Capítulo 3 - A Perturbação de Caio

Caio e Henrique entraram no escritório da fazenda discutindo sobre as estimativas da safra do café para o ano seguinte. Caio apostava que seria uma alta em torno de trinta a quarenta por cento. Henrique teimava em sessenta.

Como os irmãos já estavam acostumados com aquelas chamadas de Franco para acertar o que saía errado na fazenda, nem suspeitaram que a conversa ia ser pra lá de séria.

Franco já estava sentado atrás da mesa com um copo de uísque na mão e um charuto na outra.

- Uísque e charuto! Vamos comemorar o quê? – Caio questionou, sentando-se no sofá.

Henrique se sentou no beiral da janela. Ao invés de Caio, ele logo percebeu que o pai não estava com cara de comemoração.

Franco carregou no tom irônico.

- Vamos comemorar a mentira em que meus filhos e minha mulher me mantiveram por quatro anos.

Os meninos se entreolharam confusos.

- Do que o senhor está falando? – Caio perguntou com cautela.

- Recebi uma visita muito interessante. Alexandre Martinez voltou a Ponta e o primeiro que fez foi vir aqui me contar que quatro anos atrás, no dia que enfartei... Vocês lembram?...

- Claro, pai! – Henrique respondeu.

- Quem sabotou nosso café com a vela da Júlia foi o irmão de vocês, Camilo.

Caio deu um pulo do sofá.

- O quê?!

- Eu sabia! – Henrique foi para perto do pai. – Eu sabia que Júlia nunca seria capaz de fazer uma coisa daquela! Eu falei pro Caio!

- Celeste armou, Camilo fez, Júlia levou a culpa e Martinez apoiou a merda toda.

Franco apagou o charuto.

- Eu quero os dois sentados.

Eles obedeceram.

- A história ressuscitada da vela no café me leva ao fato de Júlia ter sido expulsa de Santa Helena. Eu não me lembro, como dono da fazenda, de ter dado ordem para que isso fosse feito. Eu já sei que, além de mentirem para mim dando a entender que Júlia quis ir embora, proibiram que o assunto circulasse. Depois, ele caiu no esquecimento. Daí, todo mundo seguiu suas vidas e o pai babaca ficou na ignorância.

Caio se manifestou.

- A culpa é minha. Henrique não queria esconder isso de você.

- Mas escondeu! – Franco se alterou. – E olha no que é que deu! Quatro anos perdidos entre mãe e filha! Ellen ficou doente e podia ter morrido, porque câncer, meus filhos, é uma doença que pode matar. E se ela morre? E se ela morre brigada com a filha? Longe da filha?

- Ellen quis assim: que ninguém te contasse. – Caio começou a explicar. – Ela tinha medo...

- Já entendi os medos da Ellen e com ela já me acertei. Agora, quero me acertar com vocês.

Franco foi rígido e até um pouco rude com os filhos.

- Não vou mais aceitar, em hipótese alguma, mentira, omissão e segredos de vocês.

Caio ficou quieto.

Henrique concordou.

- Tá claro para você, Caio?!

- Sim. – Ele respondeu amuado.

- Quando Ellen ficou doente, não procurei Júlia porque ela não deixou. Disse que já havia tentado entrar em contato e tinha sido ignorada. Outra mentira pra cima de mim! Ficou com receio de que eu descobrisse tudo!

O humor de Franco não era nada bom.

- Vou dizer uma coisa pra vocês... Daqui a quatro dias, eu e Ellen embarcaremos para Portugal. Ela vai tentar salvar o que resta da relação das duas. Isso se Júlia aceitar conversar. Ellen já falou com o pintor, o que Júlia chama de pai. Ele se dispôs a ajudar nessa reconciliação. Se elas se acertarem para valer, eu mesmo vou convidá-la para voltar a Santa Helena.

Henrique sorriu satisfeito e deu sua clara aprovação.

- Eu vou adorar rever Júlia.

Franco olhou para Caio que seguia sério e sem dar uma palavra.

- Caio, talvez Júlia nem fale com Ellen e, se falar, talvez não aceite o meu convite. Mas, se aceitar, todo mundo desta casa vai tratá-la bem.

- E se ela continuar com aquele rancor contra você? E se ela vier mesmo e, ainda assim, sustentar a menina cheia de orgulho do passado?

- Isso não vai acontecer! – Henrique rebateu.

Franco entendeu os receios de Caio. Naquela conversa, percebeu o medo que o filho teve de perdê-lo via Júlia.

- Caio, eu não sei como Júlia está agora. Depois de quatro anos, acredito que ela seja uma mulher mais experiente com a vida, que controle melhor suas emoções. Só em Portugal, eu terei uma ideia de como ela está realmente. Nós temos que entender que não foi nada fácil para ela quando chegou aqui. Um relacionamento frágil com a mãe, Celeste perturbando o tempo todo, a paixão entre vocês dois...

Caio levantou-se.

- Júlia não significa mais nada para mim. Se quiser trazê-la, não sou eu que vou me opor. Mesmo porque, a fazenda é do senhor. Se já falamos tudo, eu preciso subir para tomar um banho.

Ficou visível para o pai e o irmão a perturbação de Caio.

- Pode ir, filho.

Caio saiu, doido para ficar sozinho.

Franco desabafou com Henrique.

- Sabe, Henrique, muitas vezes eu tive vontade de trazer Júlia de volta, nem que fosse amarrada, só para ver, de novo, o brilho que Caio tinha nos olhos quando estava com ela. E a grande ironia do destino é que eu, uma vez, quis separar os dois. Achei que ela iria machucá-lo, quando, no fim das contas, foi ele quem a machucou.

- O senhor acha que ele ainda gosta dela?

- Acho?! Tenho certeza!

Os dois riram.

- Eu também tenho certeza.

- Bia é boazinha, mas não é mulher para ele.

- Bom, agora é torcer para Júlia não ter ninguém na vida dela e aceitar voltar.

- Vou fazer de tudo.

***

Quando a gente tenta 

 De toda maneira 

 Dele se guardar

Sentimento ilhado 

 Morto, amordaçado 

 Volta a incomodar

Revelação - Fagner



A água fria do chuveiro não extinguiu a ardência em seu peito.

Começou com o sofrimento das várias tentativas de arrancá-la do coração. Júlia se escondeu em alguma parte ali e ficou. Passou do sofrimento para um sentimento mais carnal com a força de um vento que muda o rumo de qualquer coisa pelo caminho.

Ouviu sua voz doce e apaixonada.

Caio...

Tocou-se como se Júlia estivesse embaixo do chuveiro com ele.

Não tinha como evitar. O corpo ressentido queria uma única mulher.

Até cuidava de Bia, mas sempre ansiando por Júlia.

E Portugal foi de fato um lugar não tão distante assim.

****


Todos os sentimentos do passado, de uma só vez, para assombrar a mente e o corpo de Caio

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