Um escritor, um pacto falhado
Escrever era uma merda.
Fui mal interpretado por muitos, até pelos piores ouvintes.
Bêbados, prostitutas e artistas da casa. Desmotivado, rasguei vários rascunhos que eu considerava bons. Poesia? Eu dizia que sim, aquilo era poesia. Recitava na casa noturna mais podre de Orge. Iluminação precária, moscas e cheiro de vómito eram as marcas da Casa da Hiena.
Subi no palco de madeira e dei uns tampinhas no microfone. Tirei o papel amassado do bolso. Coloquei meus olhos embaçados nos versos. Alguns drogados cambaleavam até o balcão e o ventilador do teto espalhava poeira. Comecei:
- No lixo
Na dor
Na merda
E no cu!
Cuspo
Letras
No papel higiênico...
- Vai te foder, parceiro! - um homem gritou e jogou um copo de cerveja em mim.
Esquivei do copo, mas a cerveja molhou minha calça e os versos. Desci do palco, marchei até a mesa do sujeito atrevido. Acertei um soco na cara dele. Ele rolou da cadeira pro chão. Cuspi no desgraçado.
Ele gargalhou com sangue na boca.
- Se manda daqui. Tua ladainha não cola. Só tu que faz poesia com a bunda e acha bonito. - Ele lançou um olhar por cima dos meus ombros.
Me virei. Vi cinco homens de pé. Me encaravam sem vacilar. Um deles puxou uma faca do cinto. Fui recuando com cautela. Eles avançaram e ajudaram o companheiro a se erguer do chão. Saí dali.
Puxei o cigarro do bolso da camisa e acendi, andando pela madrugada. No centro, as ruas estavam vazias. O vento batia no meu rosto. A fumaça entrava pelo nariz. Fiquei olhando para atrás o tempo todo. Ninguém me seguiu.
Vi um mendigo deitado na calçada, do lado, uma garrafa de cachaça estava pela metade. Peguei e continuei andando. Bebi no gargalo, empurrei tudo e as lágrimas escorreram pelo meu rosto. Estava puto. Porque eles não gostavam das minhas linhas? Quem eles pensam que são? Esses porcos mal sabem assinar o próprio nome.
Passei pela Torre de Orge, aquilo sempre me lembrava um caixão imenso pronto para ser queimado. O ferro estava corroído e fedia a mijo. Era alta, e diziam que ela já estava aqui, antes da cidade ser construída.
Mas quem faria uma torre no meio da África, sem nada em volta? Comecei a pensar na morte e a torre se tornou mais atraente.
Continuei com passos desequilibrados até chegar na casa da vó Joana.
- Tavares! Isso é hora de você chegar?! - Minha velha apareceu no portão.
- Desculpa vó... eu... bebi e... um filho da...
Apaguei.
Só me lembro da ressaca massacrando minha cabeça no dia seguinte. Ouvi batidas na porta do meu quarto e levantei da rede. Fiquei imaginado como fui parar lá. Abri a porta. E tive uma surpresa, era a Vânia.
Ela me enfiou um tapa na cara. Recuei um passo. Coloquei a mão no rosto, incrédulo.
- Tu é louco?! Esmurrar o Joaquim daquele jeito... Sim! Já estou sabendo. Você tem sorte dele não ter te matado.
- Que horas são? - A claridade machucava a minha visão.
- Tu está me ouvindo?! - Ela pôs as mãos na cintura. - Me diz o que aconteceu!
- Você já sabe.
- Quero ouvir da sua boca. Anda, fala logo!
Fui me sentar na rede. Ela se escorou na parede.
- Estou cansado. Não consigo emprego. Gosto de escrever e recitar. Ninguém quer ler minhas poesias. Coloquei algumas na internet, ninguém vê e si vê, não comenta. Como posso continuar com isso?
- E socar os outros vai ajudar em quê?
- O filho da puta jogou um copo em mim! - Me levantei da rede e comecei a andar pelo quarto. - Era pra eu beijar ele? Não quero saber dele! Eu preciso de leitores, de motivação!
