Capítulo II
— Já sentiu saudades? — provocou o duque assim que a assistiu voltar ao corredor, com o rosto corado, um olhar firme, puramente criado pelo absurdo de deparar-se com ele logo ali.
Ah, Vincent amava ser quem era.
— Cretino!
Seus olhos se agitaram ao vê-la usar disparate tão vulgar diante um duque. Por sua experiência para com jovens de aparência virginal — nota-se "aparência" pois muitas delas, apesar de assim se dizerem, pareciam mais experientes do que muitas cortesãs que ele já pagara para se satisfazer — elas costumavam ser mais recatadas e tímidas.
Melhor dizendo: colocavam a si próprias atuações dignas de muitas peças.
E, maldição, as pessoas pagariam para assistir a Charity Blunt em um palco clandestino tirando a roupa e cantando sobre um sonho passado. Ele próprio estaria já na primeira fileira!
Ela era uma beldade, ele tinha de admitir para si próprio, já que não lhe daria tal prazer de ouvir seu elogio. Seus seios eram do tamanho perfeito para suas mãos, talvez sutilmente maiores, e pareciam tão alvos quanto a cor de seu pescoço esguio, os lábios languidos sempre tão tentadores e aquele olhar...
Nunca a vira fervendo de... ódio? Emoções femininas eram voláteis e difíceis de decifrar, mas ele fazia um bom esforço, e sabia que a raiva, em parte, advinha de seu orgulho quebrado.
Quem diria que aquela pombinha virgem tinha orgulho, olha só! Vivendo e aprendendo.
Na verdade, Vincent Price não sabia tanto quanto gostaria a respeito de Charity Blunt. Sabia que vinha de uma boa família, sem qualquer escândalo, que perdera o pai ainda cedo e a mãe não buscara um segundo casamento, administrando a própria fortuna que fora deixada, e que agora buscava um bom casamento para a filha.
Infelizmente — ou, talvez, muito feliz —, ele não poderia ajudar com tal desejo.
Mas sabia que Charity também era uma espoleta. Via a pobre garota se reprimindo em cada baile quando era cortejada e tentando manter as conversas nos padrões sociais.
Ao inferno com isso!
Ele queria ver até onde a jovem iria, e já a observava tempo o suficiente para abordá-la. Quem sabe, ao fim daquela noite, conseguiria convencê-la a estar em sua cama.
— Perdão? — disse ele sem se consternar ao ser xingado.
— Cretino! — repetiu ela com as mãos na cintura, como se não tivesse problema algum em repetir. — Nem ao menos perguntou o meu nome!
— Não presumiu que eu já o soubesse?
Uma breve e nova percepção iluminou a mente dela, desarmando-a mais uma vez. Oh, céus, aqueles lábios... quando ficavam entreabertos eram tentadores por demais.
— O-O-O senhor sabe? — gaguejou.
Ele poderia fazê-la gaguejar por motivos mais agradáveis do que nervosismo.
— Não sei — mentiu como o patife que era.
— Oh, que absurdo! — esbravejou ela erguendo seu leque.
Vincent preparou-se para sentir o marfim quebrando em seu ombro, como já acontecera antes, porém Charity contentou-se em apenas se abanar, como se pudesse afastar seus sentimentos para longe.
— Neste caso, a senhorita poderia se apresentar, sim? — propôs, cauteloso. Se quisesse usar as mãos naquela garota, tinha de manter todos os dedos.
— De que adiantaria? Disse que não tem assuntos a tratar comigo.
Ah, garota esperta.
— Bem, podemos ter, mas isso dependerá somente da senhorita.
Ela franziu o cenho. Ficava adorável com aquela pequena dobrinha entre as sobrancelhas.
— Do que está falando?
Desencostando-se do painel de carvalho que forrava as altas paredes, Vincent endireitou os ombros e olhou-a com um segredo entre os tons de azul.
— Ao fim da noite, ou antes dela, lhe farei uma proposta, e a senhorita tem todo o direito de recusá-la, ainda que, já lhe posso afirmar, me deixaria muito feliz que a aceitasse.
— Então não o farei — decretou, como se sua mente não tivesse espaço para discussão.
— Espertinha — verbalizou apenas para vê-la se irritar. — Veremos quantos a isso. — Seu braço estendeu-se a ela.
