☠️Capítulo II: Perseguido Pela Morte☠️

U̷m̷ Minu̷t̷o̷ P̷a̷r̷a̷ F̷i̷m̷ d̷o̷ Mun̷d̷o̷

Um furacão se fazia presente e percorria cada canto de seu corpo imortal, enquanto as asas eram impedidas de alçar voo por sua mente. O bater, sutil ou bruto, do par causaria três consequências: sua visibilidade era ativada; seu poder de mortalidade atingia quem o visse e, obviamente, conseguia sair do chão e chegar em um lugar que nenhum mortal poderia ir com o dom da vida.

Em Daegu, no sudeste da Coreia do Sul, um adolescente arregalava os olhos de pavor diante do material reluzente e metálico, o cinza da névoa da cidade lutava um combate sangrento contra a luz amarelada da alma de Hoseok. Esta combinava perfeitamente com a flor que mais crescia na cidade como erva daninha: as pétalas esbranquiçadas e em tom de branco neve das belas flores de Gardênia*.

À medida que os segundos se passavam, a essência saia de dentro do pequeno e magérrimo corpo do coreano, ao mesmo tempo que o caminhão afogava a lataria em sua face. O líquido escarlate banhava o garoto sem dó ou piedade. Antes do momento de sua morte chegar, ele já havia enfrentado o luto diversas vezes e justamente isso que encantou de forma perturbadora Agust D.

Do anjo mortífero para o menino, uma imaginativa e platônica relação de anos já havia acontecido, isso porque Azrael e seus dois egos dicotômicos já conheciam aquela face de tragédias anteriores, enquanto não podiam se mostrar para a ser humano de forma alguma, isso seria o fim.

Como um imã que puxa o drama e as catástrofes, Jung Hoseok viveu por toda a sua simples e inquietante extensão terrestre. Parecia feito para sofrer, sempre foi assim e sempre vai ser.

Os cabelos castanhos e lisos escorriam por sua extensa testa, o rosto mais oval do que os de outros orientais puxava suas feições para uma doçura. Os olhos ficavam mais pequenos, a boca mais estreita e as expressões mais delicadas toda vez que sorria. Ao contrário da paz que sempre emanou de sua face, sua vida foi um verdadeiro desastre de mortes atrás de mortes em um ciclo digno de ser chamado de destino injusto – ou Inferno.

Quando descobriu o terrível significado da palavra morte aos 5 anos de idade, o coração encolheu-se de imediato, uma colméia de abelhas tentando se esgueirar em um espaço diminuto até mesmo para elas.

A mente ficou infestada de afirmações de terror — qualquer um que amo pode e vai falecer. Era como se uma nuvem de gafanhotos surgissem de repente em um lugar inóspito e hostil, sobrevivendo à sorte. Seu interior não era o melhor dos espaços para pensamentos negativos ou ansiosos.

Apesar de ser uma pessoa rodeada de trevas, acontecimentos catastróficos e tristemente inevitáveis, por dentro sua mente e miocárdio emanavam uma claridade resplandecente e amarelada. Ele refletia o melhor de quem estivesse por perto e, também, conseguia enxergar qualidades até nas pessoas mais fechadas e aparentemente insensíveis.

A morte o perseguiu durante toda a vida, pensava constantemente que havia nascido com alguma maldição; detestava notar que a imortalidade existia somente na ficção e, quando lia seus livros favoritos do tema, odiava admitir que viver para sempre não parecia algo totalmente positivo.

Contudo, iria preferir isto: a vida eterna, o tédio e a depressão da condição dos deuses do que abrir a mão vermelha da corda invisível que segurava as pessoas por perto. Viveu sendo castigado pelo universo, todos que amavam uma hora faleciam ou, pior ainda, sofriam diante de seus olhos.

A madrinha de batismo dele morreu de maneira trágica quando Hoseok era criança.

Por incrível que pareça, a visão das sapatilhas marrons pairando no ar e balançando sutilmente não destruíram por completo seu jeito doce de ser, foi ele quem a achou. Com tão pouca idade, não tinha compreendido o que a adorável senhora coreana havia feito, tempos mais tarde entendeu e sentiu-se insignificante e angustiado com a descrição cruel que define a palavra suicídio.

Gritou pela primeira vez chamando a Morte.

Quando Agust D notou como aquela criatura frágil, minúscula e dócil não tinha se amargurada com a pior e mais terrível das visões, ficou encantado. O anjo mortífero já tinha presenciado aquilo diversas vezes, recolhido as almas e as levado para o além; já havia sentindo o desespero dos familiares, a tristeza sem fim e permanente dos amigos e o sufoco angustiante dos amantes daqueles que se suicidavam.

