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— Por que você está tão agitada? — Beatriz perguntou enquanto limpava o balcão, aproveitando a folga de alguns minutos no movimento. A mulher com o cabelo preso no alto e brincos enormes, exibindo o mesmo avental naquela cor horrenda de marrom que eu vestia, arqueou uma sobrancelha sugestivamente para mim: — Não para de olhar para a porta.
— Impressão sua — desconversei, conferindo o estoque de leite que tinha acabado de conferir, apenas para depois limpar o moedor de café que também tinha acabado de limpar. — Só estou contando os minutos para sair daqui. Preciso estudar, tenho prova daqui a algumas semanas, e ainda preciso terminar meu TCC.
Não era mentira. A formatura estava próxima e minhas olheiras começavam a ganhar vida e poder. Trabalhar em período integral e fazer faculdade à noite estava sendo muito, muito mais difícil do que eu previra, mas não tinha escolha, e não existia a menor chance de eu largar o curso, não agora que faltava apenas mais um ano para me formar.
Não era por isso, contudo, que eu realmente estava olhando para a porta a cada dois segundos. Não era por isso que eu prendia a respiração por um instante a cada vez que ela abria, apenas para revelar outro cliente aleatório, e não o que eu esperava. Era ridículo. Perfeitamente patético.
— Sei — Bia respondeu, apertando os olhos na minha direção. Não insistiu no assunto, mas, pela meia hora seguinte, podia sentir os olhos dela, atentos sobre mim. Até que a porta se abriu e era ele.
Devidamente acompanhado, por uma ruiva dessa vez.
Ri, por nenhum motivo além da constatação de que havia esquecido desse pequeno detalhe: André aparecia acompanhado com muita, muita frequência. Nos últimos meses, havia contado pelo menos sete mulheres diferentes.
Não que eu estivesse prestando atenção.
Virei de costas, propositalmente evitando contato visual, fingindo um interesse desmedido no moedor de café, enquanto ele fazia o pedido. O de sempre para ele, um café latte para a acompanhante. Ouvi-o agradecer e Bia confirmar se eu tinha pegado o pedido, e só então virei novamente em direção à máquina de expresso. Soltei um gritinho curto e agudo quando dei de cara com ele parado do outro lado do balcão. Diante da minha reação, um sorriso luminoso cortou seu rosto.
— Por que tenho a impressão de que você faz muito isso? — perguntou, os olhos apertados. Olhos esses que me acompanharam quando fui até a máquina e comecei a preparar o pedido. — Esse gritinho, quero dizer. Fez a mesma coisa sexta passada.
— Quando você invadiu a loja depois de fechada? — impliquei, evitando olhar para ele. — Não é como se não fosse uma reação natural humana gritar quando leva um susto. Talvez você devesse parar de me assustar.
Não estava tentando ser engraçada, talvez estivesse até um tanto mal-humorada, beirando a grosseria, mas, por algum motivo, uma risada baixa escapou dele, fazendo arrepiar pelinhos que eu nem lembrava que tinha no pescoço. O que raios esse homem está fazendo tão perto?, perguntei-me ao olhá-lo e ver que estava praticamente pendurado no balcão ao meu lado.
— Justo — respondeu, o olhar preso a mim.
Com a xícara na mão, franzi o cenho para ele.
— O que você está fazendo aqui? — perguntei, confusa com essa intromissão no meu trabalho vinda de alguém que, até alguns dias antes, mal havia olhado na minha direção.
André estalou os dedos e apontou o indicador na minha direção.
— Você revirou os olhos para mim de novo — acusou, uma sobrancelha arqueada e uma expressão que deixava claro acreditar ter me pegado no flagra. Franzi as sobrancelhas, alheia à acusação.
— Revirei? — perguntei, apertando os botões da máquina, aproveitando o barulho para evitar a conversa por alguns segundos. André assentiu, olhando-me como se esperasse uma explicação. — Não percebi.
Não era mentira; contudo, não pareceu satisfazê-lo. Com um suspiro, debrucei-me no balcão também, chamando-o com um dedo. André se aproximou sem hesitar, e me arrependi de imediato quando chegou perto demais.
— Não era para você. — Apontei com a cabeça para a acompanhante da vez, distanciando-me dele para uma distância segura. Se por pura coincidência ou não, a mulher em questão era cliente assídua do lugar.
A loja ficava bem no meio de um centro empresarial, então não era raro que o espaço fosse usado para encontros comerciais e reuniões, e era exatamente o caso dela: volta e meia aparecia a negócios e, todas as vezes, sem exceção, tratava alguém mal. Disse isso para ele com um balançar de ombros despretensioso e, ao invés de parecer irritado, André literalmente jogou as mãos aos céus.
