quinze
- Eu não acredito que o Bidu não tá aqui! - Alonso exclamou assim que Nico abriu a porta e o menino percebeu que o cachorro não estava por perto.
Nico sorriu e contou que o labrador tinha sido levado ao pet-shop para tomar banho.
- Desculpa, cara. Hoje é só você e eu.
Ele ouviu Alonso soltar um suspiro resignado.
- Ah, tudo bem. Você também é legal, Nico.
- Só não tanto quanto o meu cachorro, pelo jeito.
Alonso foi entrando em casa.
- Ninguém é melhor que o Bidu.
- Pelo menos eu não solto pelo e babo tanto.
- Você baba bastante quanto certas pessoas estão por perto...
Nico franziu as sobrancelhas e já ia perguntar o que ele queria dizer com aquilo quando Alonso disse que estava quase congelando pela caminhada do castelo até ali. Tinha começado a nevar no início da semana e a temperatura estava cada vez mais baixa.
Nico chamou o menino para a cozinha e ofereceu uma bela xícara de chocolate quente, testando a temperatura com a palma da mão bem perto da borda para sentir o vapor. Quando teve certeza que o líquido não estava escaldante demais para queimar a língua de Alonso, estendeu a xícara para ele.
- A minha irmã que te pediu para ficar comigo, né? - Alonso perguntou quando Nico se sentou na cadeira de frente para ele. - Ela tá terminando o livro novo. E eu sei que sou barulhento.
- Na verdade, eu que pedi que você viesse. Estava me sentindo sozinho e você é uma boa companhia.
Nico preferiu não contar que decidiu intervir quando Mari o ligou dizendo que não conseguia terminar o último capítulo do livro, porque Alonso estava brincando de banda e acertando todas as suas panelas com uma colher de pau.
Além disso, ele gostava mesmo de ficar com Alonso. E ajudar Mari com qualquer coisa sempre era um prazer.
- Você é bem solitário, né? - Alonso disse, fazendo Nico quase cuspir o próprio chocolate quente com uma risada. - Cadê o Riccardo? E a Iolanda?
- O Riccardo precisou voltar para Milão, mas ele vem para o Natal. A Iolanda foi levar o Bidu no pet-shop e deve ficar na cidade até ele estar pronto. - Ele sorriu para o menino. - E eu não sou solitário.
- É sim. Só não tanto agora, que namora a minha irmã.
Dessa vez Nico cuspiu mesmo o chocolate quente.
- Meu Deus! Desculpa.
Ele pegou um guardanapo no armário da cozinha para limpar a mesa. Seu coração batia tão rápido e forte que ele podia jurar que Alonso estava ouvindo.
- Quem disse que eu estou namorando a sua irmã?
Se fosse Riccardo, Nico estrangularia o primo com todo prazer assim que ele pisasse ali de novo. Que se dane o espírito natalino.
- Ninguém me contou. Eu descobri sozinho - Alonso disse. - Já estava desconfiado, porque ela começou a vir aqui muitas vezes sozinha. E lá em Sirmione, ficou na cara. Vocês estavam grudados.
- Ela estava... me ajudando a andar pela cidade.
- Sei. Ela também estava te ajudando quando vocês sumiram por horas e deixaram o Riccardo, a Vi e eu sozinhos?
Nico estava dividido entre soltar uma risada nervosa e ficar totalmente embasbacado pela esperteza do menino.
- Você contou isso para a sua irmã?
- Não. Queria confirmar com você primeiro.
Nico apertou os lábios, sem ter certeza do que dizer. Era uma pena que Bidu não estivesse ali. Ele tinha certeza que conseguiria distrair Alonso se jogasse o labrador no colo dele e saísse correndo para as montanhas.
- Incomoda você? Se for verdade? - ele decidiu perguntar.
- É claro que não! Você é legal, tem uma casa maneira e um cachorro que eu quero pra mim. Seria bem mais divertido do que quando ela estava com aquele ex-namorado, o Heitor. Ele era babaca.
Nico abriu um sorriso. Alonso era a pessoa mais importante da vida de Mari, e saber que aquele garoto - aquele garoto que Nico já amava tanto quanto amava sua irmã - gostava dele também, era maravilhoso.
- Você não vai ferir o coração dela, vai?
Alonso disse aquilo de uma maneira tão solene que Nico não ousou rir do modo como ele formulou a pergunta.
- Porque por mais que a minha irmã seja uma chata, eu não quero ninguém fazendo ela chorar.
Nico desejou que pudesse transmitir tudo que sentia apenas com um olhar, para que assim Alonso tivesse certeza do quanto ele se importava com Mari. Que nunca esteve tão certo sobre algo na vida quanto estava sobre aquilo.
- Eu não quero nunca machucar sua irmã. Eu preferiria ficar sem ela a fazê-la sofrer.