- Tavares, me escuta! - Parei e encarei ela. - Talvez, eu possa te ajudar. - ela colocou as mãos nos meus ombros.
- Como?
- Eu já morei em Khedie, lembra? Aprendi alguns costumes de lá...
- Você tá pensando em...
- Sim, é isso mesmo.
- Não sei, não entendo muito disso.
- Eu te ajudo.
Khedie era uma cidade conhecida pelo uso exagerado da magia negra. Os moradores de lá faziam feriados em homenagem ao Zamboio e outras entidades macabras. Realizavam cultos sangrentos, utilizando de sacrifícios e pactos. Pensei no assunto, se aquilo desse certo, eu poderia ser um grande poeta.
- Tudo bem. Vou fazer um pacto. Mas como se faz isso?
- Me encontra as três da madrugada, lá na torre. Eu levo tudo e preparo lá mesmo.
Fiquei ansioso até dar o horário. Cheguei no local com dez minutos de antecedência e a Vânia já estava lá, cercada pelas quatro pernas de ferro. Me abaixei e passei entre os apoios. No chão de terra havia um buraco.
- Você disse três horas. - Olhei meu relógio de pulso.
- Vim antes para preparar o terreno.
Me aproximei e vi o que tinha no buraco. Cacos de vidro, papel rasgado, ossos e penas. Ao lado, na terra batida, um livro de capa preta descansava no chão.
- Pra que serve isso?
- Escolhi o Zamboio para o acordo. Ele é melhor, usei fetiches de acordo com o gosto da entidade. Ele prefere restos de animais e material inútil. Você trouxe as suas poesias? Elas podem servir - Ela sorriu.
- Isso não tem graça.
Vânia puxou uma garrafa da mochila, que trazia nas costas. Despejou um líquido nos fetiches. O cheiro de gasolina subiu. Depois puxou uma faca, cortou uma mecha do cabelo enrolado e jogou na cova.
- Escuta. Quando eu queimar isso aqui, vou entoar um cântico e o Zamboio vai usar meu corpo. Então, é só você falar com ele.
- Espera! Falar o que?
- O que você quer. Faz um acordo, mas não barganha muito, não. Ele é louco.
- E o que ele vai pedir?
- Isso, eu não sei. Geralmente ele cobra de acordo com o pedido.
- Certo, então queima logo isso.
- Calma, vê aí que horas são.
- Três e dez - disse consultando o relógio.
- Vou queimar às três e quinze.
- Enquanto isso, eu fumo.
Acendi um. Os minutos passaram com baforadas de fumaça. Olhei as horas e quando tive a confirmação de Vânia. Entreguei o cigarro, e ela o jogou nas oferendas. A fogueira subiu, ela resmungou um gemido crescente. Com o livro na mão, começou a entoar o cântico, palavras incomuns ela pronunciava. Um arrepio gelou minha alma. Os braços dela dançavam e ela requebrava o quadril largo, com os olhos fechados.
Durante aquela ação, o céu ganhou um tom negro abissal, engolindo a lua que pairava serena. A torre rangeu baixinho. Aquele conjunto de acontecimentos além de me trazer mais arrepios, me inundava com uma sensação excêntrica.
Soou um assobio proveniente do vento. Era um vento circular, arrastando papeis e levantando poeira, pensei em sair dali, no entanto a minha gana de se tornar um grande poeta não me deixou fazer isso.
Vânia começou a flutuar, abriu os olhos completamente diferentes, no meio da torre. Olhei e vi que eram amarelos, um amarelo carregado, faiscando na escuridão.
Ela deixou cair o livro, parou de pronunciar palavras incomuns e seus olhos viraram na minha direção.
Aquilo já não era Vânia, senti e vi que algo tinha possuído o corpo dela como ela dissera.
A escuridão me restringia de ver completamente a sua face mulata, que agora já não respondia pelo mesmo nome.
- QUAL É O TEU INTENTO? - ela disse com uma voz grotesca, uma voz dos infernos, ainda pairando na escuridão.
Eu não sabia o que dizer, nunca tinha feito algo parecido, o meu corpo herdava arrepios contínuos, a primeira palavra sufocou minha garganta.
