CAPÍTULO 43
Na medida que as pequenas bolinhas pretas se espalharam pelo chão de modo aleatório, lembrei-me do porquê de não seguir o conselho de Vasti. A minha vida estava cercada de perigos e constante vigilância, o breu da noite se chocava com a obscuridade da minha alma. Matei homens que perante a justiça da sociedade, seriam presos ou absorvidos de toda criminalidade feita.
Não restou muita coisa boa em mim, pra ser sincero, havia apenas um espaço dedicado às pessoas que eu amava. Ao escolher fazer parte da organização , prometi apenas me comprometer com a minha vingança. Mas conheci ela e os planos mudaram em um passe de mágica.
— Meu Deus, Dom! Ainda não consegue deixar esse globo quietinho no lugar dele? — Viro-me ao ouvir a voz da minha antiga tutora de artes marciais, parando de girar o globo.
— Ainda não descobri qual dos buracos é o falso. — justifiquei enquanto abraçava-a.
— Ainda com essa desculpa? O senhor Bennett também não ficará muito feliz, novamente! — Sua risadinha foi cortada quando Hank Bennett adentrou a sala.
— Bom dia. — Nos cumprimentou polidamente e respondemos sérios. — Senhora White, algo a reportar?
— Senhor, capturamos mais três. — o porte altivo e inexpressivo indicava o quão sério os assuntos dos membros corrompidos se estenderam. — Consegui arrancar uma informação.
— Prossiga.
— Há três mulheres trabalhando para ele.
— Mulheres? Quem são?
Permaneci em silêncio, apenas observando o diálogo e as informações sendo passadas.
— Sim, não temos os nomes ainda. Ele mudou o matriarcado, é o que as informações obtidas indicam.
— Interessante. Uma tática nova de poder. — Richard encarou o quadro que continha pistas sobre a máfia dragão sangrento — Isso pode mudar tudo.
— É só isso que tinha para informar, senhor.
— Obrigada, White.
White saiu restando apenas Richard e eu na sala.
— Porque voltou até aquela casa? — a voz repreensiva surgiu e o meu olhar o avisava para não prosseguir com aquele sermão idiota. — Tem noção dos riscos? Você foi imprudente Dominic!
— Fiz o que achei ser certo. — a minha voz baixa soou dura.
— Certo? Além de se colocar em perigo, levou um dos membros na viagem consigo. Dominic, para se obter um resultado desejado, precisamos analisar os meios que serão usados.
O clima presente havia ficado hostil, e se ele queria me repreender com tanto fingimento de baixo daquele corpo hipócrita, ele também iria ouvir.
— Você não tem o direito de falar sobre meios usados! Deixou a sua filha permanecer em uma missão suicida! A sua própria filha! — apontei despejando o que estava preso em correntes de ferros por muito tempo, no canto obscuro do meu coração.
— Não fale do que não sabe! — gritou de volta. — Se me conhecesse, saberia que nunca enviaria a sua mãe para se infiltrar! A sua mãe foi imprudente em usurpar o lugar de outra pessoa, que foi treinada para aquela missão!
— Você teve a oportunidade de tirá-la. Mas escolheu a sua vingança!
Um riso irônico deixou os meus lábios diante de tanta hipocrisia, disse:
— Nunca vi tamanha hipocrisia.
Sua postura mudou, mas não baixei a minha guarda.
— Eu tentei, Dominic. Mas o plano não saiu como planejado. Te procurei quando você desapareceu mas só foi possível saber do seu paradeiro anos depois, queria te proteger...
— Eu precisei uma vez da sua proteção e do seu amor. Eu tinha apenas quatro anos quando vi o assassino da minha mãe tirar a vida dela como se não tivesse valor nenhum. Eu tinha apenas quatro anos quando fui colocado em um orfanato. Onde estava você? Onde estava o seu amor por mim? — Cada palavra era dita com profundas entoação de ódio. — Você se acovardou para lamentar o que tinha perdido. Eu fiquei à mercê da maldita sorte até ser resgatado pela minha mãe, Célia Ford.
Tirei o pen-drive do bolso que continha o arquivo criptografado que a minha mãe havia deixado no tablet e joguei em cima da mesa. Sai da sala o deixando sozinho. Depois de anos percebi que a criança dentro de mim, permanecia ainda magoado com o sofrido passado e que as profundas cicatrizes da alma sangravam fervorosamente.
Uma vez solitário na própria escuridão da vida, sempre sozinho no breu da existência. A vida era uma estúpida peça de teatro com tendência a piorar.
*
O fato de ter conseguido um trabalho na floricultura do centro por dois meses, era um sinal para mim. Voltar para Piscataway é uma decisão certa, meus pais estavam lá e precisavam da minha ajuda.