Charity observou-o como se fosse um animal perigoso. Talvez o fosse.
— Nunca lhe ofereceram o braço?
— É o que mais oferecem.
— Uma pena, há partes mais interessantes em um cavalheiro.
A primeira investida. Tinha de deixar claro, a ela, por mais virginais e cheios de pudor que seus ouvidos pudessem ser, que ele era um homem que se satisfazia com a fama que tinha. Um duque libertino que, dependendo apenas dele, seguiria assim por toda a vida.
Um duque que insinuava sexo na oportunidade que podia, apenas para ver jovens damas ruborizarem.
Com Charity não foi diferente.
— O senhor certamente saberia — rebateu ela, surpreendendo-o pelo fato de não saber ao certo em que sentido ela proferira.
Acusava-o de já ter se deitado com outros homens? Não estaria errada, mas... como saberia? Ela nem deveria desconfiar que havia outras formas de prazer, mas Vincent agraciou-se com seu suave toque contra a dobra de seu cotovelo.
Começaram a andar, a princípio em silêncio, mas isso não duraria mais que alguns segundos estando em sua presença...
— Charity Blunt — apresentou-se ela antes que ele pudesse recomeçar. — Filha da viscondessa viúva de Weymouth.
Vincent foi pego de surpresa, mas não se abalou, é claro. Homens como ele não sofriam de incertezas diante o sexo oposto.
— É um prazer, milady. — Ele tomou seus dedos por um instante, vendo-a se sobressaltar antes mesmo de os tocar com seus lábios.
O apropriado seria que pairasse sobre eles um centímetro sem os violar, mas com sua luva de pelica, pouco se importou de tocá-la, sentindo o calor dos nós de seus dedos sob o tecido e imaginando o quanto seu sangue ainda poderia ferver.
Se fosse apressado, colocaria tudo a perder, e tratando-se da perfeita Charity Blunt, não correria o risco.
— Por que disse aquilo? — perguntou ela, guiando a conversa enquanto ele permitisse.
— Aquilo... o quê? — Seu tom estava genuinamente incerto.
— Disse que não tínhamos assuntos a tratar... pois estava enganado a respeito de eu ter partido o coração de lorde Stevenson. — Os olhos dela fitavam o caminho que seguiam. Viraram à direita, seguiram por dois arcos e encontraram uma nova ala de pinturas, em uma sala de visitas. — O que quis dizer?
Com o canto dos lábios, ele sorriu, satisfeito pelo grau de atenção que ela dedicara sobre ele.
— Bem, acredito, milady, que saiba da fama que me precede.
— Um libertino — desdenhou.
— Não tenho certeza de que saiba o que isso realmente significa, mas, sim, consideram-me um libertino.
— O senhor próprio não o faz?
— Oh, certamente.
— E se satisfaz com isso? — Ela pareceu confusa e tão quanto curiosa.
— Não deveria me satisfazer com quem sou?
— Quando relatam tantos escândalos, o correto é se envergonhar.
— Não tenho vergonha do prazer que procuro tampouco do que proporciona, lady Blunt — defendeu, sério. Precisava deixar aquilo bem claro. — Tampouco me importo com as opiniões que esses velhos falam sobre mim. Aproveito a vida que eles deveriam ter aproveitado quando puderam.
Silêncio.
Charity parecia introspectiva, como se reavaliasse algo dentro de si, que ele próprio não conseguiu desvendar, por mais concentrado que tenha ficado. Na verdade, pareceu um gavião a observar sua pequena presa.
Uma pombinha enfeitada e bela.
Alguma hora teria de parar de vê-la assim, é claro. Ela não era uma pomba, ainda que tivesse penas presas ao penteado alto.
— O senhor tem razão, Sua Graça.
Ele pegou-se distraído e a voz dela o atraiu novamente.
— Tenho?
Charity o olhou desde os lábios até seus olhos.
— Devemos amar quem somos. As partes boas e as mais escandalosas.
Uma risada escapou dos lábios dele. Não teve como evitar.
— Do que está rindo?
— Da senhorita.
O leque finalmente atingiu-o nos dedos. A dor repercutiu pelos ossos, e ele fechou os olhos por um instante, segurando um suspiro.