- Isso quer dizer que você vai pedir ela em casamento?
Nico riu e se levantou da mesa, fazendo cosquinhas na barriga de Alonso.
- Não por enquanto, mas quem sabe um dia? Eu prometo que se for pedir a Mari em casamento, te conto antes e você me ajuda a manter segredo.
- Combinado.
- Agora, sua irmã me contou que você viu neve pela primeira vez esses dias. Já teve tempo de fazer um boneco e brincar de guerra de bolas de neve?
- Vamos logo!
E Alonso agarrou Nico pela mão e o arrastou para fora da casa, quase não dando tempo para que ele o agasalhasse direito antes de se jogar na neve.
Eles não tinham neve o suficiente para fazer um daqueles bonecos de filmes americanos, então se empenharam em construir um que apesar do tamanho ridículo, pelo menos se assemelhava a um boneco. Depois guerrearam um com o outro, Nico acertando Alonso toda vez porque o menino, apesar de não fazer barulho nenhum enquanto corria pela neve, não conseguia parar de rir da brincadeira.
Eles comeram doces e salgadinhos quando voltaram para casa e assistiram a um filme de terror. Alonso não se importou quando Nico disse que para ele a melhor maneira de assistir filmes era ativando as legendas de audiodescrição, para que ele conseguisse imaginar melhor as cenas e os cenários. Alonso achou a ferramenta interessante e se aconchegou no abraço de Nico enquanto eles comiam pipoca e davam pulos de susto quando algum monstro aparecia de repente, fazendo os personagens na tela gritarem.
Nico se permitiu sonhar acordado com o futuro. Como seria se ele e Mari dessem certo. Como seria se formassem uma espécie de família.
Fazia algum tempo que a única família que ele conhecia era Riccardo e Iolanda. A mãe tinha partido cedo demais e o pai nunca esteve presente. Nico se pegou pensando em Sirmione. De como tinha se sentido rodeado pelas pessoas que amava naquele dia.
Ele conseguiria manter aquela felicidade? Cultivá-la? Não deixar que escorresse pelos seus dedos?
Nico queria acreditar que sim. Ele fazia planos, por um segundo esquecendo todas as maneiras abruptas com que eles poderiam ser desfeitos.
Mari descansou a cabeça no teclado do computador quando digitou a última palavra e fechou o arquivo.
Ela tinha conseguido.
Uma semana antes do Natal. Quase na data limite. Mas ela tinha conseguido.
- Eu terminei! - ela gritou, com um sorriso no rosto e lágrimas nos olhos.
Vitória abriu a porta do quarto dela e Mari quase morreu do coração quando ouviu o estouro do champanhe.
- Parabéns!
Vitória despejou o líquido nas taças.
- Tô guardando essa garrafa há um tempão. Só esperando você terminar.
Mari foi até a amiga e a abraçou com força. Imaginou Vitória sentada do lado de fora do seu quarto, só esperando Mari gritar que tinha conseguido, agora livre para se embebedar com champanhe às três da tarde.
Elas brindaram.
- Pelo seu sucesso - Vitória disse com um sorriso.
- À nossa amizade.
Elas viraram as taças e soltaram gritinhos, se abraçando de novo.
Eram terrivelmente bregas quando estavam felizes.
- Não esquece de me enviar o último capítulo - Vitória pediu. Ela sempre lia tudo que Mari escrevia, antes mesmo da sua agente. - Você é a dona dos finais bombásticos.
Mari sorriu satisfeita.
- Espero que você goste.
- Eu sei que vou amar.
Mari sentou na beirada da cama e derramou mais champanhe na taça.
- Agora, a gente pode se ocupar com os preparativos da festa de Natal. Vai ser bom ficar longe da tela do computador por um tempo.
- Vai ser perfeito. - Vi se sentou ao lado dela e soltou um suspiro. - Só não quero acreditar que quando o Natal passar vou precisar ir embora.
A felicidade de Mari minguou como o champanhe na garrafa.
- Embora?
- Você sabe que eu só podia ficar por três meses sem um visto. - Vitória também não parecia satisfeita com a ideia. - Além disso, eu tenho que voltar. Não posso ficar na Itália pra sempre.
- Por que não?
Vitória abriu a boca para responder, mas nada saiu dela.
- Vi, você pode ficar. Você tem a gente aqui e tem a Giana. Acha que eu não sei que está apaixonada? Não quero nem pensar em como você ficaria se voltasse para o Brasil sem ninguém. A sua família é um bando de preconceituosos babacas que só te fazem infeliz.
- Acha que não sei disso? - Vitória disse, se levantando da cama. - Mas como...
- Você tá trabalhando aqui, esqueceu? Pode conseguir um visto. Eu te ajudo a correr atrás da documentação e pagar as taxas. Não vai ser tão difícil.