Olhei para o meu braço chocolate e percebi que estava tremendo muito. Segurei a urina na bexiga, para não escorrer por entre as pernas.
Mas eu tinha que dizer algo! Seria um grande poeta! Juntei e colei os pedaços da minha coragem.
- Eu... - senti algo ruim se contorcendo no meu ser.
- Eu quero ser um grande poeta em todo mundo, quero que os meus versos tragam inspiração para todos que ouvirem. - disse com a voz trémula, porém o importante é como eu disse.
- SOU ZAMBOIO, FAÇO QUALQUER COISA QUE QUALQUER UM QUER, OS MEUS ACORDOS NÃO TÊM VOLTA, HA, HA, HA...
As suas falas eram descontroladas.
- O TEU DESEJO VAI SE CONCRETIZAR LOGO QUE TU SAIR DAQUI.
- E o que tenho que fazer?
Os olhos da entidade mudaram de cor. E escritas apareceram no meu peito, me queimando por escassos segundos.
- TU TENS QUE ASSINAR TODAS AS SUAS POESIAS COM AS PALAVRAS QUE ESTÃO CRAVADAS NO TEU PEITO - Zamboio disse.
Aquilo estava acontecendo ou era a minha imaginação? Lembrei dos velhos tempos, quando eu era professor de filosofia, nunca acreditaria em um demônio, mesmo estando perante minha visão. Se alguém apenas me contasse, teria crise de risos.
- Obrigado... Zamboio.
- AINDA NÃO TERMINEI, PORTANTO NÃO AGRADEÇA.
- O que falta?
- TU SABE QUE NEM TODOS OS ACORDOS SÃO FÁCEIS DE CUMPRIR, HA, HA, HA. EU SOU MUITO GENEROSO, POR ESSA RAZÃO, SOU MUITO ADORADO POR TODO O MUNDO... QUERO UMA ALMA EM TROCA!
- Uma o quê?
- NÃO ME FAÇA REPETIR!!! - a criatura gritou, ainda pairando no meio da grande torre. A escuridão intensa já se fragmentava, como se fosse um sinal do fim do nosso acordo.
- Tá bom. - disse, mas não estava nada bom. Porém fiquei calmo quando a imagem de Joaquim voltou na minha mente. Era ele que eu sacrificaria, seria parte do pacto.
Minhas pálpebras cobriram meus olhos castanhos por um segundo, quando a Vânia caiu nas cinzas, dentro da cova e sem sentidos.
Arrastei ela para fora.
- Vânia, Vânia - sacudi ela pelos ombros.
- Oi, senhor poeta! - ela disse com a voz fraca, como se acordasse de um sono.
Em seguida apagou, no entanto o seu coração pulsava, ela estava viva, isso acalmou-me.
Carreguei-a pondo nas minhas costas como se estivesse carregando uma criança.
Levei-a até em casa, já eram 5:07 da manhã. No meio do caminho planejava argumentos que usaria caso encontrasse vó Joana acordada.
Tive muita sorte, pois ela não estava em casa quando cheguei. Imaginei ela indo na casa do meu irmão, Osvaldo.
Coloquei Vânia na cama do meu quarto. Pus água para esquentar. Levei um pano e uma bacia. Pus a água da chaleira para bacia e comecei a molhar a testa dela.
Uma pergunta invadia o meu cérebro, "será que deu tudo certo?"
Saí do quarto. Ainda curioso, resolvi telefonar para saber da vó Joana.
Peguei o telefone que se encontrava na mesa da sala e liguei no número do Osvaldo.
- Alô?
- Oi, quem fala?
- Sou eu irmão, liguei para saber se avó Joana está aí. Quando cheguei, não a encontrei. Ela está aí? - eu disse colocando o telefone entre o ombro e orelha para poder deixar as mãos livres.
- Sim ela está aqui e vai passar uma semana aqui. Afinal ela não te disse nada quando saiu?
- Não. - disse tirando um cigarro do bolso - Mas... Tá bem! Manda um olá para ela.
- Farei isso logo que ela voltar.
- Voltar?