— Permita-me explicar — sugeriu, antevendo que havia o risco de ser atingido novamente. Já haviam contornado todo o cômodo quando seguiu: — Olhando para a senhorita, não consigo pensar em qualquer parte que lhe seja escandalosa. É como se... tivesse sido tirada de um livro de etiquetas, e estivesse perigosamente diante de mim.
— Poderia me arruinar.
— Poderia — afirmou, detendo-os no arco que guiava a sala ao corredor.
— Por isso não tem assuntos a tratar comigo?
A insistência era uma característica de se louvar em Charity Blunt.
— Se não quebra um coração, lady Blunt, creio que estejamos muito distantes um do outro.
O semblante dela, sob o tremeluzir de uma das velas, fez com que uma sombra triste dominasse seus olhos. Era como se ela, de fato, visse uma distância entre eles.
— É cruel brincar com um coração — ponderou, a voz um tanto débil.
Vincent soltou seus braços e tomou a liberdade de lhe tocar o rosto. Viu a maneira com que o ar escapou de seu corpo, os olhos se agitaram e o lábio tremeu daquela forma deliciosa que tanto apreciava.
Teve de se controlar ao máximo para não lhe roubar um beijo, pois pretendia roubar muito mais.
— Não brinco com um coração. Digo que todos os que quebrei não foram de forma intencional.
— Palavras vindas de um libertino — desconfiou ela. Haviam-na ensinado bem.
— Seria covarde dizer a um coração que irá ficar sem ter tal intenção. Não sou covarde, lady Blunt. — O murmúrio arrastado fez com que ela estremecesse.
Ela levou alguns instantes para se recompor e perguntar:
— Como os corações se quebraram, então? O fizeram sozinhos?
Vincent sorriu, perspicaz.
— Não posso controlar as expectativas que são criadas, mas posso deixar claro minhas intenções. O que seu coração fará a seguir independe de mim.
— Se as pessoas criaram perspectivas que não condiziam com os que lhe foram ditas, então eram...
— Estúpidas — completou, seco e direto.
— Ingênuas — atenuou ela e Vincent lhe respondeu com o arquear de uma sobrancelha ao inclinar o rosto ligeiramente.
— É uma maneira gentil de ver as coisas — afirmou.
— Obrigada.
— Não a estava por elogiar. A vida não é gentil.
— Tomarei como se estivesse, de qualquer maneira — rebateu, instigando-o.
Um arrepio correu de seu pescoço até a altura de sua cintura, tal que Vincent sentiu seu membro se agitar. Daquela visão, Charity era deliciosamente inocente e pura, com a pele intocada, o semblante rosado fazendo-o se questionar quais seriam as tonalidades de suas intimidades, os pelos loiros que deveriam subir logo acima de seu botão.
Teve de comprimir os lábios para que seu desejo permanecesse somente no brilho de sua boca, umedecida pela língua.
— Serei honesto, lady Blunt...
— Ouvi isso segundos atrás, e as notícias não foram muito boas — interrompeu-o com certa pressa, resfolegando. — E vindo do senhor, talvez não sejam, também.
— Gostaria de descobrir?
Seu silêncio apenas confirmava seu interesse. Ele via, pela resistência em seu olhar, o autocontrole que a própria Charity fazia, com tremores entre as pernas e o calor fazendo seus mamilos entumecerem.
Se a noite acontecesse como esperava, os provaria em alguns instantes. Uma agitação desconhecida — pela probabilidade de uma recusa — tornava tudo ainda mais instigante.
— Lady Blunt, o que vou propor é completamente imoral — apenas o começo de sua proposta já fez as bochechas tom de leite tornarem-se vermelho sangue. — Depravado, sujo e completamente libertador.
Sua genuína inocência fez com que Charity baixasse o olhar, porém, pelo poder que exercia sobre seu corpo, tocou a ponta de seu queixo e obrigou-a a encará-lo.
Nada era mais delicioso do que ver a pureza em seu olhar e o rio privativo de seus seios, que subiam e desciam com o condensar de sua respiração.
— Promete que não irá desmaiar? — provocou-a e viu o brilho de seus olhos queimar como as chamas de Hades.
— Tem certeza de que é o senhor que não o fará?
Aqueles mesmos olhos, tão inocentes, o desafiavam de uma maneira inteiramente nova. Pelos segundos que levou para reestabelecer o sentido em seus pensamentos, lady Blunt prosseguiu:
— Sei que o senhor é um libertino — declarou, o queixo erguido em um orgulho que somente conhecimento prévio poderia conceder. — E sei de suas depravações.