Na casa noturna, além de entrar na rotina programada das garotas, ensaiamos com afinco e com direito a pequenos intervalos de descanso. Com toda a mudança que vinha adotando em minha vida comecei a participar das corridas matinal da Alicia. Charlie também estava incluído, aliás era um dos passeios favoritos dele.
No dia que Lauro me contratou novamente, não esperava chegar em casa e ver a minha mala e bolsa na sala. Havia esquecido totalmente dos meus pertences, e vê-los ali, trouxe as lembranças daquela noite.
Eu senti medo e pavor com o acontecimento. Nunca na minha vida, estive em uma situação de alto perigo. Sou uma garota normal, que vive dentro dos limites que considero indefesos.
— Ah, não. O leite acabou? — Sou tirada dos meus devaneios com o resmungo de Alicia.
— Foi mal, era o último. — Faço cara de culpada ao ver a frustração dela diante da geladeira aberta. — Eu realmente sinto muito.
— Eu preciso comer algo se não vou definhar lentamente. — murmurou dramaticamente — Kris, posso te fazer uma pergunta pessoal?
A olhei sem entender.
— Pode…
— Percebo no seu olhar distante que você sente falta dele. Porque não tenta rever novamente os fatos? Eu entendo tudo o que você me falou e entendo também que não faz sentido um ceo que mostra ter uma vida normal, matar a sangue frio. — Continuei a encarando enquanto ela falava. — Dominic pode ter mentido ou não revelado algo da vida dele para você, mas sabe o que não dá para mentir? É o amor. Repense em tudo que vocês viveram e analise com calma o sentimento que ambos compartilharam.
— Ali, está tudo bem. — a tranquilizei.
— Eu sei que sim. Mas ele estava disposto a falar, preste atenção Kris, não saiu nada na mídia. Parece que tudo o que você e Mel contou fez parte de uma ficção literária. Você percebe que seja lá o que ele faz não pode ser revelado?!! — A semente da dúvida foi plantada com sucesso em minha mente mas em todo caso já era tarde demais.
Sorri docemente e plantei um beijo em sua bochecha, depois saí para mais um longo dia de trabalho.
*
A floricultura é uma das maiores do centro de Manhattan. Eleonora soube como fazer o equilíbrio do lado romântico com o padrão das floriculturas. O impecável uniforme transmitia o mais belo sentimento do mundo, o amor. Parecia ser uma piada sem graça do destino que justamente eu, me visse assim, tão romântica. Todas as atendentes tinham o uniforme rosa e ajustado no corpo, rosa e branco cores suaves e delicadas.
Havia três regrinhas básicas que a senhora Eleonora exigia:
Sejam simpáticas com os clientes.
Cuidem uma das outras.
E não se atrasem.
Desde o dia em que comecei a trabalhar, não vi a senhora Eleonora ronda-nos para ver se fazíamos o serviço direitinho. Ela só aparecia quando algum cliente solicitava a sua presença. Ajeitei os lírios novamente em seus respectivos lugares da prateleira e desci a pequena escada, mas ao virar meu rosto para o cliente que entrou na floricultura, me surpreendo ao ver Thomas.
Ele vem em minha direção, desde o episódio do beijo não o tinha visto mais e nem trocado mais mensagens, como nos velhos tempos.
— Bom dia, Kris. — O cumprimentei polidamente. — Podemos conversar?
— Claro. Mas enquanto conversamos, você pode fingir que está interessado em comprar flores? Não faz muito tempo que trabalho aqui.
— Ok. — iniciamos pela seção de orquídeas — Kris, somos amigos há muito tempo. Graças a palestra "Realizando sonhos", pude lhe conhecer, e em nome dessa amizade, vim aqui pedir perdão a você pelo que aconteceu.
— Eu já lhe perdoei, Tom.
— Eu sei que sim, mas eu pensei que você gostava de mim. Eu interpretei os sinais equivocada mente e achei que teria uma chance de reverter o quadro. — Ele parou de andar e entre as seções de lírios e orquídeas e me encarou. — Sei que não é motivo para lhe beijar sem a sua permissão, sabia que você estava comprometida e agir daquela forma estúpida. Me retratar com você por mensagem é imperdoável.
— Você não tem toda a culpa para si, realmente gostei de você. Mas, o Dominic chegou e aos poucos me conquistou. — suspirei profundamente — Você é um ótimo amigo, não estava disposta a arriscar essa amizade que temos.
Seus olhos cintilavam de uma forma enigmática.
— Quem lhe disse que trabalho aqui?
— Alicia.
— Imaginei que fosse ela.
— Não foi tão fácil como das últimas vezes. Ela sabe subornar quando quer. — Ele riu baixinho.
