica onde ele estava internado, e me disseram que ele havia tido uma parada respiratória.

Nesse momento passou um calafrio em minha espinha. Um choque.

— O que houve com meu pai, mãe? - perguntei, assustado, segurando em seus ombros.

Ela então virou o rosto, demonstrando que não iria conseguir falar aquilo olhando em meus olhos, e então com o rosto virado mesmo, ela disse de uma só vez:

— Seu pai morreu!

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