— Não faz ideia sobre elas.
— Sei o que ouço.
— Nem a metade do que já fiz.
— Pois eu não seria tola de acreditar em tudo o que ouço, parcial ou completamente.
Mais do que gostaria de admitir, Charity tinha toda a sua atenção, compenetrando-o com os sutis movimentos que fazia: o ligeiro mover do rosto, o mordiscar dos lábios, os cílios se movendo lentamente...
Tudo naquele maldito corpo feminino lhe comprometia!
Seu membro o contradisse no mesmo instante.
Era um corpo belo demais para uma palavra tão odiosa. Charity Blunt era como um anjo e ele, o demônio que a corromperia.
Isto é... se ela lhe permitisse retomar o controle? Céus! Como perdera as rédeas da conversa?
— Permita-me deixar algo bem claro, milady — começou ele, totalmente rendido por aqueles olhos. — Não importa o que saiba ou acredite saber sobre mim, nunca chegará perto da verdade.
Aceitando o desafio que ele lhe propusera nas entrelinhas, ela o enfrentou com o queixo novamente erguido em orgulho:
— Pois permita-me deixar algo bem claro, Sua Graça. — Um pequeno passo e seus seios roçaram contra o corpo dele. — É de meu desejo que me prove errada.
Aquilo estava realmente acontecendo?
Charity Blunt estava por se oferecer a ele, naquele corredor, provocando-o com as curvas mais deliciosas de seu corpo e inebriando-o com seu perfume de baunilha?
— Não faz ideia do que está a pedir, não é?
— Julga-me ingênua?
— Estúpida — zombou sem se abalar, vendo o sangue dela ferver. — Estupidamente deliciosa.
Assistindo-a mordiscar seu lábio inferior, Vincent agarrou-a pela cintura e, por entre uma das pilastras que sustentavam o pé direito alto daquele corredor, por detrás de uma das pesadas cortinas, pressionou seu corpo ao dela, mergulhando sua boca em seu pescoço e ouvindo-a resfolegar, tremula pelo calor de seus beijos e umidade de sua língua.
— Poderá ser arruinada se descobrirem — alertou novamente, mordiscando o lóbulo de sua orelha, subindo a mão aos seus seios.
— Então o façamos em segredo — provocou-o, vendo seu rosto reaparecer ao seu, a respiração pesada e o desejo de um homem pressionado contra seu quadril. — Não consegue evitar um escândalo?
Ele sentiu seus lábios dobrarem em um sorriso de canto conforme as mais diferentes inspirações o acometiam, imaginando em que melhor posição poderia tomar a sua pureza.
— Charity Blunt, a jovem perfeita. Quem diria... — Seu desejo aumentou quando ela, de repente, afundou seus dedos contra sua nuca e os entrelaçou em seus cabelos.
— Vincent Price, o duque libertino. O que poderia dar errado?
Uma risada entre o calor de seus corpos escapou.
— Preciso também esclarecer algo, milady.
— Diga de uma vez.
— Isto acontecerá somente esta noite. Não importa o quanto peça, não voltarei a tocá-la.
Certa hesitação surgiu nos olhos dela, mas era preciso que tudo ficasse perfeitamente nítido entre eles. Confundir o coito com amor ou cortejo era um fim triste para uma jovem...
...ainda que fosse o mais comum a ocorrer.
O fato era que Vincent Price apenas queria livrar a consciência de qualquer remorso; isto é, se ainda o fosse capaz de sentir. Não lembrava da última vez...
— Por quê? — quis saber, em uma curiosidade perfeitamente justa, que demandava sua resposta.
— Porque meu único interesse é tomar-lhe o que lhe faz perfeita — confessou sem pudor. — Quero possui-la, Charity Blunt, e esquecê-la logo depois.
Por um instante, pensou que ouviria uma recusa.
Por um instante, sentiu que teria de aliviar seu membro com as próprias mãos.
E depois de um instante, ela disse:
— Só esta noite.
Aquilo bastava para selar o acordo.
*Hehehe e o fogo no parquinho vai começar!! O que acharam do segundo capítulo, hein? Vamos conversar!! Não esqueça de deixar uma estrelinha e indicar para a amiga que amaaaa romance de época!!
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