Parte 1 - Capítulo I
Londres, Inglaterra
Março de 1817
Havia muito que se poderia dizer sobre um libertino, e tais conjecturas nunca deveriam sair pelos lábios de uma jovem, tal que o que poderiam saber a respeito de categoria tão seleta — e, por tal, deve-se ler: tão vulgar e imoral e cafajeste! — baseava-se em rumores, dos quais as mães se aproveitavam muito bem para alertar suas jovens filhas a respeito dos perigos que um falso cortejo poderia trazer.
Charity Blunt tinha perfeito juízo quanto aos perigos que deveria evitar: nunca saia desacompanhada ao jardim, nem estimule uma conversa que pareça inadequada, tampouco retribua os olhares ardentes que lhe serão lançados.
Sem dúvida, sua mãe, a viscondessa de Weymouth, nunca se utilizara de termo tão bajulador para descrever um libertino, mas era assim que Charity conseguiria descrever perfeitamente o olhar de um deles.
Ou melhor seria dizer: o olhar dele.
Ela o notava mesmo estando do outro lado do salão, e qualquer um o faria, fosse naquele baile ou nos que já foram e ainda viriam. Um fato era incontestável: Vincent Price, o duque de St Albans, poderia vestir-se com trapos miseravelmente costurados que ainda seria algo a se observar.
Algo perigoso, tentador e escandaloso.
Era como se os traços de seu rosto tivessem sido desenhados para tentar o coração de uma jovem. O maxilar firme, as maçãs do rosto altas e protuberantes, um olhar profundo no tom de piscinas naturais, protegidos por cílios tão logos que poderiam ser considerados até mesmo femininos – isto é, se não pertencessem a ele. Com semblante sempre tão sério e intimidador, poderia ter feito o próprio Napoleão tremer em um confronto.
De fato, as vezes em que seus olhares se cruzaram, Charity não teve qualquer chance. As pernas tremerem, a respiração pareceu falhar e os dedos apertaram as saias de seda...
...e então ele partiu, sem lhe dar qualquer valor.
Seus modos eram de um libertino, pois trocavam de vítimas com a impetuosidade necessária a uma guerra. Será que ele não compreendia que Waterloo terminara? Que o conflito já havia terminado? Por que se movia como se pudesse derrubar as paredes e partir corações?
Ah, a resposta veio clara à mente de Charity: justamente por ele saber que poderia.
Nada é mais perigoso em um homem do que a percepção de seu próprio poder, não obstante, nada mais charmoso.
Mas a ela não cabia suspirar por homens como aquele, e vê-lo partir, em todos os bailes, na companhia de uma dama — cuja reputação, certamente, já estava abalada muito antes de sua presença, que chegara para pulverizá-la pela eternidade, deveria ser um alívio.
Muitas coisas, na verdade, deveriam ser algo, mas falhavam consideravelmente em tão simples tarefa. Sua lista de responsabilidades e decoros fora passada incessantemente por todas as tutoras que tivera na vida — e não se deve presumir a diversidade de tutoras que tivera como ausência de modos ou qualquer incapacidade mental.
Charity Blunt estava em seu pleno juízo e era a perfeita pretendente para qualquer cavalheiro, desde sua beleza genuinamente inglesa, com longos cabelos loiros e bochechas rosadas, apesar dos olhos castanhos, até o fato de que a viscondessa fizera questão de torná-la um cristal a se admirar através da rotação de suas tutoras. Não deveria haver apego emocional em quem lhe deveria transmitir somente conhecimento, dizia ela, e assim a garota conseguiu seu francês de colóquio, aprendeu sobre o que deveria dizer e como reagir ao que lhe era dito, a como se portar em um jantar e como tocar pianoforte, harpa, e até mesmo desenhar, ainda que não fosse tão boa.
Curiosa e inapropriadamente, Charity sabia que não seria boa em nada se estivesse diante a presença de Vincent Price.
Se tocasse a harpa, talvez ouvisse gatos chorando do lado de fora.
Se tentasse o pianoforte, alguma das teclas quebraria.
E, oh, céus, se tentasse desenhar... seria como fazer um autorretrato de sua própria vergonha.