- Sim. Ela saiu e foi passear um pouco, você sabe o quanto ela gosta de passear, até exagera, às vezes. Ela diz que se sente jovem quando passeia, ha, ha, ha...
- É verdade, ha, ha, ha. Tchau, falamos outra hora.
- Tchau.
Desliguei o telefone, pus o cigarro na boca, acendi e comecei a inalar o fumo, estando na sala. Se avó Joana estivesse em casa, eu não faria isso, sorte minha por não estar.
Fui para o quarto, verifiquei se Vânia estava com os olhos fechados ou se já tinha se recuperado. Continuei a fumar, depois fui até a minha gaveta, levei o cinzeiro e coloquei o cigarro que estava pela metade.
Começou a surgir a ideia de levá-la até um hospital, pois antes do ritual ela não tinha me dito que ficaria nesse estado.
Levei a cadeira que estava por trás da porta, coloquei ao lado da cama e vi os músculos da face dela começarem a se movimentar, o meu coração perdeu o peso que eu sentia.
Peguei a mão dela.
- Vânia? Tá tudo bem? acorda, conseguimos realizar o ritual com sucesso.
Ela abriu os olhos de um modo lento e apertou minha mão.
- Estou bem. Acho que estou bem, apenas doí-me a cabeça. - ela disse levantando a coluna e sentando.
Ela olhou-me com um olhar demorado.
- Vou ver se tem Paracetamol na gaveta.
Levantei, fui até a gaveta, vasculhei durante um minuto, pois aquilo estava desorganizado, tendo uma mistura de cigarros, folhas cheias de versos inúteis, que eu já não precisava mais usar, meu velho dicionário e outras coisas.
Por fim encontrei, saí do quarto fui até cozinha buscar água, voltei ao quarto e dei-a para tomar, após isso ela me questionou.
- Como foi o pacto com Zamboio?
Sentei na cadeira ao lado da cama, introduzi minha mão no bolso e tirei mais um cigarro.
Acho que ela sentiu que eu estava a demorar para responder e isso talvez a fazia pensar que o acordo com Zamboio não dera certo.
- Como foi o acordo com o Zamboio? - Insistiu.
Como resposta abri a minha camisa ao meio e ela assustou-se quando viu as escritas cravadas no meu peito. Logo, expliquei tudo que aconteceu.
- E agora? - Vânia me fitou com os olhos arregalados.
- Preciso testar. Vou voltar para a Casa da Hiena, hoje mesmo. - Toquei na mão dela. - Vem comigo?
- O que pretende?
- O Zamboio não fez questão de me explicar. Como consigo uma alma para ele?
- Ele não é fresco, como outras entidades. É só cometer assassinato e oferecer essa ação para ele. Como uma oração de sangue.
- Entendi. Então, vem comigo?
- Vou. Mas você não me respondeu. O que pretende?
- Vou mandar o Joaquim pro inferno.
Vânia me abraçou forte. Sem nenhuma palavra, ficamos colados por alguns minutos. Um silêncio cheio de pensamentos barulhentos. Ela ficou comigo até a noite cair sobre Orge. Os boêmios saíram de seus buracos e já andavam pelas ruas.
Escrevi uma poesia nova na calada da noite. Os versos escorregavam na folha como lodo e inflamavam como gasolina. Quando terminei, assinei com o meu pseudônimo satânico marcado no peito. Eu e Vânia saímos da casa e fomos direto para a Casa da Hiena.
No caminho, vi uma silhueta no topo da antiga torre. Talvez duas, não sei. Poderiam ser qualquer coisa ou só minha imaginação projetando lembranças recém cravejadas no meu cérebro.
Nós entramos na espelunca, passamos entre as mesas e eu senti o peso de alguns olhares me seguindo. Sentamos e acenei para o garçom.
- Vai querer o quê? - disse, quando encostou na mesa.
- Traz uma dose de cachaça. - Me virei para Vânia. - E você? Pode pedir!
- Me traz o mesmo do dele - ela disse ao garçom.
Logo, o sujeito se foi.
