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Foi engraçada a forma como as coisas se desenvolveram. Eu, leitora assídua e consumidora ávida de comédias românticas, insistia em esperar alguma tragédia anunciada que tornasse aquele relacionamento repentino digno de uma grande história de amor. Não demorei a entender, contudo, que algumas histórias são baseadas em tranquilidade e descobertas diárias. Ainda bem porque, entre meu trabalho em tempo integral no café e os últimos meses de aula na faculdade, um drama amoroso não era algo que eu tivesse tempo ou energia de bancar.
Eu não esperava futuro, nem ao mesmo presente com André, preciso confessar. Imaginei que ele logo se tornaria apenas uma história a ser contada em rodas de amigos com um sorriso saudoso e um quentinho no coração. Foi uma boa surpresa descobrir que aquele não era o caso.
Pelas semanas seguintes, ele continuou aparecendo toda quinta-feira, no mesmo horário de sempre, que descobri ser sua tarde de folga no trabalho. Quer dizer, não exatamente de folga. Ele trabalhava como assistente do editor-chefe do jornal de horário nobre de uma emissora famosa e, às quintas-feiras, o cara tinha um compromisso secreto que não contava a ninguém o que era. Depois de anos tentando descobrir o que era, André desistiu e passou a aproveitar para escapar por algumas horas.
Nossos encontros não mais se restringiram a um dia da semana, contudo, nem somente ao meu lugar de trabalho. Quando nossos horários coincidiam, ele me buscava no trabalho e me dava uma carona para a faculdade. Como duas pessoas que estavam se conhecendo, fomos ao cinema, à praia e a lugar nenhum. Quando meu desespero com as últimas provas e o finalzinho do meu TCC bateu, ele me ajudou a estudar, e logo descobri que André era detentor da melhor técnica de concentração da qual se teve notícia na história da humanidade: os chocolates da sua irmã, que não tardei a conhecer — e a quem tive que dar a triste notícia de que Bia não estaria interessada nela.
Não tardei também a descobrir que André não estava brincando ao dizer que sexo não estava na sua lista de prioridades. Não, não estava. O que no começo era apenas a tentativa de fazer com que eu confiasse nele e o conhecesse bem, apenas para garantir que eu tinha certeza que ele não estava tentando apenas me levar para a casa, logo se tornou um desafio pessoal de resistência.
Não foram poucos os momentos em que me senti a ponto de agarrá-lo pelo colarinho e eu mesma encerrar essa insanidade, mas uma parte muito grande de mim gostava daquele toque de inocência que nosso relacionamento havia adquirido.
É nisso que tento focar agora, na comemoração da minha formatura, em um jantar agitado em um restaurante do bairro onde moro com alguns amigos próximos, meus pais, André e sua irmã. Tento com cada célula do meu corpo porque, sentindo a mão dele passear pela minha perna por baixo da mesa, já decidi o que quero de presente de formatura.
— Por que você está me torturando desse jeito? — pergunto, pendurada em seu ombro, alheia ao restante da mesa. Não preciso explicar, porque André ri e deixa um beijo curto em meus lábios, apertando minha coxa.
— Não estou te torturando — rebate, arrastando o nariz no meu. — Só quero que seja especial.
— A gente não tem quinze anos! — choramingo, arrancando uma risada mais alta dele.
— E só por causa disso não posso planejar uma noite especial com a minha namorada?
Afasto-me e arqueio uma sobrancelha para ele.
— Eu sou sua namorada agora, é? — questiono, a ponta do lábio presa entre os dentes. É verdade que ele facilmente se comporta como tal, mas o pedido nunca veio.
André aperta os olhos na minha direção e leva uma mão ao meu rosto.
— Preciso me preocupar por você não saber disso? — brinca, alcançando-me para um beijo curto demais.
— Talvez — provoco, recebendo uma balançada de cabeça em reprovação. — Você não pode passar de cara chato que pede um café complicado para namorado do ano assim, sem mais nem menos. Eu tenho padrões altos.
Ele faz uma careta.
— Nesse caso, só me resta te mostrar todos os dias que valeu a pena abrir uma exceção para mim — brinca, puxando-me para apoiar a cabeça em seu ombro. — Eu te amo, Sofia. Entrar naquela cafeteria lotada foi a melhor coisa que eu podia ter feito na vida.
Sorrio, acomodando-me a ele.
Lembro-me bem do dia em que André entrou na minha vida, sem que eu esperasse ou estivesse preparada para isso. A primeira vez em que ele me tirou do sério não foi no mesmo dia em que em que tive o vislumbre do seu rosto pela primeira vez, aliás. E, quando o fiz, apesar de momentaneamente afetada por sua beleza pouco digna de capa de revistas, mas tão real e crua que fizeram meu coração perder um compasso, a irritação sobrepujou qualquer atração instantânea. Mas não durou por muito tempo, porque meu coração foi logo arrebatado pelo cara do café esquisito, um café por semana, e a ele vem pertencendo desde então.
Entrar naquela cafeteria lotada foi a melhor coisa que André poderia ter feito na vida. E a sorte foi toda minha por ele tê-lo feito.
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