Talvez devesse descrever o duque de St. Albans como intimidador, mais do que ardente.
Ou, talvez, devesse apenas suprimir pensamentos a seu respeito. Libertinos levam à ruína, isso era claro...
Mas por que tantas damas não pareciam se importar de serem arruinadas por ele?
Essa pergunta perturbou-a por uma semana, até vê-lo novamente no baile seguinte, encostado, recluso, do outro lado do salão. Como sempre, parecia haver um mar a se cruzar entre eles, e Vincent Price encarava aquela maré como se a pudesse controlar.
Se lhe coubesse alguma perda de juízo, pensaria que ele apanharia seu cajado e o usaria para levantar as ondas, permitindo-a atravessar.
— Parece distante — comentou lorde Stevenson antes de girá-la ao som da quadrilha. — No que está pensando?
Charity sentiu as bochechas queimarem por quase ter sido flagrada pensando sobre o que não deveria.
A melhor saída — e, curiosamente, a única opção indicada pela própria etiqueta — seria mentir.
— Em nada, milorde.
Ele estreitou seus olhos e bateu palmas antes de, desanimadamente, saltitar ao seu arredor. Pareciam dois pássaros cansados tentando convencer um ao outro de que suas penas seriam brilhantes para sempre.
Por ser uma boa garota, Charity Blunt sabia que se casaria com lorde Stevenson, e satisfez-se com isso. Não era como se nutrisse grande paixão por aquele rapaz, que era bem afeiçoado e consideravelmente rico, mas encontrava-se confortável em sua presença.
— Será uma vida abastada e sem dificuldades, em uma propriedade linda em Bath! — reforçou a mãe, uma tarde, quando ela lhe dissera que lorde Stevenson a havia convidado para um passeio em seu faetonte. — Deve aceitar!
Pois ela aceitaria, se ele lhe fizesse o pedido, naquela noite. Isso acalmaria seus pensamentos sobre Vincent Price, e garantiria que viveria como era esperado. Sem escândalos!
Charity forçou seu melhor sorriso mesmo quando ouviu lorde Stevenson dizer:
— É evidente que pensava em algo, milady.
— Não desejaria entendia-lo com meus devaneios — esquivou-se.
Ele a contornou no ritmo da dança, os pés batendo em um ritmo que deveria ser frenético, mas dava pena.
— Acredito que eu já esteja entediado, então, pode dizer.
Ela precisou que as bochechas doessem para perceber que ainda sorria diante aquela invectiva, a qual não parecia grande coisa aos ouvidos de Stevenson, mas que, aos dela, soou quase impertinente.
Por sorte, a quadrilha se encerrou antes que ela pudesse dizer algo, e lorde Stevenson lhe perguntava:
— Outra dança?
Estava evidente em seus olhos que nenhum dos dois apreciaria aquilo.
— Creio que tenha me exaurido, milorde — elogiou-o enquanto apanhava seu leque, preso ao pulso, e começava a se abanar. — Mas apreciaria muito uma bebida.
— Pegarei uma limonada para a senhorita — ofereceu-se antes de fazer uma breve mesura e deixá-la ali, no mar de vestidos e fraques, champanhe e vinho do porto.
No mar que Vincent Price cruzava com o olhar fixo nos seus.
Oh, senhora das anáguas apertadas, permita-me ser forte e não me deixe cair!
Charity prendeu a própria respiração quando o viu se aproximar, o caminhar suntuoso, elegante, os ombros perfeitamente justos no fraque escuro, o colete de brocado vermelho a única fonte de cor em todo o seu traje, além, é claro, da corrente que trazia presa no bolso em seu peito. O que ele escondia ali, ela não saberia com certeza, mas desconfiava que fosse um relógio.
Pelo olhar tedioso que encontrava em seus olhos, vez ou outra, pensara que o veria puxar as horas para vê-las correr, mas nunca o fizera.
Patife como ouvira ser, Vincent Price parecia se divertir com essa curiosidade, quase como se soubesse que era fruto de interesse dela própria; mas isso, é claro, poderia ser uma mera ilusão da prepotência que Charity jogava sobre o duque.
