treze

Mari não lembrava a última vez que tinha dormido de conchinha. Já tinha acontecido, claro, mas nunca foi tão bom quanto passar a noite no abraço quente e aconchegante de Nico.

Quando acordou, ele ainda estava com um braço sobre ela, enquanto o outro devia estar dormente pelas horas que Mari dormiu em cima dele. Ela rolou para fora da cama devagar, não querendo acordá-lo, e tentou encontrar suas roupas espalhadas pelo chão.

Só conseguiu achar tudo pela fresta da cortina que deixava um pouco da luz do sol entrar. Já estava passando a blusa pela cabeça quando Nico se mexeu e se espreguiçou devagar. Ele tateou o colchão, procurando por ela.

- Mari?

- Bem aqui.

Nico sorriu e se recostou nos travesseiros. O lençol caiu, escorregando pelo seu tronco e formando um monte de tecido que escondia parte do seu quadril e pernas. Mari tentou não se distrair com a visão, mas, verdade seja dita, aquilo era impossível.

Na noite anterior, ela não tinha visto nada do seu corpo, apenas sentido com os dedos. E embora aquilo fosse bom o suficiente, ver Nico por inteiro a fazia querer voltar para aquela cama imediatamente.

- Por um segundo pensei que você tinha fugido - ele falou com a voz rouca de sono. - Tipo aqueles caras que seduzem jovens indefesas só para se divertirem por uma noite e dão o fora na manhã seguinte.

- Então eu sou o cara cafajeste e você a moça indefesa? - Mari riu e se sentou perto dele. - Eu não iria embora sem me despedir.

- Bom mesmo.

Mari passou o polegar pela bochecha dele.

Foi só naquele momento que Nico notou que estava sem os óculos.

- Onde...

- Na mesinha de cabeceira. Mas não acho que você vai precisar deles agora. Eu já vi.

Nico soltou a respiração devagar, o corpo tenso. Mesmo assim, ele parecia resignado.

- Não é nem de perto tão ruim quanto eu imaginei - Mari confessou. Ela traçou com a ponta do dedo as cicatrizes finas ao redor dos olhos dele. Os globos eram brancos e vazios, mas as pálpebras e os cílios pretos e longos continuavam intactos.

- A parte branca é um implante - Nico contou. - Não é de verdade.

- Você precisou tirar todo o globo mesmo?

Nico fez que sim com a cabeça.

- Sabia que é super raro uma enucleação bilateral? Quase nunca acontece. Eu sou excepcional assim mesmo.

Mari sorriu de leve, apesar de o coração estar apertado. Sabia que Nico fazia graça para esconder o que sentia de verdade;

- Mesmo em casos graves, os médicos tentam a todo custo salvar o olho - ele continuou contando -, mas desde o momento em que eu cheguei no hospital, eles perceberam que não havia muito o que salvar.

Mari não fazia ideia do que dizer. Aquela era uma conversa pesada demais para alguém que havia acordado há menos de dez minutos.

Mas se era difícil para ela, como era para Nico?

- O implante incomoda? - ela perguntou.

- Não, nem um pouco. Mas nunca me acostumei com a prótese. Estou conversando com o meu oftalmologista. Tem algumas opções novas no mercado que poderiam dar certo para mim.

- Então a prótese é a parte externa, né? A que tem a íris e tudo mais.

Nico assentiu.

- Isso. Tanto o implante quanto a prótese tem uma função estética, mas o implante também serve para manter o volume e a estrutura da cavidade ocular, além de dar suporte para as pálpebras. A prótese é só para ajudar na minha autoestima.

Mari sorriu.

- Como se você precisasse de mais alguma coisa para ficar bonito.

- Se continuar me elogiando sempre, vou ficar insuportavelmente metido.

Ela o beijou de leve nos lábios.

- É uma delícia não ter aqueles óculos no caminho.

- Vou ter que concordar com você.

Nico a puxou de volta para o colchão e Mari se deixou ir. Ele apoiou um cotovelo na cama e descansou a cabeça na mão, enquanto com o outro braço a envolvia apertado.

- Como foi, Nico? O acidente?

Ele franziu de leve as sobrancelhas e deixou o ar sair devagar pelo nariz. Mari estava prestes a dizer que ele não precisava contar se não quisesse quando ele começou a falar.

- Faz quase dois anos. Eram os primeiros dias de janeiro e estava nevando bastante. Nada tiraria minha mãe de casa num clima daqueles, só o meu pai. - Ele deitou sobre os travesseiros e Mari descansou a cabeça no peito dele, deixando que Nico passasse a mão pelo seu cabelo. - Era uma exposição em Bréscia. Até onde eu sei, nem era um evento tão importante, mas ele queria que nós fôssemos de todo jeito para prestigiar o trabalho dele. Eu não queria ir de jeito nenhum, mas também não gostava da ideia de deixar minha mãe sozinha. Nós estávamos chegando na cidade quando um caminhão deslizou por um trecho congelado da pista. Ele acertou o lado da minha mãe com tudo. Eu me lembro da gente capotar para fora da estrada. O meu airbag não funcionou, foi o que me disseram dias depois. Eu não me lembro dos estilhaços nem das ferragens. Sei que foi feio porque o carro ficou praticamente todo destruído e meus olhos sofreram várias perfurações. Foi o que os médicos e o Riccardo me disseram dias depois.

Ele continuava fazendo carinho nela. Mari não precisava vê-lo para saber que sua mente divagava. Ela, por outro lado, estava com um nó na garganta tão grande que mal conseguia respirar.

