3
Quando a quinta-feira seguinte chegou, cumprindo um calendário britânico, André apareceu. Eu não o vi, apenas sorri ao ver a ordem ridícula de café esperando na fila. O dia estava cheio, eu estava ocupada, e ele não veio falar comigo; então as horas se passaram e, sem ter um instante de folga, só consegui parar quando o relógio virou cinco da tarde e o expediente acabou. Havia ainda meia dúzia de pessoas sentadas, e Bia começou a passar nas mesas avisando que estávamos fechando. Foi só então que o vi, um sorriso discreto no rosto, postura relaxada com braços cruzados na frente do corpo, olhos sobre mim.
Havia alguma coisa diferente nele. Não consegui entender o que, mas alguma coisa parecia ter mudado. Talvez fossem só meus devaneios infinitos, o fato inexplicável de que ele ter se tornado parte permanente dos meus pensamentos e quinta-feira ter perdido o posto de pior dia de da semana. Ainda assim, tive a certeza que a forma como ele me olhava era com um interesse renovado, um olhar que me fez trocar o peso do corpo de pés e engolir em seco; morder a ponta do lábio e coçar a nuca, inquieta.
Ele não se levantou. Fechou o computador e limitou-se a continuar me olhando. Sem me permitir ler mais do que existia na situação, voltei minha atenção a terminar o que eu tinha que fazer, chacoalhando a cabeça para parar de bobagens.
— Falta quanto tempo para você se formar?
Dei um pulo no lugar, soltando um palavrão ao ouvir a voz dele vindo de trás de mim alguns segundos depois.
— Você realmente precisa parar com isso — decretei, a mão no peito, olhando-o por cima do ombro. Deparei-me com André com os cotovelos apoiados no balcão, o corpo projetado na minha direção. — Alguns meses, por quê?
Ele meneou a cabeça e franziu o nariz.
— A assistente do chefe do setor de publicidade está grávida e eles precisam de alguém para ficar no lugar dela quando sair de licença maternidade. Se você tiver algum currículo para me entregar... — Diante da minha expressão de mais pura confusão, André suspirou, frustrado. — Você não tem ideia de onde eu trabalho, tem? Que amiga horrível você é, Sofia! — reclamou, uma mão indo ao peito em uma ofensa fingida.
Soltei uma risada debochada.
— Nós somos amigos agora, é? — questionei, dando dois tapinhas nos seus braços para que desencostasse do balcão que eu precisava limpar.
— Quando alguém me diz que sou um perfeito idiota, costumo considerar a pessoa minha amiga pelo toque — respondeu, o olhar firme e sério sobre mim.
Levei alguns instantes para entender do que ele estava falando e, quando lembrei da bronca acidental que dei na semana anterior, abri a boca, sem realmente saber o que dizer.
— André...
Ele balançou a cabeça e abriu um sorriso.
— Se eu me atrevesse a tratar qualquer mulher como "objeto descartável" como você disse, meu pai sairia lá do interior e viria aqui só pra me dar dois tapas na cabeça. — O sorriso em seu rosto era carinhoso, saudoso. Mocinho de família, então. Quem diria? — Eu jamais faria isso, Sofia.
— Você sabe que não tem que se explicar para mim, não sabe? — brinquei, mas havia uma parte muito grande minha satisfeita por ele estar fazendo isso.
— Eu sei, e não me pergunte por que, mas é importante para mim que você veja isso.
— Por quê? — questionei, sentindo o peito aquecer. Ele apertou os olhos na minha direção.
— Eu literalmente acabei de te dizer para não me perguntar isso! — protestou.
Antes que eu pudesse insistir, ouvi meu nome ser chamado por Beatriz. Olhei na sua direção e minha amiga acenou, dizendo que ia para o fundos fechar os caixa, apressando-me para terminar logo o que eu tinha para fazer, e sumiu logo depois.
— Tenho que terminar aqui para não me atrasar para a aula — apontei, voltando minha atenção para o olhar atento de André.
Ele suspirou, parecendo realmente frustrado com alguma coisa, e assentiu.
Prendi a respiração quando ele estendeu a mão e tocou a minha que estava apoiada sobre o balcão, apenas a ponta dos dedos no dorso dos meus, o suficiente para aquecer a pele naquele local. Não acompanhei o movimento dos seus dedos com o olhar, não; o meu estava fixo no seu rosto, da mesma forma como o seu estava no meu. Ele circundou o anel que eu usava, subiu os dedos para brincar com a correntinha fina que usava como pulseira e prendeu o pingente em forma de tartaruga entre eles antes de girar minha mão e descer os dedos pela minha palma.
— Você precisa de uma carona? — Sua voz falhou, rouca; então ele pigarreou, respirou fundo e repetiu a pergunta.
Neguei com a cabeça, porque ainda não tinha perdido o juízo, não por completo. Ele não pareceu decepcionado, apenas assentiu e ergueu minha mão, depositando um beijo rápido na minha palma. Ofeguei, como uma garotinha idiota, tentada a perguntar o que ele estava fazendo e, ao mesmo tempo, pedir que não parasse.
— Boa sorte na prova na próxima quarta — disse por fim, surpreendendo-me por se lembrar da data. Concordei com a cabeça. — Cuidado na rua, não esquece seu currículo semana que vem — instruiu antes de se afastar.
Daquela vez, eu sabia que não tinha a menor chance de eu não marcar os dias no calendário, ansiosa para o seu café da próxima semana.
Na quarta-feira da semana seguinte, o universo pareceu começar a conspirar contra mim logo pela manhã. Não ouvi meu alarme, a resistência do chuveiro queimou e fui agraciada com um banho gelado que não serviu para me acordar, apenas para me irritar, perdi o ônibus e, quando finalmente cheguei ao trabalho, estava uma hora e meia atrasada. Todas as mocinhas de livro sentiram inveja da minha má-sorte, tenho certeza. Depois de me desculpar copiosamente com Max, garantir que no dia seguinte faria hora extra para compensar e dar língua para ele quando não estava olhando, finalmente comecei a trabalhar, já mergulhada no movimento sempre grande durante as manhãs. O dia demorou uma eternidade para passar e, quando finalmente o expediente chegou ao fim, peguei minhas coisas e estava pronta para correr para o ponto de ônibus quando Beatriz me chamou.
— Tenho prova, não posso perder o ônibus — disse, mandando um beijo para ela à distância e andando em direção à porta.
— Pera aí, garota, um minuto só — pediu, correndo para os fundos e voltando um instante depois. Entregou-me uma sacola e me ofereceu uma expressão maliciosa. — O cara do café esquisito deixou para você hoje de manhã, esqueci de te entregar mais cedo.
A curiosidade foi vencida pela pressa. Agarrei a sacola, dei um beijo nela e saí correndo. Somente quando entrei no ônibus e, provando que nem tudo estava perdido, consegui um lugar vazio para sentar, abri o embrulho.
A caixa de chocolate com bombons que pareciam artesanais tinha um laço vermelho de cetim e, amarrado ali, um cartão. Boa prova, Sofia. Na dúvida, culpe Freud.
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