De qualquer forma, ela já estava a meio metro dela quando lorde Stevenson retornou, entregando-lhe a limonada e dizendo algo que ela não conseguiu entender.
Em uma virada súbita, o duque desviou de seu caminho e encaminhou-se para a escadaria que guiava à antessala, por onde desapareceu.
— Milady? — Pelo tom de lorde Stevenson, não era a primeira vez que a chamava. — Precisa de um pouco de ar?
Charity só notara que ainda prendia a respiração quando os pulmões queimaram e a coluna enrijeceu. Fervia por dentro por ter estado sob o olhar do duque de St. Albans, ainda que, em retrospecto, seu juízo lhe fizesse questionar: estive mesmo?
A súbita divergência de trajeto, como se virasse um leme contra uma súbita onda, a faria acreditar que sim, estivera, mas a prudência lhe guiava por marés mais calmas.
Seguras.
Onde havia um porto chamado lorde Stevenson.
— Na verdade, eu só... — tentou formular algo. Não queria ir aos jardins. Queria descobrir aonde o duque fora. — O que acha de caminharmos pelo salão?
Um gole em sua limonada lhe ocupou pelo tempo que o cavalheiro levou a dizer:
— Eu adoraria, mas creio que haja alas mais interessantes a se conhecer.
A resposta foi diferente do que esperava, tal que Charity franziu o cenho.
— É mesmo?
— Oh, sim, esta é uma das propriedades mais antigas de Mayfair, e seu acervo de pinturas é de invejar! — explicou forjando certa animação. Ela pressentiu que havia algo por detrás de tal convite, mas não soube ao certo o que seria.
Se fosse seu pedido de casamento, lorde Stevenson o faria sob o olhar de todos, inclusive o de sua mãe, que os observava do outro extremo do salão.
Mas sugerira que saíssem dali...
— Bem, eu adoraria conhecer em sua companhia — respondeu, terminando sua bebida e sabendo que a arte mais bela que poderia encontrar seriam os traços do rosto de Vincent Price esquivando-se por aqueles corredores.
***
Distante do salão de baile, onde a banda tocava e os convivas falavam alegremente sobre qualquer assunto que pudessem criar, os outros ambientes da mansão pareciam incomumente quietos. Era como se, a cada passo, adentrassem uma nova atmosfera, e observar tantas pinturas poderia ter sido agradável se lorde Stevenson não tivesse parecido tão subitamente nervoso.
Não poderia ser bom sinal.
— É Perséfone, não é? — indagou ela quando pararam por mais de dois minutos diante uma pintura que retratava Hades apanhando sua esposa, as chamas queimando atrás deles enquanto o desejo transformava seu olhar na personificação da cobiça, os braços firmes ao redor da cintura e as vestes dela se desfazendo, como se abandonasse toda a moralidade ao adentrar o mundo dos mortos junto de um Deus.
— C-Creio que sim — gaguejou ele. — Gosta de mitologia?
— De certo modo. As alegorias podem ser interessantes, e pensar que tudo isso um dia foi...
— Preciso ser honesto com a senhorita, milady — interrompeu-a de repente, desvencilhando seus braços e ficando diante dela, mas sem conseguir olhar diretamente em seu rosto.
Algo latejou na mente dela e a fez franzir o cenho. Charity Blunt não pareceria brava nem se tentasse com todos os seus esforços e, naquele momento, estava apenas confusa, tal que uma leve ruga surgiu entre as sobrancelhas.
— Pois assim o seja, milorde — encorajou-o. Não conseguiria sorrir, ainda que sentisse que era o que lorde Stevenson mais precisava, porém sustentou o tom afável.
O cavalheiro pigarreou, ajeitou a gola e, com os olhos buscando rotas de fuga, fez o seu melhor para olhá-la ao dizer:
— Nunca foi meu desejo enganá-la.
Enganar-me!? A perplexidade a fez franzir o cenho um pouco mais. Lorde Stevenson mordeu o interior da bochecha.