No velho palco de madeira, uma mulher volumosa cantava uma música local. Ela tinha uma voz sexy. Comecei a curtir aquele som. Acendi um cigarro. Olhei pra Vânia. Ela parecia uma estátua, deveria estar preocupada.
As doses chegaram, matei a bebida de primeira, me sentia ansioso. Pedi uma garrafa inteira de veneno, antes do garçom sair. Vânia começou a passar o dedo em volta do copo ainda cheio.
- Não quer beber? - perguntei.
- Acho melhor sairmos daqui.
Nesse instante. O Joaquim entrou com mais dois amigos dele. Os três me fitaram e foram sentar em uma mesa afastada da nossa. Sorri para a Vânia.
- A festa começa agora.
Depois que a mulher saiu do palco, me levantei e fui até lá. Subi, dei os meus tapinhas no microfone. Olhei em volta. Puxei minha blusa de botão para o lado. Estourei todos os botões e minha marca ficou visível. Vi o assombro se espalhando no semblante de todos. A atenção dos vagabundos era minha.
Puxei meus versos e comecei:
Santa foice
Que colhe as almas
Te pego na mão
E colho destruição
A dor aumenta
Os olhos se apagam
A dor aumenta
O corpo treme
A DOR AUMENTA!
A alma grita
Que alma?
Alma vagabunda
Esdruxula
Agorenta
TE MATO
Desgraçado
É seu fim
JOAQUIM.
A minha oferenda se levantou e correu até mim. Fiquei parado com um sorriso largo no rosto. Ele vinha como uma leoa faminta. Mas ali, ele era a caça. Um petisco para dar sabor no inferno. O rosto dele se contorcia de raiva.
Raiva?
Quando subiu no palco, ele se ajoelhou e pôs a mão no peito.
Abaixou a cabeça e vi gotas pingarem no assoalho. Joaquim me encarou. As gotas eram lágrimas. Não era raiva.
Era dor.
- Que... merda... você fez? - As palavras eram cortadas pela respiração rápida.
Olhei para as pessoas. Vi seus corpos rolarem pelo chão, ouvi gritos, garrafas se estilhaçando no chão. Choro, berros e agonia muda. Vi Vânia chorando e puxando os cabelos. Comecei a me tremer.
- O que eu fiz? O que eu fiz? O que fiz?
Tenho que desfazer isso. Fui até minha amiga. Segurei e arrastei ela para fora daquele pandemônio. Vânia se debatia, me esmurrava e gritava.
- Está doendo! Dói! Não toca em mim!
Com esforço, puxei ela até a Torre de Orge. Quando chegamos, Vânia desabou no chão. Olhei para aquele caixão de ferro, no topo.
- Zamboio! Filho da Puta! Aparece desgraçado!
Droga! Como vou falar com ele? Tenho que acertar esse acordo! Ele me enganou!
Escutei o rangido dos ferros. Ergui a cabeça e vi aquelas sombras de antes. Algo pulou lá do alto. Escutei uma pancada amortecida na terra, soando atrás de mim. Virei-me assustado.
- Avó?
- OI, NETINHO VAGUNDO! - Aqueles olhos amarelos faiscavam. Aquela voz gutural me massacrava.
- O que... Sai do corpo da minha avó, porra!
- OUSA ME DAR ORDENS?! HÁ, HÁ, HÁ!!! SUA VELHA ESTÁ PASSEANDO NO INFERNO, SE ELA VOLTAR, ELA FICARÁ MAIS JOVEM. MAS SE NÃO VOLTAR, FICO COM ESSE CORPO PARA PASSEAR NA TERRA.
Quando procurei um demônio para resolver um problema, eu ganhei mais um e encontrei outro. Aquilo fugia do meu controle. Afinal, quando eu estive no controle? A Vânia estava no chão, olhos abertos e saliva escorrendo da boca. Minha avó Joana se vendeu para o Zamboio.
Por juventude, a alma dela se arriscava no inferno.
O que me restou?
Versos que matam. Um pseudônimo no peito. E sofrimento.
Tentei salvar as mulheres da minha vida inútil. Mas Zamboio as levou. Peguei um graveto do chão e escrevi minha marca aos pés da Torre de Orge:
P E S A D E L O
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