- Foi desesperador acordar no hospital daquele jeito, com um braço e uma perna quebrados, sem enxergar nada. Antes de ficar cego, eu pensava que as pessoas viam preto, sabe? Como quando a gente fecha os olhos. Mas não é verdade. Eu simplesmente não enxergo. Nada. Isso é ainda pior que o escuro para mim.

- Eu não consigo imaginar uma coisa dessas.

- É impossível para você, como uma pessoa vidente. Para mim e outros que não conseguem distinguir nem um pouco de luz e sombra, ou formas, é como tentar enxergar com a palma da nossa mão. Simplesmente não dá, porque o sentido não existe ali. Está desligado.

- Nossa, eu nunca teria pensado uma coisa dessas se você não me contasse!

Nico riu baixinho.

- Eu sou um poço de conhecimento.

Mari se levantou para olhar para ele.

- Nico, eu sinto muito pela sua mãe.

O sorriso fácil dele se desfez.

- Obrigado. Eu sinto muito a falta dela. Tenho um monte de pesadelos sobre como poderia impedir a gente de entrar naquele carro, mas o fim é sempre o mesmo: ela morre e eu fico sozinho no escuro.

- Você nunca vai estar sozinho.

Nico segurou a mão dela. Ele não precisou falar uma palavra para Mari entender que ele queria muito acreditar naquilo.

- Agora, falando de coisas alegres - ela mudou de assunto, tentando aliviar o clima -, preparado para a nossa viagem?

- Preparado? Nem um pouco. Talvez ansioso. Mas definitivamente feliz porque você vai junto.

- Sabe quem mais vai junto?

- Por favor, não me diz que o Riccardo...

- O Riccardo. - Mari riu da cara de sofrimento do Nico. - Eu convidei ele ontem à noite.

- Aposto que foi ele quem se convidou.

- Bem, ele foi dando voltas e mais voltas em torno do assunto. Eu fiquei com dó.

- O Riccardo tem o dom de parecer um cachorrinho abandonado quando convém. Ele troca de personalidade como eu troco de roupa. Uma hora está usando aquele charme barato que por algum motivo atrai todo mundo, no outro se finge de coitado para ter a simpatia das pessoas. Mas no fundo é o cara mais sensível que eu já conheci.

- Ele é divertido - Mari disse, se lembrando dos acontecimentos da outra noite antes do desastre começar. - Eu gosto dele.

- Espero que não tanto quanto goste de mim. - Nico a pegou pela cintura e a jogou no colchão, rindo e brincando com ela.

Mari tentou se afastar das mãos dele e quase caiu da cama.

Parte dela queria ficar ali, naquele quarto e com aquele homem para sempre.

Mas ela não podia.

- Tenho que voltar. A Vitória com certeza tem coisa melhor para fazer do que ficar olhando o Alonso.

Nico reclamou e tentou puxá-la de volta, mas Mari riu e correu.

- Te vejo no domingo!

E a última coisa que viu antes de fechar a porta, foi o corpo magnífico de Nico nos lençóis brancos e o sorriso mais lindo reservado só pra ela.

No sábado, Mari estava limpando alguns cômodos do castelo quando algo caiu no chão ao abrir uma porta do armário.

Ela se ajoelhou e pegou um álbum de retratos bem fininho.

Quando o abriu, seu coração quase parou.

A primeira fora era de Mari brincando em um parquinho. Ela devia ter três anos e estava vestindo um macacão cor-de-rosa. Atrás da foto, havia a data: 12 de junho de 2004.

Ela conhecia aquela letra. Conhecia muito bem na verdade, já que a sua era tão parecida.

Sua mãe tinha enviado aquelas fotos.

Mari acompanhou seu crescimento através das páginas. Seu primeiro Natal, o primeiro dia na escola, as formaturas, aniversários, apresentações escolares... Tudo. Alonso também tinha uma parte reservada só pra ele, um bebê esperto de olhos grandes que foi envelhecendo no decorrer das fotos.

Até onde Mari sabia, a mãe nunca tinha se ressentido do sogro por não querer fazer parte da família que ela e o marido tinham construído. Era ela que insistia para que o pai e o avô conversassem e acertassem as coisas, mas nenhum dos dois deu o primeiro passo.

Talvez a sua mãe pensasse que o avô não tentaria se aproximar por orgulho, então enviou aquelas fotos para que ele visse a felicidade que estava perdendo, para ter pelo menos um pedacinho dos netos caso nunca fosse até eles.

Não adiantou. Dante Cavalieri os ignorou até o último dia.

Mas ele também tinha guardado aquelas fotos, não tinha?

Será que quando se sentia triste naquele castelo vazio, ele pegava o álbum e observava os rostos congelados e alegres no papel?

Mari não sabia. Nem nunca iria saber.

Ela guardou o álbum de volta no guarda-roupa e saiu do quarto.

Era melhor não revirar o passado.

Mari estava mais preocupada com o futuro e o que a viagem de amanhã reservava.

____________________♥️____________________

Oii, gente!

Peço mil desculpas pela demora em atualizar! Estou passando por um bloqueio criativo e nessas horas é sempre bem difícil escrever.

Enfim, estou postando hoje porque amanhã é ano novo e também para compensar um pouco a demora kkkkkk

Me contem o que acharam do cap! Tô curiosa pra saber ♥️

Um beijo e até a próxima,
Ceci.

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