— Por favor, peço que me perdoe, e... ah, sua mãe, a doce viscondessa, terei de pedir perdão a ela, também... e se o visconde ainda estivesse vivo, talvez até mesmo me desafiasse a um duelo ao amanhecer... — A mente de lorde Stevenson perdia-se em uma espiral de ansiedade que se refletiu nela própria.
— Do que está falando, milorde?
Caso seu juízo não tivesse sido tão afetado pela mera presença de Vincent Price, talvez Charity tivesse chego às suas próprias conclusões e teria poupado o pobre homem de engolir o orgulho e admitir:
— Não irei propor à sua mão, esta noite, milady... sei que sua mãe esperava por isso...
— Não a deixe pressionar, milorde — ponderou com o arquear das sobrancelhas. — Ela sabe ser bem convincente, mas leve seu tempo, sou perfeitamente capaz de esperar...
— Pois morreria de velha se o fizesse.
Charity agitou os cílios, perplexa, e seus lábios se entreabriram de maneira nada bela. Que informação havia perdido para ser atacada daquela forma? Ainda que lorde Stevenson não a desejasse ferir, aquilo soou como um tapa contra seu rosto e a deixou sem fala alguma.
— Oh, milady, perdão, eu não queria... — recomeçou ele, arregalando os grandes olhos castanhos, gentis e apavorados. — Nunca foi minha intenção ofendê-la. Céus... não era para acontecer desta forma!
Ela conteve um suspiro e olhou-o por alguns instantes, deliberando como prosseguir, e se saberia como. Nenhuma tutora lhe ensinara a como contornar uma situação como aquela.
— O que realmente está me dizendo, milorde? Creio estar mais confusa do que ofendida, isso lhe garanto.
Foi alívio o que via no rosto dele? Talvez, mas seu tornava-se vermelho como um tomate e suava como se estivessem assando junto a scones. Certamente, o calor parecia fazer efeitos diversos a homens como o sr. Stevenson e a deuses como Hades.
Bastava olhar a pintura e, honestamente, Charity estava muito inclinada a não mais observá-lo. Estava sendo doloroso de assistir juntar a própria coragem para confessar o que, a ela, havia se tornado claro.
— Não desejo mais me casar com a senhorita. Nem esta noite, nem nas que virão. Eu sinto muito.
Curioso era como a verdade, ainda que clara ao nosso coração e mente, ainda pode doer.
De alguma forma, doeu no peito de Charity ouvir aquilo. Em tantos anos, reforçaram que libertinos partiam seu coração, que eram patifes interesseiros e que iriam cortejá-las apenas pelo tempo que achassem divertido...
Então por que era um jovem honrado como o sr. Stevenson a machucar seu coração?
Amava-o? Não. Pensar em uma vida ao seu lado? Sim. Culpa de sua mãe? Provavelmente. Mas ela não poderia culpar terceiros por suas próprias expectativas e desconfiava que a dor vinha da própria frustração.
— Acredito que deseje saber o motivo... — retomou a voz o jovem Stevenson. — Eu...
— Não será necessário — interrompeu ao umedecer os lábios.
Os olhos dele se arregalaram.
— Não.
— Pouparei a nós dois de mais um discurso — respondeu um tanto ferina, consternada de ter sido tão tola. — Pode ir, milorde. Ficarei bem.
— Permita-me acompanhá-la até o salão, novamente...
— Ficarei na companhia das pinturas — explicou sem sorrir, mantendo o queixo erguido. — Terminarei o tour que começamos.
— Bem, eu posso...
— Caso queira insistir, permita-me alertá-lo de que as respostas subsequentes serão invariavelmente iguais. Irei continuar a dispensá-lo, como o senhor me dispensou. É o que acontece quando se rompe a perspectiva de um matrimonio, milorde.
Não obstante, era o que acontecia quando se feria o orgulho de alguém.
A fúria para com si própria permitiu que resposta tão fria escapasse, mas Charity não se arrependeria. Por que somente os homens poderiam destilar o que sentiam? Ele aguentaria aquela verdade, quanto a isso não restava dúvidas.
Mas como ela poderia ter sido tão tola... ah, isso, caso alguém encontrasse a resposta, seria recompensado com uma fortuna!