Nunca, em toda a sua ardente e sozinha existência, tinha visto uma criança desenvolver em poucos anos uma resiliência admirável perante tal situação. O pobre mortal tentava aceitar que tudo, inclusive as pessoas, era passageiro. Ao viver num mundo onde nada era eterno, não abraçar o fim era o verdadeiro sofrimento, e não a morte em si.

Ao notar tal inteligência emocional em uma pessoa de tão pouca idade, Azrael utilizou, a partir de então, todo seu tempo livre para vigiar o garoto – o que não era lá muito tempo, já que a labuta demandava sua atenção quase sem tréguas.

Entretanto, rodear com afinco o garoto depois daquele suicídio gerou consequências. Quando Hoseok tinha 11 anos, gritou novamente por conta de outra morte. A avó materna dele foi para o outro plano.

O mortal não sabia definir se uma morte repentina era pior ou não do que a demorada matança que as sessões de quimioterapia e fisioterapia causaram na velhinha em conjunto das células cancerígenas. Mesmo assim, após um ano do falecimento, começou a aceitar o mantra que tanto repetia para si mesmo desde o começo da infância: morrer não significa, necessariamente, o fim.

Agust D ficou fascinado pelo fato de que aquele simples mortal não o via como algo negativo e desprezível, mas, sim, como um fato natural da existência; uma condição; um elemento do ciclo da vida.

Dois anos depois, com o anjo da Morte o vigiando cada vez mais, Jung sentiu a dor da mortalidade pela terceira vez. Tinha apenas 13 anos quando a mãe foi estuprada violentamente até falecer. Berrou pela presença de Agust D novamente, desta vez, com uma violência e pesar tão terríveis que lembraram o som dos tambores do interior de Suga, o elemento mais bélico daquele que levava o foice consigo.

A criatura das trevas continuou olhando de perto, mantendo sua invisibilidade, enquanto rogava para Deus dar um momento de paz na vida curta e já tão complicada de viver daquele ser humano. Não supôs por nenhum momento que sua vigia e perseguição pelo garoto fosse um fator para que as tragédias acontecessem.

O todo poderoso não ouviu o anjo mortífero, como sempre fazia, mas nem por isso Min Yoongi desistiu; o elemento da vida dentro de Agust D viveu uma novena de orações para que Hoseok sentisse paz, enquanto Suga ficava cada dia mais vidrado nos acontecimentos terríveis da vida daquele garoto – era até prazeroso.

Hoseok estava prestes a se sentir minimamente bem novamente perante ao luto quando debutou. Meses depois do aniversário de 15 anos, no fático momento presente, o garoto foi atropelado por um caminhão de carga desgovernado no meio da rua.

A carcaça dura destruiu seu rosto, perfurou com intensas dores os ossos, massacrou a dignidade e restou-lhe a vida em um momento tão breve quanto um sopro.

Ou, pelo menos, era isso que o destino queria que acontecesse.

Isso porque, quando Agust D ouviu aquele som estridente que soava uma melodia de dores, sofrimento e morte, o anjo correu em desespero por entre as árvores da floresta, não suportando o destino cruel. Quando visualizou o rosto machucado do coreano, uma dor percorreu seu ser, chegou no local do acidente exatamente um minuto depois do ocorrido.

Irritou-se profundamente, o sangue celestial corria em suas veias em alta velocidade, fervia o líquido enquanto os milésimos de segundos passavam. Ele não conseguia acreditar que um ser tão sereno, belo e maleável com as piores tragédias da vida poderia simplesmente morrer assim de forma tão injusta e dolorosa.

Juntou as mãos em fúria, colou elas automaticamente ao lado das pernas, tentou respirar fundo, mas não insistiu, a ira dos demônios dentro de si revirava de tal forma que Suga, o guerreiro, queria lutar por diversão; Min Yoongi, o dom da vida, queria se libertar e dar o dom da vida eterna para Hoseok, enquanto Agust D não conseguia controlar os seus e muito menos os pensamentos dos outros companheiros de corpo.

Por isso, começou a cometer um crime celestial, sem pensar duas vezes.

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Notas de rodapé:
*Gardênia é uma planta originária da África, sul da Ásia e Oceania com flores que variam do tom branco para o puro nevado e até creme. Ela pode significar pureza, sinceridade, doçura e também ser o símbolo de um amor proibido.

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