— Eu sabia que não estava ficando maluco — disse, suspirando aliviado. Dividindo minha atenção entre ficar confusa e voltar a fazer café, arqueei uma sobrancelha. — Eu estou tentando fugir do meu encontro — sussurrou como se me contasse um segredo. André fez uma careta e foi difícil não rir, mas me forcei a voltar a fazer o meu trabalho. — Não costumo brigar com as pessoas por causa de política, mas, meu Deus — reclamou em um tom choroso —, faz meia hora que estou tentado a furar meus tímpanos para não ter que ouvir mais nada.
Dessa vez, perdi a batalha e quase derrubei a jarra de leite já quente na minha mão quando uma risada me escapou.
— Por que você só não vai embora, então? — perguntei, tentando manter o interesse fora da minha voz e provavelmente falhando miseravelmente.
Os olhos dele se arregalaram, como se estivesse verdadeiramente horrorizado com a possibilidade. Levou a mão ao peito em um gesto exageradamente dramático.
— Com licença, mocinha? — inquiriu em choque. — Minha mãe me educou com muito esmero e puxaria minha orelha com força se eu me atrevesse a ofender uma mulher desse jeito — protestou.
Soltei uma risada descrente e balancei a cabeça, despejando o leite na xícara, movendo a mão no ritmo certo para formar o desenho de um delicada flor em cima.
— Mas toda semana aparecer com uma mulher diferente como se fossem produtos descartáveis tudo bem — murmurei no que pensei ser apenas para mim mesma, momentaneamente esquecendo do quão perto ele estava. Quando me dei conta, foi a minha vez de arregalar os olhos ao encará-lo novamente. Minha boca caiu aberta diante do olhar cerrado que me ofereceu. — Desculpa, eu não...
... tenho o direito de me meter na sua vida, seria o que teria saído da minha boca se, nesse momento, a ruiva não tivesse decidido que já havia sido abandonada por tempo demais e aparecido para reivindicar seu acompanhante novamente.
Ele deixou que ela o conduzisse para a mesa, não sem antes me olhar novamente por sobre o ombro como se eu tivesse duas cabeças. Antes que eu pudesse me permitir ser consumida pela vergonha, senti uma boca perto da minha orelha.
— Era isso que você tanto olhava para a porta, é? — A voz de Beatriz me fez dar um pulinho no lugar.
— Credo! Parece assombração — reclamei, desvencilhando-me dela.
Minha amiga riu e me acertou com um pano de prato.
— Sofia, Sofia... Se apaixonando por cliente? — implicou, vindo atrás de mim.
— Olha quem fala. Quem te escuta até acredita que você não planeja seu casamento e o nome dos seus filhos com cada cara bonito que vê no ônibus — devolvi a malcriação.
— Tantas histórias de amor não vividas — suspirou, dramática e sonhadora.
— Está vendo o Max em algum lugar? — perguntei, esticando o pescoço para percorrer os olhos pelo salão à procura do gerente.
— Ele saiu — Bia respondeu, erguendo as mãos aos céus. — Foi ver entrega de mercadoria não sei onde, não sei com quem. Disse que só volta para fechar no fim do dia.
— Acho que vou aproveitar que está quieto aqui para estudar — ponderei, franzindo o nariz, pensando na quantidade de conteúdo que ainda precisava cobrir. Beatriz me dispensou com a mão, como se não pudesse se importar menos com a minha forma escolhida para burlar o trabalho, já apanhando o celular de dentro do bolso do avental.
Fiz o mesmo com o meu, escondendo-me atrás da máquina de café, e abri o arquivo com o conteúdo que estava lendo na noite anterior. Não sei quanto tempo se passou naquela abençoada tarde de calmaria em que nada parecia acontecer no café, até que ouvi meu nome ser chamado e quase derrubei o celular no chão com o susto que tomei. Ergui os olhos para ver André, mais uma vez, parado, apoiado no balcão ao lado da máquina, um sorriso sapeca no rosto. Apertei os olhos.
— Você realmente precisa parar de me assustar — resmunguei, guardando o celular de novo no bolso do avental.
— O que você está lendo? — perguntou, ignorando minha reclamação.
— Estudo do comportamento do consumidor — recitei o nome da disciplina. — Tenho prova daqui a duas semanas — suspirei.
— Marketing? — questionou, uma sobrancelha arqueada em um interesse genuíno.
— Publicidade e Propaganda — corrigi.
Um grupo barulhento escolheu aquele momento para cruzar a porta. Ouvi as ordens de café sendo feitas e permiti-me um último olhar para André. Apontei com o polegar para a máquina e ele acenou com a cabeça.
— Tenha um ótimo dia, Sofia — desejou, deixando um tapinha no balcão antes de se afastar. Fui rapidamente soterrada com pedidos de bebida e só muitos minutos depois me dei conta de que ele estava sozinho; não tinha ideia de para onde a acompanhante dele tinha ido.
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