— Presumo que seja, de fato — aquiesceu lorde Stevenson, chateado na mesma medida que aliviado. — Boa noite, lady Blunt. Foi um prazer conhecê-la... e sinto muito.
Com orgulho ferido, Charity bastou-se em lhe retribuir a mesura e voltou a encarar os olhos de Hades ao tomar Perséfone como sua. Só havia um único cavalheiro em vida que poderia retratá-lo da mesma forma.
E pela reputação que o precedia, desconfiava que ele também pertencia ao submundo londrino.
***
Caminhando pelos corredores, considerando a reação de sua mãe, no dia seguinte, ao descobrir que lorde Stevenson se tornara seu ex-futuro marido, Charity Blunt encontrou com um pequeno balcão, cuja vista era privilegiada caso se desejasse observar a extensão da rua de Mayfair. Carruagens acumulavam-se pelas calçadas, pedestres apressavam-se para retornar para casa — ao menos aqueles de índole menos duvidosa — e senhores acendiam os postes de lâmpadas a óleo.
Londres era uma cidade belíssima, e se tornara também o lugar onde seu orgulho fora quebrado.
Ela não desejava sentir-se tão afetada por aquilo, mas era difícil disfarçar. Passara a vida toda para ser a esposa perfeita, e agora... um cavalheiro lhe dizia não? Tudo estava certo para discorrer como deveria, então... onde errara?
Fora o fato de não estarem apaixonados? Ora, que ridículo! Casamentos, sabia muito bem, eram prospecções comerciais e nobres, para manter os títulos e a vida que tinham pelos privilégios de estarem próximos da Coroa, onde verdadeiro amor entrava naquela equação?
Não!
Teria de refletir mais a respeito, ou talvez devesse ter ouvido os motivos de lorde Stevenson, ainda que seu ímpeto o tenha silenciado.
Ser impetuosa foi um defeito árduo de se corrigir, segundos todas as suas tutoras, e Charity ainda sofria tentando apaziguar suas decisões, sempre respirando fundo, pensando duas vezes, considerando as consequências e, é claro, antevendo...
— Uma jovem arrisca a própria reputação saindo sozinha por aí.
A voz arrastada, o arrepio que percorreu sua nuca, e a maneira com que borboletas surgiram em seu estômago e lhe roubaram o ar ao subir até o pescoço, a fizeram estremecer, os dedos apoiados no balaústre do pequeno balcão enquanto erguia o rosto e olhava para trás.
— Apenas se ela não continuar sozinha — rebateu o mais firme que poderia. — Apreciaria se assim continuasse, Sua Graça.
Os grandes e ardilosos olhos de Vincent Price se abriram aos dela, observando-a com um deleite malicioso e divertido que o fez até mesmo rir, debochado. As bochechas de Charity queimaram, mas a fúria e o resto de seu orgulho mantiveram-na estática diante dele.
— Não me apresentei — ponderou. — Como saberia a maneira correta de me tratar?
— Todos lhe conhecessem.
— Então, quem sou?
— Vincent Price, o duque de st. Albans.
Um sorriso ainda maior se abriu em seu rosto, como se a noite pudesse torná-lo ainda mais belo em sua palidez e a forma rosada de seus lábios.
— Oh, sim, sou eu mesmo.
Cretino! Ela massageava seu ego caindo em sua armadilha enquanto continuava a sangrar por si própria.
— Pois deixe-me sozinha, Sua Graça, e minha reputação estará perfeitamente bem.
— Tem certeza?
Charity franziu o cenho. Nenhum dos dois se movia, a não ser por seus lábios.
— Do que está falando? — indagou, ainda mais seca por saber que a curiosidade era a arma que ele usava contra ela.
— Bem... — Seu primeiro movimento aconteceu, sem pressa e tão confortável com o próprio corpo que o ar o contornou em uma brisa suave. Ele parou ao lado dela, debruçando-se na balaustrada e entrelaçando os dedos, fitando-a de soslaio. — Estava a caminhar pelos corredores quando encontrei um jovem rapaz a chorar ao lado de uma armadura de metal, deve datar a época do rei Arthur.
— O rapaz ou a estátua?
Um sorriso ardiloso uniu os lábios dele.