— Qual foi o suborno dessa vez? — indaguei.
— Duas pizzas, batatas fritas e um refrigerante para fechar com chave de ouro.
— Ela sabe como subornar... — sorri, sabendo que se havia comida ou bebida só podia vim de Alicia.
— Hmm, vou levar o lírio. Onde fica o caixa?
— É só virar o corredor à esquerda.
— Até logo.
— Até…
Assim que o Thomas saiu voltei para o meu serviço anterior. Mesmo sentido que uma pequena parte da minha vida estava começando a se descomplicar, havia um sentimento que não me deixava focar nessa sensação de recomeço. Eu sabia perfeitamente identificar que sentimento era esse, a sensação do toque, dos braços envolvendo o meu corpo para perto do dele e do hipnotizante olhar me encarando, fazia-me regressar na decisão que havia tomado em meio ao medo que sentir naquela noite e da descoberta de ter sido envolvida em sua teia de mentiras.
Soltei um breve suspiro diante das minhas divagações, o caminho seria difícil.
— Kristal, essa senhorita quer falar com você. — termino de colocar o último lírio no seu devido lugar, e viro-me para ver quem gostaria de falar comigo.
— Você? — soltei surpresa. — O que faz aqui?
— Vim comprovar com os meus próprios olhos, o que ouvi da minha tia comentar com a minha mãe. Claro que lhe encontrar aqui, foi usando outro recurso.
Seus olhos faziam questão de mostrar o desdém que ela sentia por mim e olhar o ambiente em volta com desprezo.
— Como soube que estou trabalhando aqui?
Revirou os olhos e suspirou impaciente.
— Querida, não lhe apetece saber como lhe encontrei. — arrogante e inflexível, ela é comigo. — Só vim aqui deixar claro que o Dominic só desistiu de você, porque você não significa nada para ele. Você, foi um belo passatempo.
Suas palavras venenosas conseguiram me deixar para baixo. Mas não mostrei a ela o quanto conseguiu me atingir.
— Senhorita, se a sua vocação de ouvir conversas alheias lhe dar a entender que pode vim até aqui e falar asneiras, tenho o prazer de informar que não. — dei um passo em sua direção enfrentando sua prepotência. — A sua liberdade termina quando começa a interferir na minha. Nesse caso, você está sendo inconveniente no meu local de trabalho e para a sua informação, a minha história com Dominic não lhe diz respeito. — continuei a encarando — Peço que se retire antes que eu chame o segurança e diga o quão inconveniente você está sendo.
Dando um passo para trás, ela ergue os ombros e tenta manter uma postura altiva.
— Para o seu bem, fica longe do Dominic. — declarou com autoridade e marcação.
— Ele é seu primo! — digo enojada.
— Não! Dominic não tem o meu sangue, não temos nenhum parentesco. Para o seu bem, é melhor continuar afastada dele. — ela fez menção de se virar para ir embora, porém voltou a me olhar e disse:
— Posso usar salto de couro italiano, mas sei perfeitamente como me livrar de pesos indesejados.
Ela se retirou antes que eu falasse algo, precisei me apoiar na prateleira tentando assimilar suas palavras. Claramente, suas palavras foram uma ameaça.
Uma das atendentes vem ao meu encontro, preocupada.
— Você está bem? Aquela louca entrou aqui como se fosse a rainha.
— Estou. Hoje o dia foi de visitas pelo visto.
— Ficamos preocupadas, pela câmera de segurança vimos toda a situação. — suspirou — Com esse tipo de pessoa, é melhor manter distância. Não só dela como de toda a família.
Sorrir forçadamente para Gisele, enquanto ela fazia um afago no meu ombro.
— Se precisar de qualquer ajuda, pode contar conosco. — Seu olhar gentil e sorriso simpático mostrava sinceridade em suas palavras.
— Obrigada. — agradeci e voltamos para o nosso trabalho.
*
Eu me encontrava no fim da fila, todos estávamos em ordem, esperando o professor chegar. O fato é que queria manter a mente ocupada, evitando todos os problemas, buscando descarregar a energia. Na fila do meu lado esquerdo, tinha uma mulher ruiva que não parava de olhar para mim. Provavelmente era uma novata e o fato de me ver pela primeira vez aqui, despertou a sua atenção. Desvio meu olhar dela, quando a senhora White adentra a sala.
— Vocês foram selecionados para subir mais um nível, para essa seleção acontecer, vocês provaram o quão merecedores são para estar aqui. — enquanto discursava, White olhou em minha direção e sorriu. — Saudades dos velhos tempos, Dominic?
— Só dos treinos.— respondi.