- Eu não sei, Mari.
- A decisão é sua. - Ela segurou as mãos da amiga e olhou nos seus olhos. - Mas se você decidir por ficar, eu garanto que não vai estar sozinha no processo.
Vitória sorriu. E apesar da apreensão visível no seu corpo rígido, ela assentiu e abraçou a amiga.
- Obrigada. Eu te amo.
- Eu também te amo, sua chata.
Elas riram e estavam prestes a beber mais quando um celular tocou.
Era o de Mari e tinha o nome de Nico na tela.
Ótimo! Ela podia chamá-lo para jantar e comemorar com elas.
Mas, assim que atendeu e começou a tagarelar animada, Nico a cortou.
Sua voz grave fez com que uma sensação gelada tomasse conta dela, a paralisando antes mesmo que as palavras saíssem da boca dele.
- Nós estamos no hospital da cidade. O Alonso... teve um acidente. Mari, eu sinto muito. - Sua voz ficou embargada. Ela já tinha aberto a porta e corrido pelas escadas da torre, a vida um borrão. - Me perdoa.
- Posso ir na cozinha fazer mais pipoca? - Alonso perguntou quando eles decidiram assistir outro filme.
- De jeito nenhum que eu te deixo chegar perto de um fogão - Nico interveio, já se levantando do sofá.
- Mas pipoca é fácil! É só jogar óleo e o milho lá dentro da panela.
- Eu posso fazer isso pra gente.
- Tá bom. Mas você me deixa ajudar?
Nico sorriu e bagunçou o cabelo de Alonso, como adorava fazer.
- Deixo. Você fica olhando para garantir que eu não faça nada errado.
- E ficar olhando é ajudar?
- Tá brincando? Eu sou cego. É claro que vai ajudar.
Alonso riu e saiu correndo na frente.
- Duvido que você chega lá primeiro que eu.
- Eu também duvido.
Nico foi seguindo os passos de Alonso pelo segundo andar da casa até as escadas.
- Nico, sabia que eu sei escorregar no corrimão?
- Alonso, nem pensar.
- Mas é fácil! É só ir de lado assim.
Nico se adiantou pra frente para segurar Alonso, mas o garoto já estava deslizando com uma gargalhada.
Ele daria uma bronca em Alonso por aquelas brincadeiras perigosas assim que chegasse lá embaixo, mas Nico tinha só começado a descer as escadas quando ouviu Alonso arquejar e um baque pesado nos degraus.
- Alonso!
Nico sentiu a boca seca quando ouviu o som inconfundível de algo rolando escadaria abaixo.
Ele correu para frente, se agarrando ao corrimão e esticando o braço em uma tentativa de segurar o menino, mas já era tarde.
- Alonso! Você tá bem?
Nico torceu o pé no desespero de chegar lá embaixo. Ele ouviu um último baque e a casa caiu em um silêncio aterrorizante.
Ele gritou por Alonso e caiu de quatro ao chegar na base das escadas. Ele não estava respondendo.
O terror fez com que Nico tateasse desesperado, as unhas arranhando o chão de tábuas. Alonso devia ter batido na parede. Não podia ter caído muito longe dali.
Mas Nico estava levando tempo demais. Não conseguia achá-lo.
A cada segundo, ele sentia como se estivesse morrendo por dentro. Nico pegou o celular do bolso e digitou o número da emergência. Bem quando uma mulher atendeu, ele sentiu um líquido gosmento na ponta dos dedos.
Não. Não. Não.
Nico tateou e encontrou o braço de Alonso.
Um soluço escapou da sua garganta enquanto ele segurava o corpo do menino junto ao peito, os dedos voando para o pescoço, a procura de uma pulsação.
Nico gritou para a mulher ao telefone, passando seu endereço.
- Estamos a caminho - ela disse. - Senhor, tente ficar calmo. Estou com você na linha. Onde é o ferimento?
- Eu não sei - Nico murmurou. - Eu não consigo ver. Não consigo. - E para o menino sussurrou repetidamente, por mais que soubesse que era inútil, por mais que Alonso não pudesse ouvir: - Aguenta firme. Aguenta firme, por favor.
E ele embalou Alonso. Até o barulho distante da ambulância se aproximar e o menino ser tirado dele e levado por outras pessoas.
_____________________♥️___________________
Oii, gente!!
Primeiro, eu sinto muito pela demora. As férias me deixaram bem preguiçosa kkkkk.
Não vou perguntar se gostaram desse capítulo porque eu acho que seria um tanto babaca da minha parte, mas espaço livre aqui para surtos e choros <3
O livro está quase no fim. Já vale sentir saudade?
Vejo vocês na semana que vem!
Um beijo,
Ceci.
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