— Espertinha — zombou.
Charity cerrou os punhos e sentiu o sangue ferver. Como aquele cretino poderia estar tão à vontade invadindo seu momento? Conversando com ela quando já pedira para ir embora?
E como podia estar fazendo-a desejar que nunca parasse de falar?
Malditos sejam os libertinos!
Malditos sejam os cavalheiros!
Malditos sejam os homens!
— Falava da armadura, é claro, mas... — Zombeteiro, fingiu deliberar profundamente, estreitando o olhar. — Pela maneira que ele chorava, parecia envelhecer anos em segundos.
— Como ele chorava?
— Piamente.
— E quem era?
— Por que a senhorita não me diz? — provocou, vendo-a desarmar-se conforme o queixo tremia. — É a responsável por partir o coração dele, não é?
Ofendida por tal sandice, Charity não conseguiu esconder quão inconformado ficou, tal que levou a mão aos seios, reparando como os olhos dele pareceram perder certo brilho, e dizendo:
— Argh! Que absurdo! Meu orgulho é ferido e eu saio como culpada!?
— Orgulho não diz respeito ao coração.
— Tudo diz respeito ao coração.
— E a senhorita destruiu o do pobre rapaz, presumo — insistiu.
Fervendo em raiva, Charity bateu as mãos ao lado das saias, mas seus seios ficaram desprotegidos, tal que os olhos de Vincent recaíram sobre eles. Ela encontrou-se em um impasse, mas seu corpo, vergonhosamente, preferia que o duque observasse o colo alvo de seus seios do que à decepção em seu olhar.
— O cavalheiro que encontrou era lorde Theodore Stevenson.
— Pobrezinho.
— Ele me disse que estava interrompendo nosso cortejo. Não fui eu a partir o coração de alguém.
Por meros segundos, Vincent Price pareceu saborear a informação, mas digeriu-as quase no mesmo instante, ajeitou a postura e, sob as sombras dos cílios desenhando suas bochechas, disse:
— Mas a senhorita não me parece de coração partido.
Sua voz não trazia exatamente uma pergunta.
— E não estou! — afirmou Charity, alisando o vestido de cintura alta.
— Mas seu orgulho sim.
Ela revirou os olhos, condescendente.
— Peço perdão por ter presumido erroneamente — desculpou-se ele com uma rápida mesura. — Vejo que não seria capaz de partir um coração, então não temos assuntos a tratar. Com sua licença.
Antes que Charity pudesse reagir, o duque já estava entreabrindo a porta do balcão e retornando ao corredor.
Ela respirou fundo, agradecendo o frescor da noite que arrefecia o queimar de seu peito. O suor escorria rapidamente pelas costas, mas também pelos seios, vítimas de olhar tão firme e ardiloso, tal que nem mesmo seu leque a conseguia acalmar.
O que raios havia acontecido!? Uma sandice escandalosa, se descobrissem! Falara com Vincent Price, a sós, e descobrira que seu sorriso realmente era o de um patife...
Então por que estava tão inclinada a segui-lo de volta ao corredor? Certamente, sua saída pontual era uma armadilha. O cretino premeditara tudo e, aos olhos dele, que controlava tempestades, Charity Blunt não devia ser nada mais do que um passarinho de asa quebrada.
Um pássaro que o cretino nem se importara de perguntar o nome, ela reparou.
— Ei! — chamou-o entre a raiva e o orgulho, voltando ao corredor. Se já não estivesse tão cansada de ser perfeita, teria ali continuado.
Pois agora, fazia rápidas preces para que suas tutoras a perdoassem. Naquele instante, estava decidida a permitir que decisões impensadas e a impetuosidade em seu sangue a guiassem até Vincent Price.
*Nota do autor: aahhhh eu estava com tanta saudade de aparecer por aqui!!! O que acharam do primeiro capítulo? Todas as opiniões são bem-vindas!! Saibam que o livro já está completo e terá de 3 a 4 postagens semanais, até o mês de Junho, quando será lançado na Amazon, então acompanhe todas as atualizações, deixa uma estrelinha e comentário e te vejo no próximo, amanhã ;D
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