— Se aproxime, por favor. — pediu, mas o pedido saiu como uma ordem.
Fui ao seu encontro e parei diante dela e fiquei em posição de descansar.
— Vejo que está tão saudoso pelos treinos, que lhe dou a honra de ser o professor hoje. Vai ensinar a eles o que aprendeu no nível dois.
Assinto, e diante da sua afirmação, viro-me para os alunos.
— Antes de estar em campo, deve ter em mente que a vida do seu parceiro ou equipe é mais importante que qualquer adversário. Não será em uma missão que aprenderão a importância da união em conjunto. Será na convivência que terão nesta nova etapa, e o mais importante é que o laço de uma família tem que ser inquebrável.
Enquanto falava sobre lealdade, honra e a união em equipe, os rondei observando e logo depois iniciei o treinamento. Assim como treinava a minha equipe, os tratei do mesmo jeito. Buscando de cada um o melhor, e ensinando táticas de luta que salvariam qualquer iniciante. Por um momento esqueço de todos os meus problemas e apenas me concentro em passar adiante o conhecimento que obtive na teoria e na prática.
Depois do treino todos foram dispensados pela senhora White.
— Dominic, ficará por muito tempo aqui? — olho para a senhora Carmem que vem para o meu lado.
— Pretendo ficar por um mês, senhora White.
— Ainda com as formalidades? Sabe bem que não me importo se me chamar pelo nome, afinal, eu era flexível com você e com aquele travesso do Ian.
— Por isso você é a minha tutora favorita.
— Sei. Até a Zoe chegar e você trocar a nossa amizade pelos momentos íntimos com ela.
— A mulher era uma mestra e eu um humilde aprendiz.
— Homens sendo homens. — revira os olhos antes de sorrir curtamente.
— Em minha defesa digo e afirmo que mudei.
— Acho que alguém quer falar com você. — sigo o olhar de Carmem e encontro a ruiva na saída da sala de treinamento, nível dois. — Pode até ter mudado, mas ainda continua chamando a atenção das mulheres.
— Não posso negar.
Ela riu.
— Quem é ela? — perguntei.
— Lisa Marano, formada em direito, possui vinte e nove anos e tem um histórico familiar triste. A família foi assassinada durante um jantar, o pai estava devendo uma quantia de dinheiro enorme para a máfia mexicana.
Olhei para a ruiva que desviou o olhar de nós, focando em outra coisa fora da sala.
— Ela é forte. — Referi-me a toda carga emocional — É habilidosa e determinada, se sairá bem aqui.
— E ela também está solteira.
— Não começa, Carmem. — Corto a sua ideia, o que a fez rir — Não estou pronto para embarcar em qualquer relacionamento que seja.
— Um amor quebrado, só se cura com outro. — internamente discordei, e por respeito apenas assenti. — Vai lá, nos vemos à noite na festa de comemoração.
Me afastei de Carmem, e andei em passos firmes em direção a ruiva que continuava olhando para fora da sala.
— Tem algo de bom lá fora que possa compartilhar comigo? — perguntei pegando de surpresa.
— Nada de anormal, senhor. — falou rapidamente.
— Tem algo para falar comigo?
— Tenho. Sei que parecerá um pedido ousado. Mas adianto que é só a vontade de aprender.
— fale.
Começamos andar em direção ao refeitório, a sede da organização era grande e possuía blocos. Mas havia áreas restritas que só era permitida a entrada de pessoas de alto nível.
— Sempre fui o tipo de pessoa habituada a estar na frente dos outros, não de maneira competitiva mas instintiva. — Notei a sua expressão de poderamento. — Hoje no treino, vi que você se empenha não só em teorizar a disciplina e as táticas de luta, como nos leva a imaginar o perigo real à nossa frente.
Assim que nos aproximamos da porta, ela se abre automaticamente. Estávamos no segundo corredor e enquanto caminhava e conversava com a Lisa, já sabia onde ela queria chegar.
— Gostaria de saber se você pode me dar aulas extras?
— Senhorita, Marano. Isso é contra as normas.
— Eu sei, mas ninguém precisa saber. — paramos perto do corredor esquerdo, coloquei as mãos atrás das costas e a encarei.
— Infelizmente, a resposta é não. Mas saiba que toda essa fome não saciada para aprender será de grande importância quando a fase ficar mais complexa.
Eu sabia muito bem as intenções dessas propostas, afinal, no passado fiz a mesma coisa para me aproximar da nova professora, Zoe. Hoje não é algo de se orgulhar, foi a única regra que quebrei e que quando descoberta tive que pagar um preço.
Não importa a escolha sempre haverá um preço a ser pago.
2976 palavras...
Segue capítulo abaixo... ❤️❤️
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